domingo, 9 de fevereiro de 2020

Janaina Paschoal atua como madrinha e articula chapa para a Prefeitura de SP, FSP


SÃO PAULO
Amparada em seus 2.060.786 de eleitores, Janaina Paschoal, a deputada mais votada da história do país, começa a atuar como madrinha política, depois de não se alinhar totalmente a Jair Bolsonaro, a João Doria (PSDB) ou ao seu próprio partido, o PSL.
Por ser mais adepta das sessões do plenário do que dos cafezinhos de bastidores, surpreendeu seus colegas na Assembleia paulista ao tomar a frente de articulações para uma chapa de direita à Prefeitura de São Paulo.
A deputada estadual Janaina Paschoal antes do Ato Solene em Memória às Vítimas do Holocausto - Greg Salibian/Folhapress
Até agora, ela não aderiu às candidaturas de Joice Hasselmann (PSL), de Bruno Covas (PSDB) ou do nome que venha a ser apoiado pelo bolsonarismo, como o apresentador José Luiz Datena, por exemplo. Desde o fim do ano passado, vem costurando alternativas. 
Foi pelas mãos dela que os pré-candidatos que apoia, Andrea Matarazzo (PSD) e Arthur do Val (Patriota), se encontraram em dezembro em uma doceria.
A ideia da deputada estadual era unir um nome tradicional e com experiência na gestão da cidade a outro nome que considera ter viabilidade eleitoral. Arthur, o youtuber Mamãe Falei, tem 2,67 milhões de inscritos em seu canal, é membro do MBL (Movimento Brasil Livre) e foi o segundo deputado mais votado na Assembleia, com 478 mil votos. 
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Foi Janaina que também abriu as portas do PSL a Arthur, expulso do DEM em novembro e que estava em busca de um partido para abrigar sua candidatura até quarta (5), quando oficializou acordo com o Patriota
Arthur se encontrou em janeiro com Joice, que se coloca como candidata, e com o deputado federal Júnior Bozzella (PSL-SP), presidente da sigla em São Paulo e braço direito do presidente nacional, Luciano Bivar. 
As duas negociações, no entanto, emperraram pelo mesmo motivo: Andrea e Joice aceitavam Arthur como vice, mas não abririam mão da cabeça de chapa por ele. O youtuber preferiu um partido em que pudesse disputar a prefeitura. 
Ao tentar construir uma candidatura, Janaina, advogada que liderou o pedido de impeachment de Dilma Rousseff (PT), diz que não está fazendo articulação política e nem agindo em nome do seu partido. "Ninguém me pediu, mandou ou autorizou a fazer isso. Eu sempre me envolvi nas questões da minha cidade e do meu país", disse à Folha
"Antes de ser deputada, eu sou brasileira e sou paulistana. Estou procurando unir bons quadros para dar o melhor para a cidade. Nada além disso. Penso que todos deveriam agir assim. Buscar o melhor para a população, sem qualquer interesse pessoal", completou.
Os interlocutores de Janaina concordam que a atuação da deputada é mais movida pelo idealismo do que por cálculo eleitoral, embora ela seja vista como uma pessoa em condições de disputar cargos mais altos no futuro. Também dizem que ela tem sido habilidosa em suas costuras. 
No fim do ano passado, quando a direção do PSL de São Paulo saiu das mãos do deputado federal Eduardo Bolsonaro e passou para Bozzella, após o racha com a iniciativa de criar a Aliança pelo Brasil, Janaina passou a ter um canal direto com a cúpula partidária. 
Foi ela que fez a ponte entre Bozzella e os outros 14 deputados estaduais do PSL, convocando-os para uma reunião na última semana de janeiro. A bancada é a maior da Assembleia paulista e se sentia afastada da executiva estadual do partido. 
Em meio à queda de braço entre Bolsonaro e Bivar, o movimento gerou críticas de deputados bolsonaristas na Casa, que enxergaram uma traição ou uma mudança de lado. Não é a primeira vez que ela se distancia do presidente
