sábado, 11 de julho de 2020

Brasileiro de alta renda busca imóvel grande por conforto no confinamento, FSP

SÃO PAULO

Com a recomendação de distanciamento social para evitar a propagação do novo coronavírus, a ordem é que as pessoas fiquem em casa. Após 120 dias, porém, o confinamento em apartamentos nas grandes cidades do país se mostra pouco agradável.

Para se adaptar à nova realidade, brasileiros com alta renda têm recorrido a imóveis maiores, em condomínios, principalmente nas regiões próximas às capitais ou mesmo no interior, segundo relatos de corretores e executivos do setor.

A intenção é passar o período em casas ou apartamentos grandes e longe do estresse das grandes cidades.

A nova rotina foi, para muitos, o ponto de virada para colocar em prática hoje planos que ainda ocupavam o tempo futuro.

Para o empresário Eduardo Alves de Lima, 38, a pandemia foi o empurrão final para que ele e a mulher realizassem o sonho de ver a filha de quatro anos crescer em uma casa, com mais liberdade e, ainda assim, ter segurança.

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O empresário Eduardo Alves na casa em Alphaville para a qual se mudará com a família - Zanone Fraissat/Folhapress

Lima tem um ecommerce e viu seu faturamento crescer em meio à pandemia. Com o dinheiro a mais entrando, decidiu que era hora de deixar o apartamento em que vive em Osasco, na região metropolitana de São Paulo. Contrato assinado, a família deve ir rumo a Alphaville, em Barueri, em alguns dias.

“Tudo o que eu faço é para proporcionar uma vida incrível para minha filha, e, para isso, temos que ir para um casa.”

O presidente da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), Luiz Carlos França, diz ter verificado, por meio de pesquisa de tendências, que os compradores passaram a valorizar mais sacadas, casas, jardins e coberturas. “É uma mudança de comportamento importante.”

Levantamento da consultoria Brain, que vem monitorando o mercado durante a pandemia, mostra que, em junho, 10% dos compradores disseram ter passado a buscar casa após o confinamento. Em abril, no levantamento anterior, esse fator não aparecia.

Viver fora de São Paulo era um desejo que os publicitários Luiz Villano, 38, e Florencia Lear não viam como realizar tão logo. “Em razão do trabalho, era necessário viver aqui. Tínhamos decidido então manter uma casa funcional em São Paulo e construir outra, para lazer, em Guararema”, diz Villano.

Luiz Villano e Florencia Lear, que estão de mudança para Guararema, no interior de SP - Zanone Fraissat/Folhapress

A boa adaptação de ambos ao home office e a perspectiva de que o retorno ao trabalho presencial ainda leve um tempo —e que, quando acontecer, será aos poucos— fizeram a programação do casal mudar.

“Com três dias por semana de home office mais o fim de semana, não tinha mais por que ter a casa só para lazer”, diz Villano. A mudança deve ocorrer em um mês, assim que as obras de acabamento da casa nova terminarem.

“Vamos viver mais integrados com a natureza, vou fugir de clube. Posso continuar minha vida de executivo e ainda gozar da vida no interior, sem precisar viver cercado por muros.”

Monique Donata Tonini, sócia do Casas Bacanas, imobiliária especializada em imóveis de alto e médio padrão, diz que o interesse maior por casas é nítido e teve início a partir do fim de abril. Nos meses de maio e junho, a empresa registrou um procura 70% maior por esse tipo de imóvel.

“São duas coisas, procura por espaço maior e espaço aberto, principalmente casa, e, na impossibilidade de morar numa casa, uma cobertura ou ao menos uma varanda”, diz Monique.

Na SF Consultoria Imobiliária, o mês de junho foi o melhor dos últimos cinco anos, relata o sócio Dario Ferraço. No primeiro semestre, a empresa cresceu 14% em comparação com ano passado, mesmo com cerca de 40 dias parados.

Para Ferraço, os negócios fechados nos últimos 60 dias foram favorecidos por dois movimentos. Um ligado à insegurança quanto à rentabilidade de investimentos (favorecendo a compra de imóvel como uma aplicação), e outro, às necessidades criadas pela pandemia com o distanciamento social, como a paralisação de aulas e o fechamento de escritórios.

“Quem morava em apartamentos de 80, 100 metros quadrados entendia que morava bem, principalmente porque ficavam pouco em casa. Com o confinamento, houve a necessidade de ir para uma casa com quintal, piscina”, diz.

Ferraço afirma que 80% dos clientes que fecharam compras nos últimos dois meses querem casas ou apartamentos com varanda que já estavam prontos para morar.

Outra mudança no comportamento de compra observada pelo consultor é a dos fatores que levam os compradores a decidir pela aquisição. “Tradicionalmente, localização era o mais importante. Agora, varanda e área de churrasqueira vão ganhando relevância.”

