sábado, 28 de março de 2020

Na crise do coronavírus, Doria, Witzel e Dino crescem nas redes; Bolsonaro cai, FSP


SÃO PAULO
A crise provocada pela pandemia de coronavírus alavancou a popularidade virtual dos governadores João Doria (PSDB-SP)Wilzon Witzel (PSC-RJ) e Flávio Dino (PC do B-MA), enquanto fez cair o índice em relação ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
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O governadore do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), e o de São Paulo, João Doria (PSDB) - Marcelo Chello - 9.set.2019/Folhapress
Ainda assim, Bolsonaro segue disparado no chamado IPD (Índice de Popularidade Digital), medido pela consultoria de dados Quaest. O IPD compila informações do Twitter, Facebook, Instagram e, agora, em sua versão 2.0, também analisa Youtube, Google Trends e acessos a Wikipedia.
O IPD, que varia de 0 a 100, também passou a ser medido diariamente, possibilitando a comparação dos políticos entre os dias 25 de fevereiro e 25 de março, quando o país começou a sentir os efeitos da pandemia.
No período, Bolsonaro caiu de 83,1 para 69,1 —queda de 16,8%. Em patamar bastante abaixo do presidente, os governadores, porém, experimentaram altas proporcionais significativas. Doria cresceu 66,1%, Dino subiu 54,9% e Witzel, 39,6%.
O tucano foi de 10,55 a 17,52. Dino aparecia com 12,74 e alcançou 19,73. Já Witzel variou entre 9,76 e 13,62. Isso significa que os governadores despertaram mais interesse dos internautas e tiveram mais engajamento e alcance nas suas redes sociais.
Ao longo da semana, o presidente e os governadores travaram uma disputa em torno da melhor forma de combater o coronavírus, que culminou com uma discussão entre Doria e Bolsonaro na quarta-feira (25).
Após pronunciamento na terça-feira (24), em que chamou o coronavírus de “gripezinha” e defendeu abrandar o isolamento social, Bolsonaro recebeu críticas dos governadores, de parlamentares e de especialistas em saúde.
Ferramenta da Folha mostra que, no Twitter, o presidente se isolou com a direita, enquanto centro e esquerda condenaram o seu discurso.
Em reação, os governadores se reuniram na quarta-feira e mantiveram as medidas de isolamento social —a exceção é o governo de Santa CatarinaMato Grosso e Rondônia. Nesse movimento, Doria ganhou protagonismo ao liderar a oposição a Bolsonaro.
Felipe Nunes, CEO da Quaest e professor de ciência política da UFMG, diz que, apesar do expressivo capital político digital de Bolsonaro, adversários antes combalidos nas redes voltam a ter destaque.
“Isso é explicado fundamentalmente pela maneira como os governadores estão reagindo e interagindo com Bolsonaro nas redes. Esses três atores estão se recuperando. Ainda estão longe, mas foram os que mais ganharam no período”, afirma.
Doria e Witzel, que se elegeram apoiando Bolsonaro e pegando carona em seus votos, também tinham a popularidade digital a reboque do presidente. Tanto que caíram nas redes quando romperam politicamente com o capitão.
Neste momento, porém, quando Doria dá seu maior passo em oposição a Bolsonaro, chegando a dizer à CNN que se arrependeu do seu voto no capitão em 2018, o tucano cresce mesmo assim.
“Antes esses governadores tinham destaque não independentemente, mas por conta do presidente. Agora estão construindo um capital político independente, estão ganhando musculatura digital própria”, explica Nunes.
Doria se destaca em volume de interesse, dimensão que mede buscas por informação no Google e na Wikipedia. O dado mostra que o governador paulista, que pretende ser candidato à Presidência da República em 2022, está nacionalizando seu nome —tornando-se conhecido por quem é de fora de São Paulo.
Dino tem a mobilização como ponto forte, ou seja, se sobressai no total de compartilhamentos de conteúdos em redes sociais. O governador do Maranhão se destaca como representante da esquerda.
Além de mobilização e interesse, as demais dimensões do IPD são presença digital (número de redes sociais ativas), fama (público total nas redes), engajamento (volume de reações e comentários ponderado pelo número de postagens nas redes) e valência (proporção de reações positivas e negativas).
Apesar do revés na crise do coronavírus, Bolsonaro ainda lidera isolado o ranking do IPD. Nunes afirma que o índice considera as interações nas redes feitas por robôs, mas que não é isso que explica o sucesso do presidente.
“Na verdade, é mais orgânico do que robotizado. A estratégia de Bolsonaro é sempre pautar a conversa política do dia, gerando engajamento e mobilização que o colocam na dianteira. Ele é o centro das atenções. O ‘falem mal ou falem bem, mas falem de mim’ funciona muito.”
Nunes afirma ainda que nenhum político se firmou como o antagonista político de Bolsonaro, o que poderia fazer desse adversário tão forte quanto ele nas redes. Essa posição varia num rodízio entre Lula (PT), Luciano Huck, Doria, Witzel, Dino e outros.
“Bolsonaro tem posições claras e é polêmico. Está buscando o inimigo sempre. Mas os outros não estão no noticiário o tempo todo como ele. Ele é sempre ator em um polo, mas o antagonista no outro polo varia a cada momento”, diz.

