segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Aos 40 anos, PT acumula vitórias e escândalos; relembre a trajetória do partido, FSP

SÃO PAULO
O PT comemora, nesta segunda-feira (10), 40 anos. A quarta década chega dois anos após a sua primeira derrota nas urnas desde 2002 e com o seu principal líder, Luiz Inácio Lula da Silva, solto, mas ainda condenado e vetado pela Lei da Ficha Limpa a disputar eleições.
O berço no sindicato dos metalúrgicos do ABC deu ao partido ideais de estatização de bancos, reforma agrária radical e moratória da dívida externa. Em 2002, porém, ele chega ao Planalto com acenos ao empresariado, grupo representado pelo vice de Lula, José Alencar.
Os representantes do PT foram chancelados pela população nas três eleições seguintes, apesar dos escândalos de corrupção que eclodiram durante seu governo, como o mensalão.
Dilma Rousseff, destituída em 2016 por um processo de impeachment, foi a primeira mulher a presidir o país.
Lula, o candidato escolhido pelo partido para disputar as eleições de 2018, era líder nas pesquisas quase duas décadas depois de se candidatar à presidência pela primeira vez. Em abril de 2018, foi preso pela Lava Jato e não concorreu.
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Hoje solto, continua centralizando a principal pauta do partido com a campanha Lula Livre, que luta pela reconquista de seus direitos políticos. Leia abaixo os principais marcos da sigla.
 
