sexta-feira, 27 de março de 2020

Chegou a hora de pôr fim à angústia de Bolsonaro e de lhe dar o impeachment, Reinaldo Azevedo, FSP


É uma ilusão tola apostar que o presidente vai parar, ele não vai



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O presidente Jair Bolsonaro busca desesperadamente o impeachment. Nem ele sabe disso. Já escrevi a respeito no meu blog. Trata-se de uma fantasia narcísica da qual, obviamente, ele não tem consciência.
Quer ser mártir de um delírio compartilhado com um país mental que chamo “Bolsolavistão”. Se e quando cair, e tudo indica que vai, poderá, então, se oferecer como a verdade sacrificada pelos homens maus. No terreno pessoal, só isso explica o seu comportamento.
Um dado puramente técnico: na minha conta, ele já cometeu 10 crimes de responsabilidade, com 15 agressões à lei 1.079. Na leitura desta Folha, foram 15 crimes autônomos. Tanto faz. Para sustentar uma denúncia, basta um. O único seguro do governante, nesse caso, é impedir que se forme uma maioria qualificada de dois terços da Câmara em favor do impeachment. Com 342 deputados, já era! Não será o Senado a segurá-lo.
As ruas decidirão a sorte de Bolsonaro, mesmo essas enclausuradas nas sacadas e janelas. A canção de resistência do Brasil, a “Bella Ciao” destas plagas, entre 20h e 20h30, tem outro refrão: “Fora Bolsonaro”, sem vírgula. O comportamento do presidente na crise do coronavírus está transformando essas duas palavras numa divisa civilizatória. A economia pode fazer o resto.
Crime de responsabilidade, crise econômica, uma maioria de insatisfeitos e presidente alheio à realidade são os elementos que levam à formação daqueles dois terços. A conversa de que impeachment é golpe, cumpridos os requisitos legais, é coisa de acólitos e de beneficiários do governo de turno. Quando se estabelece a certeza de que, diante da devastação, o líder não mudará a sua conduta, mostrando-se disposto a confundir a sua pantomima pessoal com os destinos da nação, então é hora de mandá-lo para casa.
É uma ilusão tola apostar que Bolsonaro vai parar. Não vai. Alimentou-se por aqui a bobagem de que ele poderia adequar-se aos limites e exigências do cargo. Ora, minhas caras, meus caros, o poder é um péssimo educador. Na origem da palavra “educar” está o verbo latino “duco”, que quer dizer “conduzir”, “guiar” por um caminho. Palácios são lugares em que se conjuga a antítese: “seduzir” —de “seduco”, cujo significado é “afastar do caminho”. Acreditem em protetor solar, em quarentena e em etimologia.
Bolsonaro está, de resto, muito mal assessorado. Com ele, ascenderam ao, por assim dizer, poder intelectual alguns empresários de porte médio que não têm tempo para a empatia e a compaixão. Sopram aos ouvidos do líder: “Que importa que morram alguns milhares de velhos? A crise econômica matará muito mais”.
Nessa formulação cafajeste, há a suposição de que quarentena é um estado permanente e de que será exclusivamente ela a responder pela recessão, que já está contratada. Temos a única elite do mundo —vá lá: parte dela— a contestar hoje a eficácia do isolamento social. Não se trata de um procedimento para pôr fim ao troço. É só uma medida que busca evitar o caos na Saúde, hipótese em que aos mortos da Covid-19 outros tantos se juntariam, vítimas de moléstias diversas, mas igualmente sem um leito nos hospitais.
Ficássemos à mercê do nosso governante deseducado, o PIB igualmente mergulharia no escuro da desilusão, mas com caminhões do Exército a carregar corpos para cremação, como se vê na Itália, que experimentou as medidas sugeridas por alguns sábios daqui: retardou as medidas de isolamento social para não prejudicar a economia. Escolheu as mortes para manter o crescimento. Não terá o crescimento agora nem tem onde enterrar seus mortos.
O Brasil precisa realizar a fantasia de Bolsonaro para pôr fim à sua angústia. Tão logo se volte a ter um funcionamento regular dos Poderes.
Nota: lágrimas para todos os mortos. Em especial para a maestrina Naomi Munakata, 64, e para o maestro Martinho Lutero Galati, 67, vítimas ambos da Covid-19. Dirão alguns: “Tinham doenças pré-existentes e já eram velhos”. Regina Duarte, secretária de Cultura, foi às redes sociais cobrar o fim do isolamento social. É a lírica do pum do palhaço.
Reinaldo Azevedo
Jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.

