Carlos Pereira, O Estado de S.Paulo
10 de fevereiro de 2020 | 03h00
Um maior ativismo ou mesmo protagonismo do Legislativo brasileiro durante o governo Bolsonaro tem sido interpretado como uma alternativa positiva para um governo que se recusa a utilizar suas armas legislativas e governar por meio de coalizões majoritárias. Alguns, inclusive, chamam esse modelo de “parlamentarismo informal” ou “semipresidencialismo branco”, situação na qual um presidente minoritário não seria o real chefe do governo, mas os líderes no Legislativo.
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Como o Legislativo seria a representação mais direta da democracia, por congregar os mais variados interesses na sociedade, poderia parecer, inicialmente, que o seu fortalecimento seria algo benéfico para a própria democracia.
Mas, no nosso mundo real, de presidencialismo multipartidário, não seria bem assim.
Por que um Legislativo proeminente e proativo não seria funcional?
A concentração de poderes nas mãos do presidente e o protagonismo político do Executivo, que no passado eram vistos como ameaças à democracia, em função dos potenciais riscos de tirania ou de comportamentos autoritários do chefe do Executivo, são, hoje, interpretados como precondições para a efetividade governativa do presidente, especialmente em um ambiente multipartidário.
Por mais paradoxal que possa parecer, o presidencialismo multipartidário requer que o presidente seja constitucionalmente forte para que tenha condições de governar. Influenciar ou mesmo controlar a agenda do Legislativo é uma prerrogativa para o funcionamento adequado desse sistema que privilegia a representação.
Quando o presidente em um ambiente partidariamente fragmentado não faz uso de poderes constitucionais e orçamentários, problemas de coordenação emergem, sua produção legislativa e taxa de sucesso no Congresso diminuem e dificuldades governativas se tornam mais frequentes.
A falta de um líder que coordene e sirva de vetor dos mais variados interesses e partidos no Congresso leva à formação de maiorias cíclicas, esporádicas e não comprometidas com uma política de governo de longo prazo.
Além disso, não existem nos presidencialismos multipartidários válvulas institucionais flexíveis de resolução de conflitos governamentais, comuns em regimes parlamentaristas, tais como voto de confiança, dissolução do Parlamento ou eleições antecipadas.
A passividade do Executivo em relação ao Legislativo tende a deixar brechas políticas e institucionais que fatalmente serão preenchidas pelos legisladores, que, progressivamente, tenderão a diminuir os poderes do presidente. Sinais de enfraquecimento do Executivo já podem ser identificados nas decisões recentes do Congresso de tornar impositiva a execução das emendas individuais e coletivas dos legisladores ao Orçamento. Convém lembrar que essas decisões enfraquecem o Executivo em si, e não apenas o governo de plantão.
Já vimos esse filme antes no Brasil entre 1946 e 1964, quando presidentes minoritários e constitucionalmente fracos enfrentaram graves problemas governativos ou mesmo de paralisia decisória, que os fizeram abreviar seus mandatos seja por renúncia, suicídio ou golpe.
O “milagre” institucional que levou à superação desses problemas foi a decisão da Constituinte de 1988 de delegar uma ampla gama de poderes para que o presidente pudesse agregar interesses em torno da sua plataforma política e sob a sua liderança. Neste desenho, o melhor papel que o Legislativo pode executar é ser reativo ao protagonismo presidencial.
Se existe algum risco para a democracia brasileira, este se localiza na relutância do presidente em utilizar os seus poderes que outrora foram delegados pelos próprios legisladores.
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