Em São Paulo, a busca por casas ampliou a quilometragem das mudanças. A corretora Renata Firpo, da Coelho da Fonseca (especializada em imóveis de alto padrão), afirma que o fluxo no sentido interior cresceu tanto que alguns condomínios já não têm imóveis disponíveis para aluguel.

“Começou uma busca muito grande no começo de março, e a procura se manteve numa crescente. Fazenda Boa Vista, Haras Larissa e Quinta da Baroneza são três condomínios de alto padrão que estão a uma hora ou mais de São Paulo e que já não têm casas para alugar”, diz.

Thiago Alonso de Oliveira, presidente-executivo do JHSF, grupo que administra o empreendimento Fazenda Boa Vista, confirma. “Das casas que estavam para alugar, até onde eu sei, estão todas ocupadas. Se a casa está vazia, é porque o proprietário decidiu não ir pra lá na quarentena”, afirma.

A Fazenda Boa Vista é um condomínio de “altíssimo padrão”, afirma o presidente da JHSF. As casas custam entre R$ 6 milhões e R$ 50 milhões, e a metragem vai de 2.000 a 100 mil metros quadrados.

Esses imóveis eram tidos como espaços de veraneio e agora ganharam outra função. “Antes da pandemia eram poucos os moradores que passavam os 365 dias do ano por lá. Cada vez mais as pessoas têm interesse em transformar esse espaço em sua primeira residência”, afirma.

Em comunicado ao mercado no início de julho sobre prévia de resultados, o grupo JHSF anunciou que as vendas na Fazenda Boa Vista subiram 532% na comparação do 2º trimestre de 2019 com o mesmo período deste ano. As vendas saíram de R$ 45,6 milhões e foram para R$ 288 milhões.

“Bombou a busca por locação de temporada, com contratos ajustados para períodos de seis meses, ou até o fim do ano. Agora, se alguém quiser alugar casa por esses condomínios, vai ter que esperar até o início de 2021. E estou falando de locação de R$ 50 mil mensais”, diz Renata Firpo, da Coelho.

“No caso da venda, os valores dos imóveis nesses locais subiram entre 20% e 30% do fim do ano passado para agora, inclusive os terrenos.”

CASAL FECHA BAR EM PINHEIROS E SE ADAPTA À ROTINA RURAL

Para Alessandra Souza, 46, e Eduardo Jarussi, 40, as rupturas trazidas pela quarentena acabaram antecipando o desejo de uma vida mais tranquila e rural. Há dois meses estão vivendo em casa no distrito de São Francisco Xavier, na região de São José dos Campos, e ainda se adaptam a uma rotina tão diferente daquela que seguiram nos últimos sete anos.

Como distanciamento social na capital, foram obrigados a fechar o Cateto, bar que havia cinco anos integrava o movimentado circuito gastronômico do bairro de Pinheiros, na zona oeste. A primeira unidade, na Mooca, fechou as portas em 2019.

“Era aquela vida doida de estar sempre fora de casa, só voltávamos para dormir, não tinha fim de semana, nada. Aqui é tudo o contrário”, diz Eduardo.

Com a constatação de que não conseguiriam manter o bar somente com entregas, a mudança para o interior e a criação do clube de assinaturas Cateto Crafters de envio de produtos regionais ocorreram quase simultaneamente.

“Não tínhamos reserva financeira. Como o Cateto sempre tratou diretamente com os produtores, pensamos que seria um jeito de continuar. Foi praticamente ao mesmo tempo, nós mudamos e enviamos as primeiras caixas.”

Alessandra diz que agora, dois meses depois da mudança, o casal ainda se adapta à nova rotina, longe da pressão e da correria. “São quatro horas da tarde e você se pergunta: ‘Por que eu estou sem fazer nada? Será que esqueci alguma coisa?’”

MERCADO DE USADOS AVANÇA EM SP, MAS LANÇAMENTOS PARAM

Enquanto o mercado de imóveis prontos no médio e alto padrão parece ter entrado em recuperação a partir de junho, os incorporadores ainda não estão confiantes quanto aos lançamentos.

No primeiro trimestre deste ano, o número de alvarás de construção concedidos pela Prefeitura de São Paulo foi 8,3% maior do que as autorizações liberadas no ano passado. O indicador calculado pela Fipe e pela Abrainc aponta uma alta de 10% no período de 12 meses e ainda não considera o período mais agudo da pandemia.

Para o presidente da Abrainc, o número mostra a intenção das empresas em investir. Ele estima que o trimestre encerrado em junho mostre lançamentos somente no segmento econômico.

Indicador da Fipe a partir de dados dos incorporadores no mês de abril registrou avanço de 47% nos lançamentos do Minha Casa, Minha Vida. Entre os imóveis de médio e alto padrão, nenhum lançamento foi registrado pelas 20 maiores incorporadoras do país.