Apesar de apoiar o governo federal, ela criticou os escândalos envolvendo Flávio Bolsonaro e a indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada nos EUA. Da mesma forma, já se opôs ao PSL, exigindo a demissão do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, diante do uso de candidatas de laranjas no partido e se preocupa com a ligação entre Bivar e a gestora do DPVAT
Em relação a Doria, Janaina também não veste a camisa. Votou com o governador paulista na grande maioria das vezes, mas chegou a criticar detalhes ou a falta deles nos projetos da reforma da Previdência e de extinção de estatais. Também escreveu projeto para restringir a verba de publicidade do tucano. 
Apesar da aproximação com Bozzella, que diz conversar com Janaina frequentemente, a deputada estadual afirma manter a independência em relação a partidos, inclusive o seu próprio. Ela é defensora das candidaturas avulsas, sem a necessidade de legenda, o que hoje não é permitido no Brasil. 
Janaina também não se dispôs a ocupar cargos na cúpula do partido, como o de líder da bancada. Na terça (4), os deputados estaduais do PSL se reuniram para escolher seu novo líder —Gil Diniz, ligado aos Bolsonaro e de malas prontas para a Aliança, deixará o cargo após um ano, como previamente acordado. 
Bozzella diz que Janaina é a sua candidata para a liderança. "Ela deveria ser aclamada, ela não precisa nem se colocar na disputa. Os deputados vão se conscientizar que ela tem que ser a líder", diz. 
A deputada, porém, refuta a ideia. "A liderança é sonho de muitos colegas, não é o meu. Não tem sentido entrar na disputa só para atrapalhar", disse.
Com isso, e também por conta da divisão entre deputados mais bolsonaristas, que pretendem migrar para a Aliança, e deputados mais ligados ao PSL, houve uma pulverização de candidaturas.
Quatro parlamentares se apresentaram para a disputa, todos com perfil mais moderado, que teriam condição de transitar entre as duas alas. Uma reunião de votação está marcada para próxima terça (11). 
Em relação à Prefeitura de São Paulo, ela teve a mesma postura. Considerada candidata natural ao cargo, Janaina excluiu essa possibilidade já em meados do ano passado, quando passou a indicar voto em Andrea Matarazzo e abriu caminho para Joice. Mais recentemente, também abraçou a candidatura de Arthur. 
Aliados da deputada dizem que a liderança entre os colegas do PSL cresceu ao longo de 2019, conforme Gil foi tragado pela acusação de prática de "rachadinha" em seu gabinete, que ele nega. 
Gil e Janaina chegaram a bater boca no plenário em novembro por discordância em relação ao projeto que aumenta em 5% o salário dos policiais. "Vossa excelência está desmoralizando seus colegas de partido", disse a deputada. 
Ele reagiu. "Quem quer dar voo solo, que dê, mas não venha me cobrar que eu não devo satisfação. Não fui eleito na aba de ninguém. Não pago simpatia para ninguém, tendo 20 mil votos ou 2 milhões" disse. 
Janaina também já bateu boca com outros colegas em plenário, como o veterano Campos Machado (PTB) e a Professora Bebel (PT). Para além dos barracos, sua atuação não é apagada na Assembleia. Ela costuma ir à tribuna e causa polêmica com suas propostas, como o que permite a opção pela cesárea sem indicação médica
Bozzella, potencial beneficiário da força eleitoral de Janaina, enaltece sua fase articuladora. "Tem surpreendido positivamente", resume. 
"Ela é o principal ativo do PSL com sua pauta anticorrupção. Está preparada do ponto de vista eleitoral, político, emocional e cultural para exercer qualquer função, inclusive a de presidente da República."