Pandemônio, Fernando Haddad , FSP

Incapaz de enfrentar o problema, Bolsonaro lança campanha contra isolamento

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Bolsonaro promove a discórdia. Em nenhum país do mundo se vê algo semelhante. Com o agravamento da crise, a maioria dos governantes têm se portado como chefe de Estado. Muitos erros foram cometidos diante da pandemia, inclusive pela OMS, mas o esforço agora tem sido enfrentar, com base no melhor que a ciência pode oferecer, o desafio monumental com que nos deparamos.
Em menos de duas semanas, Bolsonaro conseguiu a proeza de: 1) hostilizar dois Poderes da República, convocando e participando de ato pelo fechamento do Congresso e do STF; 2) criar uma crise diplomática com a China, soltando a coleira de seu filho Eduardo; 3) afrontar 25 governadores, muitos dos quais seus aliados, determinando o fim do isolamento social, depois de seu ministro da Saúde tê-los induzido a decretá-lo.
Quando, no domingo passado, Bolsonaro editava a MP da Morte —que permitia às empresas a suspensão de contrato de trabalho por quatro meses sem pagamento do salário—, o primeiro que veio a público defendê-la foi o governador João Doria. No que concerne à economia, direita e extrema-direita sempre estarão de acordo em fazer recair a conta da crise nos ombros do trabalhador.
Diante do desgaste inédito que sofreu ao longo da semana, tendo que revogar a referida MP, Bolsonaro, comportando-se como verdadeiro chefe de facção, resolveu dar um passa-moleque nos governadores.
Havia uma implícita divisão de tarefas a cumprir, respaldada pelas atribuições de cada um no pacto federativo: governadores e prefeitos tratariam de evitar o colapso do sistema de saúde; e o governo federal trataria de evitar o colapso da economia. Vidas e empregos se perderiam, infeliz e inevitavelmente, mas as perdas poderiam ser minoradas.
Estudos sobre a gripe espanhola (1918), por exemplo, mostram evidências robustas de que intervenções não farmacêuticas, como o isolamento social, não apenas diminuíram a mortalidade como mitigaram as consequências econômicas da pandemia comparativamente às regiões que não as adotaram.
Não existe receita simples, mas não estamos diante de um dilema moral entre saúde e economia.
Ciente de sua total incapacidade para enfrentar o problema, Bolsonaro resolveu apostar. Convencido de que os estragos a uma economia já combalida são maiores do que alguns milhares de corpos empilhados —num país pobre que, afinal, pratica genocídio diariamente—, lançou a campanha "o Brasil não pode parar", que tira as pessoas do isolamento e isola o país do resto do mundo.
Não se pode permitir que Bolsonaro siga transformando o país nesse pandemônio.
Fernando Haddad
Professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo.