quarta-feira, 25 de março de 2020

Bolsonaro aceita contar cadáveres para camuflar incompetência, FSP

Ao insistir na economia e forçar saída abrupta, presidente produz cenário catastrófico

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Depois de posar como um presidente sensato, Donald Trump teve uma recaída. O americano chegou a reconhecer a gravidade da crise provocada pelo coronavírus e anunciou medidas de restrição em todo o país. Agora, decidiu desafiar autoridades sanitárias e disse que espera ver a economia funcionando normalmente em menos de 20 dias.
A tentação de forçar a retomada de uma vida normal ressurgiu cedo em círculos populistas. Alguns líderes estão claramente dispostos a contar cadáveres desde que, em troca, consigam reduzir o impacto político da inevitável retração econômica.
A pressão tende a ser maior em países que não têm condições ou interesse em sustentar medidas paliativas, como a cobertura de parte dos salários dos trabalhadores. Jair Bolsonaro que o diga. O brasileiro foi porta-estandarte desse movimento.
No pronunciamento alucinado feito pelo presidente na TV nesta terça (24), ele já afirmou que “devemos, sim, voltar à normalidade”. Fez um malabarismo para questionar o fechamento de escolas e voltou a chamar o vírus que já matou mais de 15 mil no mundo de “gripezinha ou resfriadinho”. Uma receita delirante para a catástrofe.
Pronunciamento de Bolsonaro na TV - Reprodução
É uma questão de tempo até que a ansiedade volte a dominar o presidente. Além de ter sido vocalizada por seu ídolo americano, a visão ganha força entre empresários governistas. Um deles desdenhou da possibilidade de ver 7.000 mortos no país e outro disse que os trabalhadores deveriam ter mais medo de perder o emprego do que de morrer.
O terrorismo desumano esconde mais uma face da incompetência do governo. O efeito de ações como o fechamento do comércio será dramático, mas isso só será necessário até que as autoridades criem ambientes seguros para a retomada das atividades. Enquanto isso, os trabalhadores deverão receber proteção.
Bolsonaro ainda não conseguiu oferecer respostas adequadas para nenhuma dessas condições. Se optar por uma saída abrupta, as consequências serão trágicas.
O presidente diz que seus dois testes para o coronavírus deram negativo, mas se recusa a mostrar os papéis. O ministro da Saúde afirma que os exames são confidenciais. Como o próprio Bolsonaro já anunciou o resultado, a alegação só faria sentido se o governo estivesse mentindo.
Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).

Surgem os buracos, FSP

Entre o planejado e a realidade há uma enorme diferença

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Por um momento, deixei-me iludir pela preparação razoavelmente competente das autoridades sanitárias para a epidemia. Foi bom ver que elas pelo menos tinham planos, ao contrário do comandante-mor. Mas é claro que, entre o planejado e a realidade, há uma enorme diferença. E foi só a realidade aproximar-se para os buracos aparecerem.
Falta equipamento de proteção individual para os profissionais de saúde. Eles estão, em muitas unidades, trabalhando com material menos seguro que o desejável e com estoques menores que os confortáveis. Não ignoro que haja carência mundial desses produtos, mas a distribuição do que temos deveria ter sido mais criteriosa. Se médicos e enfermeiros mais habituados a lidar com situações críticas tiverem de ser afastados da linha de frente para cumprir quarentenas, nosso desempenho em salvar vidas será pior.
Voluntários fabricam máscaras e jalecos para profissionais de saúde no laboratórios de produção têxtil da Universidade de Passo Fundo (UPF) - Leonardo Andreoli - UPF/Divulgação
Algo parecido vale para os testes. Eles são importantíssimos para tentar quebrar as cadeias de transmissão na comunidade e indispensáveis para gerenciar o fluxo nos hospitais. O pior cenário é aquele em que pacientes de Covid-19 são misturados com os de outras doenças, infectando uma população cujo risco já tende a ser aumentado.
O gargalo são as UTIs, mais especificamente os ventiladores pulmonares. O mundo inteiro corre para produzi-los, mas eles dificilmente chegarão antes de um pico de demanda. Ocorre que mesmo nessa situação desesperadora há o que fazer, se houver planejamento.
Há ao menos um trabalho acadêmico (Neyman e Irvin, 2006) referendando a repartição de ventiladores em situações de catástrofe. Desde que o peso dos pacientes e os parâmetros ventilatórios necessários sejam parecidos, um único aparelho pode ser usado por quatro pessoas. Falamos aqui de em tese quadruplicar a capacidade. É claro que, para essa medida tornar-se viável, é preciso providenciar réguas e tubulação extra para as ligações. Há alguém cuidando disso?
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Em reunião tensa, Doria cobra equilíbrio, e Bolsonaro pede que tucano saia do palanque, FSP