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Uísque, ciência e bomba, Fernando Reinach, O Estado de S.Paulo


01 de fevereiro de 2020 | 05h00

Na juventude só tomávamos uísque nacional. Importações eram quase impossíveis e as poucas garrafas contrabandeadas estavam fora de alcance. Mas já lidávamos com uísque falsificado, provavelmente sem malte, que vinha do Paraguai. O tormento dos uísques falsificados também é problema para quem compra os mais caros do mundo. Em 2018, foram negociadas 107.890 garrafas em leilões que movimentaram US$ 49 milhões. A garrafa mais cara, um Macallan Valerio Adami de 1926 foi comprada por 848.750 libras esterlinas, mais de US$ 1 milhão. 
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Cientistas escoceses desenvolveram um método para determinar o ano da produção do uísque Foto: REUTERS/David Moir
O problema é saber se o líquido dentro da garrafa lacrada, pela qual você pagou uma fortuna, é realmente um uísque de malte puro produzido e engarrafado em 1926. A tentação de falsificar é enorme e o lucro, astronômico. É por isso que os produtores escoceses fazem de tudo para proteger sua reputação. E para isso nada melhor do que recrutar a ajuda de cientistas escoceses. E eles não decepcionaram.
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Engarrafamento na destilaria Kilchoman, na ilha de Islay, na Escócia.  Foto: Suzie Howell para The New York Times
Nas últimas décadas, laboratórios especializados em análise química desenvolveram métodos capazes de examinar moléculas no uísque e determinar se era de malte puro ou continha malte e outros grãos. Esse problema está resolvido: hoje é fácil saber quais componentes foram usados na fabricação de um uísque. Mas havia um problema que resistia aos esforços de cientistas: determinar o ano em que o uísque havia sido produzido. Será que na garrafa de Macallan Valério 1926 havia um Macallan feito com os mesmos grãos em 2016? A novidade é que essa questão também foi resolvida. 
Cientistas escoceses desenvolveram um método para determinar o ano da produção do uísque. Eles usaram o fato de muitas bombas atômicas e de hidrogênio terem sido detonadas na atmosfera após a Segunda Guerra. As primeiras detonações ocorreram antes do lançamento das bombas em Hiroshima e Nagasaki. Essas bombas liberam na atmosfera 14C, um isótopo radioativo do carbono. Esses átomos se espalham por toda a atmosfera e podem ser detectados em qualquer lugar do mundo. A quantidade desse material radioativo cresceu rapidamente até 1963 pois nesse período União Soviética e Estados Unidos detonavam muitas bombas em testes para desenvolver seu arsenal. 
A partir de 1963, a quantidade de 14C começou a diminuir pois um tratado internacional proibiu detonações na atmosfera (agora elas são feitas no subsolo). Hoje, apesar de baixa, ainda é maior que a quantidade existente antes de 1950. Como as plantas verdes usam de forma indiscriminada o carbono normal ou o 14C durante a fotossíntese, os cientistas imaginaram que os uísques fabricados na década de 1960, com grãos de cevada e milho crescidos no ano anterior, deveriam ter uma quantidade maior de 14C. E isso foi comprovado experimentalmente. Os cientistas obtiveram amostras de uísques produzidos a cada ano entre 1950 e a atualidade, mediram a quantidade de 14C na bebida e compararam com a quantidade de 14C na atmosfera. As curvas são idênticas, sendo que a do uísque tem uma defasagem de um ano pois a bebida é feita geralmente um ano depois da colheita dos cereais.
É possível medir a quantidade de 14C em uma amostra qualquer de uísque e determinar exatamente em que ano foi fabricado. De posse desse método para calcular a idade do uísque, verificaram se havia fraude. E, claro, encontraram garrafas vendidas como antigas cujo uísque é recente. Por exemplo, um Talisker, vendido como se fosse de 1863, na verdade foi produzido entre 2007 e 2014.
Em muitos casos, a análise fica mais difícil pois algumas quantidades de 14C equivalem a dois anos distintos, um quando a curva estava subindo (entre 1950 e 1963) e outro quando já estava baixando (entre 1963 e a atualidade). Mesmo assim, a quantidade de fraude é significativa. 
O único problema do método é que ele exige que uma amostra da bebida seja analisada antes do leilão e, para isso, o selo do fabricante tem de ser violado, o que desvaloriza a garrafa para os colecionadores. Sobrou para os cientistas escoceses o desafio de desenvolver um método para tirar uma amostra da garrafa de uísque sem que ela seja aberta. Alguma sugestão?
FERNANDO REINACH
É BIÓLOGO