1980: Fundação
A sigla foi fundada em 10 de fevereiro de 1980 por 242 delegados no Colégio Sion, em São Paulo. Estiveram presentes o crítico de arte Mário Pedrosa, o historiador Sérgio Buarque de Holanda e o economista Paul Singer. Em sua carta de princípios, o partido rejeita a participação de empresários. "O PT recusa-se a aceitar em seu interior representantes das classes exploradoras. Vale dizer, o Partido dos Trabalhadores é um partido sem patrões!"
O presidente do Sindicato dos Petroleiros de Paulínia (SP), Jacó Bittar, o presidente dos petroleiros de Belo Horizonte (MG), Wagner Benevides, e o líder sindical dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP), Luiz Inácio Lula da Silva, no lançamento do manifesto do Partido dos Trabalhadores (PT), no colégio Sion, em São Paulo - Felicio Safadi/Folhapress
1982: Campanha de Lula para governador
Lula tenta o governo de SP com o slogan "Vote no 3, o resto é burguês". Acaba em o 4º lugar. Hélio Bicudo, jurista que, em 2016, seria o autor do pedido de impeachment de Dilma, foi seu vice. O PT elege 8 deputados federais e dois prefeitos.
1986: Eleição de Lula para deputado federal
O PT não elege governadores ou senadores, mas dobra a bancada na Câmara para 16 deputados federais, dentre eles, Lula, com 651.763 votos, o mais votado no país. 
1988: Eleição de Erundina para prefeitura de São Paulo
Em abril, o partido expulsa a prefeita de Fortaleza Maria Luiza Fontenelle, mas consegue na eleição as prefeituras de São Paulo, com Luiza Erundina, Porto Alegre, com Olívio Dutra e Vitória, com Vitor Buaiz. Erundina defendia para a cidade o passe livre no transporte público e a taxação progressiva no IPTU. Ela deixa a prefeitura, em 1992, com apenas 20% da aprovação da população, segundo pesquisa do Datafolha.
1989: Lula candidato à Presidência
Em 1989, o líder petista tenta, pela primeira vez, a Presidência. Ele chega ao segundo turno e é apoiado por Mário Covas (PSDB) e Leonel Brizola (PDT). Lula foi derrotado por Fernando Collor de Mello, que, em meio a escândalos de corrupção e um processo de impeachment em andamento, renunciou em 1992.
1990: Primeiro senador do PT
Eduardo Suplicy consegue uma vaga no Senado em 1990. Ficaria na casa até 2015, quando assume a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo. Em 2018, candidato novamente a senador, acabou em 3º lugar.
1994: Primeira vitória de FHC
O programa de 1994 do PT propõe reduzir a jornada de trabalho, aumentar salários e restringir as privatizações, além de prever o assentamento de 800 mil famílias sem-terra. O discurso mais moderado não convence e Lula perde para o sociólogo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) no primeiro turno. O partido elege 50 deputados federais e dois governadores. 
1995: José Dirceu na presidência do partido
O Campo Majoritário, linha ideológica no PT representada naquele ano por José Dirceu, derrota o programa mais à esquerda para o partido. A vitória atenua as propostas da sigla e incentiva a busca de mais alianças. Após escândalos envolvendo os seus principais líderes, a corrente mudou de nome e passou a se chamar Construindo um Novo Brasil.
1998: Segunda vitória de FHC
Com o antigo oponente Leonel Brizola na vice-presidência, Lula perde novamente para FHC. Apesar disso, o partido tem vitórias importantes nos estados, com três governadores eleitos. Também elege 59 deputados federais e 85 deputados estaduais. 
2000: Marta Suplicy na Prefeitura de São Paulo
Além da prefeitura da maior cidade do país, o partido conquista mais cinco cadeiras nos executivos municipais, em Porto Alegre (Tarso Genro), Recife (João Paulo), Aracaju (Marcelo Déda), Belém (Edmilson Rodrigues) e Goiânia (Pedro Wilson).
2002: Assassinato do prefeito Celso Daniel
O prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), é assassinado após um sequestro. Ele seria coordenador da campanha daquele ano de Lula. Após sua morte, foi substituído por Antonio Palocci. Naquele ano, o PT elege 142 deputados estaduais, 91 deputados federais e 3 governadores. 
O prefeito de Santo André, Celso Daniel - Patrícia Santos - 27.nov.2001/Folhapress
2003: PT chega ao Palácio do Planalto
Vitorioso nas eleições de 2002 contra José Serra (PSDB), Lula chega à presidência em 2003. Dilma Rousseff é nomeada ministra para a pasta de Minas e Energia, e o governo lança o programa de transferência de renda Bolsa Família, que se mantém como vitrine dos anos petistas até hoje.
2005: Mensalão
O então presidente do PDT, Roberto Jefferson, denuncia o esquema de pagamento de mesadas do partido a aliados em entrevista à Folha de S.Paulo. O caso, conhecido como mensalão, desencadeou uma crise política que impôs a primeira reforma ministerial de Lula. Ele cede ministérios ao PMDB (hoje MDB) e no lugar de José Dirceu, na época citado por Jefferson, entra Dilma na Casa Civil.
2007: Início de Lula 2
Lula se recupera nas pesquisas e vence o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, no segundo turno. Na eleição, o PT obteve 122 deputados estaduais, 83 deputados federais e 5 governadores. 
2010: Dilma vence Serra
Lula termina seu segundo mandato com recorde de aprovação de 87%, mas sem um sucessor com a sua popularidade. Ele escolhe Dilma para a tarefa de disputar em 2010. Ela vence o tucano Serra no segundo turno com 56% dos votos. O PT elege 144 deputados estaduais, 86 deputados federais e 5 governadores.  
2012: Julgamento do Mensalão
Em dezembro de 2012, o STF (Supremo Tribunal Federal) entendeu que existiu um esquema de compra de votos no Congresso. Dos 38 réus, 25 foram considerados culpados, entre ele José Genoíno, ex-presidente do PT, e José Dirceu. No mesmo ano, o petista Fernando Haddad é eleito prefeito de São Paulo e a Comissão Nacional da Verdade, que iria investigar os crimes da Ditadura Militar, foi instalada.
O deputado federal Jose Genoíno, ao lado de seu advogado Luis Pacheco e de sua mulher, Ryoko Kayano, ao se apresentar à prisão após o mensalão - Eduardo Knapp - 15.nov.2013/Folhapress
2013: Manifestações de junho
As manifestações contra o aumento da passagem de ônibus em São Paulo se espalham por todo o país com pautas pulverizadas. Os atos derrubam a popularidade de Dilma, que tenta reverter o quadro com promessas de reformas. Naquele ano ela também lança o programa Mais Médicos
2014: Dilma vence Aécio Neves
Em eleição polarizada, Dilma vence o candidato do PSDB, Aécio Neves, e assume o país com um rombo nas contas públicas e alta inflação. Após derrota, Aécio questiona resultado no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O PT elege 106 deputados estaduais, 68 deputados federais e 5 governadores. 
2016: Impeachment de Dilma
Dilma sofre impeachment acusada de praticar pedaladas fiscais. Nas eleições municipais, mais derrotas ao partido, que perde metade das prefeituras que havia conquistado no último pleito.
2018: Lula é preso e Bolsonaro vence o PT
Em abril, Lula é preso após condenação em segunda instância no processo do tríplex em Guarujá (SP). O ex-presidente liderava as pesquisas e é substituído por Fernando Haddad, que perde para Jair Bolsonaro, então no PSL.  O PT elege 83 deputados estaduais, 56 deputados federais e 4 governadores. 
2019: Lula é solto
O ex-presidente Lula é solto em 9 de novembro de 2019, após 580 dias preso na sede da Superintendência da Polícia Federal do Paraná, em Curitiba.
 