Na capital, segundo o Secovi-SP (Sindicato da Habitação), foram lançados 1.570 empreendimentos residenciais em maio, uma queda de 44% ante o mesmo período do ano passado.

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sexta-feira, 10 de julho de 2020

ANTÓNIO GUTERRES Um alerta global, FSP

Líderes políticos precisam entender que a desunião é um perigo para todos

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António Guterres

Secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas)

O mundo enfrenta tempos turbulentos por múltiplos fatores: a pandemia da Covid-19, as perturbações climáticas, a injustiça racial e o aumento das desigualdades.

Ao mesmo tempo, a comunidade internacional tem uma visão estruturada e duradoura, consolidada na Carta das Nações Unidas, que celebra o 75º aniversário. Essa visão traduz uma aspiração a um futuro melhor, ancorado em igualdade, respeito mútuo e cooperação internacional, e nos ajudou a evitar uma 3ª Guerra Mundial que teria consequências catastróficas para a humanidade e para o planeta.

O desafio que hoje partilhamos convoca, de novo, essa mesma visão. A pandemia expôs desigualdades severas e sistêmicas. Evidencia fragilidades: na resposta à emergência sanitária e de saúde e à crise climática, no vazio legal em matéria de ciberespaço e nos riscos de proliferação nuclear. As populações estão perdendo confiança nas instituições e nos sistemas políticos.

O secretário-geral da ONU, António Guterres - Fabrice Coffrini/AFP

Esse quadro é agravado por conflitos que se prolongam, números recordes de pessoas forçadas a abandonar suas casas, pragas de gafanhotos e secas iminentes, em meio a crescentes tensões geopolíticas.

Perante essas fragilidades, pede-se humildade aos líderes mundiais e o reconhecimento da importância vital da unidade e da solidariedade. Ninguém é capaz de prever o que nos espera, mas posso antecipar dois cenários distintos.

Num cenário “otimista”, o mundo seria bem-sucedido. Os países do hemisfério norte conseguiriam delinear, com êxito, uma saída para a crise. Países em desenvolvimento receberiam apoio, e sua jovem população ajudaria a mitigar o impacto. Em alguns meses, uma “vacina do povo” seria distribuída, disponível e acessível a todos. Se isso acontecesse e se a economia arrancasse, poderíamos prever alguma normalidade dentro de dois ou três anos.

Num cenário mais sombrio, a coordenação da ação entre Estados falha, novos surtos do vírus surgem, a situação no mundo em desenvolvimento explode, a pesquisa da vacina demora a produzir resultados ou fica sujeita a uma forte concorrência, permitindo que países com maior poder econômico ganhem primazia no acesso.

Neste cenário poderíamos assistir a um crescente movimento de fragmentação, populismo e xenofobia. Cada país procuraria agir de forma isolada ou com alianças constituídas para fins específicos. O mundo revelar-se-ia incapaz de mobilizar a governança necessária para enfrentar desafios comuns. O resultado seria uma depressão global, que poderia durar cinco ou sete anos antes do surgimento de um novo normal, cuja natureza é impossível prever.

É muito difícil saber em qual direção estamos seguindo. Devemos nos esforçar para construir o melhor cenário, mas temos que nos preparar para o pior.

A pandemia, por mais horrível que seja, é um alerta para que os líderes políticos entendam que é necessário mudar abordagens e que a desunião é um perigo para todos. A única maneira de enfrentar as fragilidades globais é através de mecanismos mais robustos de governança global e cooperação internacional.

Temos de emergir da crise com sociedades e economias mais sustentáveis, inclusivas e que assegurem a igualdade de gênero. Devemos repensar a maneira como as nações cooperam. O multilateralismo atual não tem escala, ambição e poder —e alguns dos instrumentos que têm poder não têm revelado muita vontade para exercê-lo, como constatamos nas dificuldades enfrentadas pelo Conselho de Segurança.

Precisamos de um multilateralismo em rede, no qual as Nações Unidas e suas agências, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, organizações regionais, de comércio internacional e outras trabalhem de forma mais próxima e eficaz.

É necessário um multilateralismo mais inclusivo. Os governos não são os únicos atores em termos de política e poder. Sociedade civil, empresas, autoridades locais, cidades e governos regionais assumem mais papéis de liderança no mundo atual.

Tudo isso pode contribuir para um multilateralismo eficaz, com mecanismos para que a governança global funcione sempre que necessário.

Um novo multilateralismo em rede, inclusivo e eficaz, baseado nos valores da Carta das Nações Unidas, poderia fazer-nos despertar do sonambulismo e parar a derrocada em direção a um perigo ainda maior.
Os líderes políticos precisam entender esse alerta e se unir para lidar com as fragilidades do mundo, fortalecer a capacidade de governança global, dar força às instituições multilaterais e aproveitar o poder da unidade e da solidariedade para superar o maior teste do nosso tempo.