O design inteligente do coronavírus, Fernando Reinach, OESP

Fernando Reinach*, O Estado de S.Paulo
08 de fevereiro de 2020 | 05h00

A mente responsável pelo design inteligente, que algumas pessoas acreditam determinar a evolução dos seres vivos, tem uma visão pouco simpática dos seres humanos. São valentões, brutos e violentos que atormentam e abusam das outras formas de vida. Extinguem espécies, destroem o meio ambiente e ocupam o planeta escravizando plantas e animais. Naquele dia, ela decidiu que algo precisava ser feito, o setor de reclamações estava soterrado de queixas. Mas teve uma dúvida, seria melhor mudar o rumo da evolução dos seres humanos ou direcionar a evolução de um outro ser vivo no sentido de domar o valentão? Escolheu a segunda opção.
Máscaras contra o coronavírus
Fábrica produz máscaras de proteção contra contaminações virais na Tailândia Foto: Rungroj Yongrit/EPA/EFE
Os coronavírus, escolhidos pela inteligência, tinham um plano. Alojados no interior de morcegos conheciam o ponto fraco dos humanos: três buracos que levam a uma cavidade úmida, recoberta por uma camada de células relativamente desprotegidas. Por esses orifícios entra e sai uma quantidade razoável de ar carregado de gotículas de água. São gotículas que os coronavírus usam para migrar de um morcego para outro faz milhões de anos. Enquanto os valentões destruíam o lar dos coronavírus matando morcegos, eles arquitetaram uma maneira de pular para o pulmão humano. Sabiam que seus primos distantes, o vírus da influenza, tivera sucesso. Depois de matar milhões de humanos em 1918 havia se estabelecido nos seres humanos de maneira permanente. Em 2009 um outro primo, o H1N1, havia repetido o feito e vivia feliz nos pulmões mais poderosos do planeta.
A grande quantidade de humanos num mesmo lugar e esse hábito estranho de comer morcegos levava os coronavírus a salivar de antecipação. Em 2003 e 2004 fizeram sua primeira tentativa. Guiados pela inteligência maior, modificaram seu próprio genoma e pularam. Tiveram relativo sucesso. Saltando de pulmão em pulmão chegaram a habitar 8.000 humanos, matando 774. Foi a Sars.
Infelizmente, a inteligência errou na dose. Provocaram uma doença forte demais, o que fez com que os humanos percebessem a invasão antes do coronavírus ter tempo para pular para outros pulmões. Mas a inteligência aprendeu. Seria melhor provocar uma doença leve em parte dos pulmões permitindo o espalhamento do vírus antes do aparecimento dos sintomas. Descobriu também que os humanos só dispõem de duas armas contra os coronavírus. A primeira consiste em isolar os doentes em hospitais até que o sistema imune liquide o vírus ou até que a vítima morra. A segunda, chamada quarentena, consiste em isolar pessoas que tiveram contato com doentes para que, se contaminadas, não passassem o vírus adiante. Foi o que funcionou com a Sars e os coronavírus perderam a batalha.
Para ter sucesso tudo deveria acontecer rápido, mais rápido que a implementação das quarentenas ou do desenvolvimento de uma vacina ou remédio. Um novo ataque foi planejado.
A inteligência escolheu o local e a data para o pulo, um mercado de animais selvagens em Wuhan, na China, logo antes do ano novo chinês, quando parte da população viaja para passar os longos feriados com os parentes. O pulo foi feito em novembro ou dezembro de 2019. O vírus se espalhou de pulmão em pulmão e, desenhado para ter uma longa incubação e uma capacidade de infectar outras pessoas mesmo antes da pessoa infectada saber que está doente, teve sucesso. Nada como uma operação bem planejada.
Quando os chineses perceberam era tarde, os casos chegavam a centenas, as mortes estavam ocorrendo e milhões de pessoas já haviam saído de Wuhan levando o vírus para toda a China. Sem poder identificar quem tinha tido contato com quem, decidiram colocar Wuhan e outras cidades da província em quarentena. Quase 60 milhões de pessoas trancadas em casa. Mas isso não impediu que o coronavírus se espalhasse. Quando o resto do mundo se deu conta do problema havia pouco a se fazer, os casos começaram a pipocar em outros países e a solução foi colocar toda a China em quarentena. Fronteiras foram fechadas, linhas aéreas cancelaram voos, países evacuaram seus cidadãos.
Casos fora da China ainda são poucos e se concentram em países desenvolvidos. Mas a grande inteligência sabe que na África e América Latina os valentões não conseguem se organizar para testar e isolar os casos suspeitos e tratar os doentes. 
Infelizmente, o plano da inteligência que controla a evolução dos seres vivos não foi compartilhado comigo, que não acredito nela. Talvez consista em dar um susto na humanidade, permitindo que controlemos a epidemia ao longo do próximo ano. Mas talvez seja outro, conseguir conquistar um espaço permanente para o coronavírus nos pulmões da humanidade.
No Brasil, somos privilegiados. Enquanto no mundo os cientistas continuam acreditando no Darwinismo, na seleção natural e na ciência empírica, tentando desenvolver vacinas e testar medicamentos, no Brasil a situação é outra. Ainda não sacrificamos animais para a inteligência na esperança que ela nos poupe dessa praga, mas estamos caminhando nessa direção. Nossa única vantagem é que dispomos de líderes que talvez possam acionar sua relação especial com a inteligência. Com eles, quem necessita de ciência? Devemos pedir que descubram o plano dessa inteligência maior. Vamos apelar para o oráculo de Virginia, nosso ministro da educação, ou para o presidente da Capes que criou um centro de pesquisa em design inteligente. Seguramente eles terão a resposta.
É BIÓLOGO*