Bolsonaro, governe enquanto há tempo, OESP

Carlos Pereira, O Estado de S.Paulo
10 de fevereiro de 2020 | 03h00

Um maior ativismo ou mesmo protagonismo do Legislativo brasileiro durante o governo Bolsonaro tem sido interpretado como uma alternativa positiva para um governo que se recusa a utilizar suas armas legislativas e governar por meio de coalizões majoritárias. Alguns, inclusive, chamam esse modelo de “parlamentarismo informal” ou “semipresidencialismo branco”, situação na qual um presidente minoritário não seria o real chefe do governo, mas os líderes no Legislativo.
Como o Legislativo seria a representação mais direta da democracia, por congregar os mais variados interesses na sociedade, poderia parecer, inicialmente, que o seu fortalecimento seria algo benéfico para a própria democracia.
Mas, no nosso mundo real, de presidencialismo multipartidário, não seria bem assim.
Por que um Legislativo proeminente e proativo não seria funcional?
A concentração de poderes nas mãos do presidente e o protagonismo político do Executivo, que no passado eram vistos como ameaças à democracia, em função dos potenciais riscos de tirania ou de comportamentos autoritários do chefe do Executivo, são, hoje, interpretados como precondições para a efetividade governativa do presidente, especialmente em um ambiente multipartidário. 
Por mais paradoxal que possa parecer, o presidencialismo multipartidário requer que o presidente seja constitucionalmente forte para que tenha condições de governar. Influenciar ou mesmo controlar a agenda do Legislativo é uma prerrogativa para o funcionamento adequado desse sistema que privilegia a representação.
Quando o presidente em um ambiente partidariamente fragmentado não faz uso de poderes constitucionais e orçamentários, problemas de coordenação emergem, sua produção legislativa e taxa de sucesso no Congresso diminuem e dificuldades governativas se tornam mais frequentes. 
A falta de um líder que coordene e sirva de vetor dos mais variados interesses e partidos no Congresso leva à formação de maiorias cíclicas, esporádicas e não comprometidas com uma política de governo de longo prazo. 
Além disso, não existem nos presidencialismos multipartidários válvulas institucionais flexíveis de resolução de conflitos governamentais, comuns em regimes parlamentaristas, tais como voto de confiança, dissolução do Parlamento ou eleições antecipadas.
A passividade do Executivo em relação ao Legislativo tende a deixar brechas políticas e institucionais que fatalmente serão preenchidas pelos legisladores, que, progressivamente, tenderão a diminuir os poderes do presidente. Sinais de enfraquecimento do Executivo já podem ser identificados nas decisões recentes do Congresso de tornar impositiva a execução das emendas individuais e coletivas dos legisladores ao Orçamento. Convém lembrar que essas decisões enfraquecem o Executivo em si, e não apenas o governo de plantão.
Já vimos esse filme antes no Brasil entre 1946 e 1964, quando presidentes minoritários e constitucionalmente fracos enfrentaram graves problemas governativos ou mesmo de paralisia decisória, que os fizeram abreviar seus mandatos seja por renúncia, suicídio ou golpe.
O “milagre” institucional que levou à superação desses problemas foi a decisão da Constituinte de 1988 de delegar uma ampla gama de poderes para que o presidente pudesse agregar interesses em torno da sua plataforma política e sob a sua liderança. Neste desenho, o melhor papel que o Legislativo pode executar é ser reativo ao protagonismo presidencial.
Se existe algum risco para a democracia brasileira, este se localiza na relutância do presidente em utilizar os seus poderes que outrora foram delegados pelos próprios legisladores.