Crime de irresponsabilidade, FSP


Reportagem de Catia Seabra e Júlia Barbon mostrou que, no Rio de Janeiro, organizações criminosas estão impondo toque de recolher em favelas para restringir a disseminação da Covid-19. Quando até traficantes atuam com mais responsabilidade do que o presidente da República, é sinal de que já passa da hora de nos livrarmos do inquilino do Alvorada. A questão é como.
O remédio constitucional para a nossa patologia é o impeachment. Seria complicado, porém, utilizá-lo agora. O processo de afastamento de um presidente demanda tempo e drenaria as energias de um Congresso que, no momento, tem assuntos mais urgentes para tratar, notadamente a aprovação de medidas econômicas de emergência para atenuar os efeitos da crise, que serão dramáticos.
A alternativa pragmática é isolar politicamente o presidente. Ele continuaria proferindo desatinos, enquanto prefeitos, governadores e até ministros da ala racional fariam o que precisa ser feito. No plano jurídico, mesmo que esteja disposto ao enfrentamento, Bolsonaro não tem autoridade para revogar determinações de autoridades municipais e estaduais relativas ao funcionamento de comércio, escolas, transporte local etc.
João Doria durante teleconferência com Bolsonaro e governadores do Sudeste - Governo do Estado de São Paulo
Não vejo muito como sair dessa tentativa de fazer o "by-pass" da Presidência, mas é preciso deixar claro que o arranjo é subótimo. Para começar, ainda há muitas pessoas que confiam em Bolsonaro, e elas podem ser levadas a agir irresponsavelmente devido às declarações estapafúrdias do titular do Planalto.
Ainda mais crucialmente, o momento exige muita coordenação, para que as cadeias de produção e distribuição de suprimentos essenciais não sejam interrompidas. Seria muito menos difícil acertar os ponteiros se pudéssemos contar com uma autoridade central comprometida com um plano de enfrentamento da crise coerente e informado pela ciência. Infelizmente, nós não temos nada remotamente parecido com isso.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Ruy Castro Tribunal do futuro, FSP

Chamar Bolsonaro de irresponsável não é correto; ele será o grande responsável por tudo

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Há uma sensação de que, se Jair Bolsonaro não for amarrado a uma árvore e amordaçado antes de tomar mais medidas desastrosas, o custo em vidas —pessoas que não precisariam nem ter sido infectadas e que morrerão— será incalculável. Mas, um dia, essas vidas terão de ser calculadas. Todos os membros do governo que, por atos ou palavras, se opuseram à política de isolamento social e contribuíram para a disseminação do coronavírus serão obrigadas a pagar por isso.
Entre esses, deverão incluir-se o senador Flávio Bolsonaro e o ministro da Destruição do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Eles postaram um vídeo do dr. Drauzio Varella gravado há dois meses, quando a situação era diferente, como se se referisse a hoje, e depois pediram "desculpas pela distração". Essa "distração" pode ter tirado de casa e exposto à doença milhares de pessoas que respeitam Drauzio Varella e seguem sua orientação.
Na apuração das cumplicidades, não poderão faltar pascácios como Regina Duarte, secretária da Cultura, e seu subordinado que lhe é superior, Sérgio Camargo, diretor da infeliz Fundação Cultural Palmares —nenhum deles agente sanitário ou sequer mata-mosquitos, mas que se apressaram a aderir à política de contaminação.
O general Augusto Heleno, chefe de um gabinete-fantasma, deveria ter refreado seu incompreensível instinto de superioridade e obedecido à quarentena que, como infectado, foi ordenado a cumprir. Ao sair de casa e roçar suas ombreiras nos colegas, pode estar lhes repassando suas patogenias. E, num nada hipotético tribunal do futuro, o próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não sairá impune se consumar a troca de seu juramento na medicina pela política irresponsável de Bolsonaro.
Aliás, chamar Bolsonaro de irresponsável também não é correto. Ele é o grande responsável pelo que vier a acontecer no Brasil —e a isso terá de responder.