No primeiro embate direto desde a chegada ao Brasil da pandemia do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o governador João Doria (PSDB-SP) trocaram acusações duras sobre a condução da crise sanitária.
Bolsonaro disse que o tucano não tem autoridade para criticá-lo após ter sido eleito em 2018 com sua ajuda e, depois, de ter lhe virado as costas. Já o Doria cobrou "serenidade, calma e equilíbrio", e ameaçou ir à Justiça se o governo federal confiscar respiradores mecânicos para doentes graves com Covid-19.
O duelo ocorreu durante a tensa videoconferência na qual Doria e os outros governadores do Sudeste, Wilson Witzel (PSC-MG), Romeu Zema (Novo-MG) e Renato Casagrande (PSB-ES) discutiram a emergência nacional do vírus.
“Subiu à sua cabeça a possibilidade de ser presidente do Brasil. Não tem responsabilidade. Não tem altura para criticar o governo federal”, disse o presidente ao tucano. ”Se você não atrapalhar, o Brasil vai decolar e conseguir sair da crise. Saia do palanque”, afirmou Bolsonaro.
Jair Bolsonaro assiste João Doria lhe fazendo cobranças durante videoconferência nesta manhã
Jair Bolsonaro assiste João Doria lhe fazendo cobranças durante videoconferência nesta manhã - Marcos Corrêa/Presidência da República
A altercação ocorreu depois de uma consideração final de Doria ao fim do encontro. "Peço que o senhor tenha serenidade, calma e equilíbrio. Mais do que nunca, o sr. precisa comandar o país".
A intervenção do tucano foi calculadamente pausada, sem alteração no tom de voz, dentro da tática de diferenciação entre ele e o presidente na condução da crise. Já Bolsonaro respondeu aos berros.
"Não aceito em hipótese nenhuma essas palavras levianas, como se vossa excelência fosse o responsável por tudo o que acontece de bom no Brasil", disse Bolsonaro, ladeado pelos ministros Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e Paulo Guedes (Economia).
"[Doria] acusa, levianamente, esse presidente que trabalha 24 horas por dia. Não aceitamos essa demagogia barata. Vossa excelência não é exemplo para ninguém. Senhor governador João Doria, faça sua parte", finalizou, questionando se o tucano tinha permissão de agir como "porta-voz dos governadores".
No final da manhã, Doria postou no Twitter sua versão dos fatos. Disse que apresentou suas propostas na exposição inicial. "Recebi como resposta um ataque descontrolado do presidente. Ao invés de discutir medidas para salvar vidas, preferiu falar sobre política e eleições. Lamentável e preocupante", escereveu.
Ainda no ambiente das redes sociais, o filho presidencial Carlos, vereador no Rio e gestor da estratégia digital do pai, disse que Doria "se coloca de vítima diante do óbvio". Voltou a o chamar de "isentão" e "Macron brasileiro", em referência ao presidente francês, Emmanuel Macron.
Antes, o tucano insistiu que não deve haver confisco de respiradores mecânicos para casos graves da Covid-19. "Não é hora aqui de termos questões burocráticas impedindo a aceleração da importação de equipamentos e insumos necessários à saúde pública. Peço ao ministro da Saúde, aí a seu lado, que compreenda que São Paulo é o epicentro da crise. Não confiscar respiradores. Se essa decisão for mantida, informo que tomaremos as medidas necessárias no plano judicial", afirmou o tucano.

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