domingo, 9 de fevereiro de 2020

Que caminhos nos levaram a esse elenco de Napoleões de hospício?, FSP

As causas são tantas que é impossível à ciência dos homens compreendê-las

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Já há alguns anos, tenho conseguido escapar do calor estupefaciente de janeiro no Rio. O que começou como sorte, tornou-se missão, e as tão almejadas férias, sinal da idade, viraram hábito e necessidade.
Mas elas passam, como passam os verões, e aqui estou eu de volta, escovando os dentes com água mineral para sobreviver ao descaso com o saneamento básico, que emporcalhou o Guandu.
O Rio de Janeiro sofre de um problema cármico.
As férias afrouxam a disciplina, eliminam o estoicismo das veias e nos distanciam do mundo, convidando a um não querer lascivo e perigoso, ao mesmo tempo que lembram o que é, de fato, estar vivo.
Se houve, em mim, algum empenho nesse mês que gozei da ausência foi o de dar conta do volumoso “Guerra e Paz”. Romance apaixonante, que quando não te enreda em intrigas de amor e traição, te oferece um quadro assombroso da inevitabilidade da guerra e do destino dos povos.
E na Rússia pré-soviética, ameaçada por Napoleão, aprendo com Tolstói que a vontade dos homens é uma ilusão que criamos para suportar o incontrolável fluxo dos acontecimentos, ao qual estamos presos e do qual não se pode escapar.
E em meio às mais de mil páginas do cânone, do outro lado do Atlântico, recebo a auspiciosa notícia da exoneração do secretário da Cultura Roberto Alvim. Dele, que ascendeu ao cargo xingando minha mãe e caiu de maduro graças a uma pantomima de Goebbels de botequim, ofendendo a comunidade judaica, tão cara ao presidente mito.
Que caminhos nos levaram a esse elenco de Napoleões de hospício? À abstinência de Damares, às cruzadas de Araújo, ao desenvolvimentismo predatório de Salles e à incompetência alarmante de Weintraub? As causas são tantas, ensina Tolstói, que é impossível à ciência dos homens compreendê-las.
Resta o pasmo.
Tolstói refuta a crença de que a megalomania dos Napoleões, Trumps e Jaires de ocasião seja a força motora do curso da história. Líderes obstinados, eles não teriam o poder de, sozinhos, arrastar multidões para se aniquilarem em guerras e conquistas, amores e ódios.
Ilustração de Jair Bolsonaro com uma faixa de presidencial transparente e um pinico na cabeça
Publicada neste domingo, 9 de fevereiro de 2020 - Marta Mello/Folhapress
O livre-arbítrio dos soberanos é fantasia tosca. A liberdade de escolha desses supostos heróis estaria submetida à necessidade ingovernável dos povos.
Os europeus ocidentais marcharam para o Oriente impelidos por milhões de pequenos anseios. Moscou ardeu em chamas não por ordem de Napoleão, afirma Tolstói, mas pelo abandono de seus habitantes e pela centelha de incontáveis fogueiras acesas pela tropa carente de calor.
Uma força invisível, muito maior do que o ego imenso do autocoroado imperador, impeliu o Exército francês até Moscou para, na fuga, ser aniquilado pelo frio. E, como no refluxo de uma onda, o Oriente, então, avançou sobre o Ocidente.
Criticada por seus contemporâneos, trata-se de uma visão fatalista da história, niilista, como observa o filósofo e historiador Isaiah Berlin, no posfácio de “Guerra e Paz” da edição da Companhia das Letras.
Mas como não ser tomado pelo fatalismo, diante da guerra irracional enfrentada pela geração que antecedeu o escritor russo? Como vencer o niilismo, quando a educação de um país semi-alfabetizado é entregue ao aloprado Weintraub; ou quando um prefeito carola e incompetente prega a vida eterna para os que são obrigados a encarar o SUS?
Difícil admitir, mas parte de nós, ou todos nós, nos movemos em direção a isso.
Talvez, o Rio de Janeiro, ex-capital, sinta, como nenhuma outra cidade, o peso da fatalidade. A hegemonia cultural, econômica e política do litoral foi transferida para Brasília e, mais tarde, para o eixo produtivo do agronegócio.
O sertanejo universitário é a atual bossa nova.
A Igreja Católica, tão sincrética quanto acomodada, perdeu fiéis para o pragmatismo evangélico, que demoniza as religiões africanas e a moral progressista, mas foi capaz de criar ordem e progresso em áreas esquecidas pelo poder público.
Os Napoleões de hospício, amparados pelo mercado ou ignorados por ele, refletem a nova ordem desejada, queiramos ou não, por uma parte substancial da população.
A julgar pelo vexame democrata em Iowa e o triunfal discurso do Estado da União, Trump será reeleito. Qualquer guinada no Ocidente fica adiada para meados dos anos 2020.
Para aguentar o tranco, só as férias, só a sagacidade do velho general Kutuzov, que, minimizando os estragos, depositou a vitória russa sobre Napoleão em seus dois maiores soldados: a paciência e o tempo.
Fernanda Torres
Atriz e roteirista, autora de “Fim” e “A Glória e Seu Cortejo de Horrores”.