sábado, 8 de fevereiro de 2020

O design inteligente do coronavírus, Fernando Reinach, OESP

Fernando Reinach*, O Estado de S.Paulo
08 de fevereiro de 2020 | 05h00

A mente responsável pelo design inteligente, que algumas pessoas acreditam determinar a evolução dos seres vivos, tem uma visão pouco simpática dos seres humanos. São valentões, brutos e violentos que atormentam e abusam das outras formas de vida. Extinguem espécies, destroem o meio ambiente e ocupam o planeta escravizando plantas e animais. Naquele dia, ela decidiu que algo precisava ser feito, o setor de reclamações estava soterrado de queixas. Mas teve uma dúvida, seria melhor mudar o rumo da evolução dos seres humanos ou direcionar a evolução de um outro ser vivo no sentido de domar o valentão? Escolheu a segunda opção.
Máscaras contra o coronavírus
Fábrica produz máscaras de proteção contra contaminações virais na Tailândia Foto: Rungroj Yongrit/EPA/EFE
Os coronavírus, escolhidos pela inteligência, tinham um plano. Alojados no interior de morcegos conheciam o ponto fraco dos humanos: três buracos que levam a uma cavidade úmida, recoberta por uma camada de células relativamente desprotegidas. Por esses orifícios entra e sai uma quantidade razoável de ar carregado de gotículas de água. São gotículas que os coronavírus usam para migrar de um morcego para outro faz milhões de anos. Enquanto os valentões destruíam o lar dos coronavírus matando morcegos, eles arquitetaram uma maneira de pular para o pulmão humano. Sabiam que seus primos distantes, o vírus da influenza, tivera sucesso. Depois de matar milhões de humanos em 1918 havia se estabelecido nos seres humanos de maneira permanente. Em 2009 um outro primo, o H1N1, havia repetido o feito e vivia feliz nos pulmões mais poderosos do planeta.
A grande quantidade de humanos num mesmo lugar e esse hábito estranho de comer morcegos levava os coronavírus a salivar de antecipação. Em 2003 e 2004 fizeram sua primeira tentativa. Guiados pela inteligência maior, modificaram seu próprio genoma e pularam. Tiveram relativo sucesso. Saltando de pulmão em pulmão chegaram a habitar 8.000 humanos, matando 774. Foi a Sars.
Infelizmente, a inteligência errou na dose. Provocaram uma doença forte demais, o que fez com que os humanos percebessem a invasão antes do coronavírus ter tempo para pular para outros pulmões. Mas a inteligência aprendeu. Seria melhor provocar uma doença leve em parte dos pulmões permitindo o espalhamento do vírus antes do aparecimento dos sintomas. Descobriu também que os humanos só dispõem de duas armas contra os coronavírus. A primeira consiste em isolar os doentes em hospitais até que o sistema imune liquide o vírus ou até que a vítima morra. A segunda, chamada quarentena, consiste em isolar pessoas que tiveram contato com doentes para que, se contaminadas, não passassem o vírus adiante. Foi o que funcionou com a Sars e os coronavírus perderam a batalha.
Para ter sucesso tudo deveria acontecer rápido, mais rápido que a implementação das quarentenas ou do desenvolvimento de uma vacina ou remédio. Um novo ataque foi planejado.
A inteligência escolheu o local e a data para o pulo, um mercado de animais selvagens em Wuhan, na China, logo antes do ano novo chinês, quando parte da população viaja para passar os longos feriados com os parentes. O pulo foi feito em novembro ou dezembro de 2019. O vírus se espalhou de pulmão em pulmão e, desenhado para ter uma longa incubação e uma capacidade de infectar outras pessoas mesmo antes da pessoa infectada saber que está doente, teve sucesso. Nada como uma operação bem planejada.
Quando os chineses perceberam era tarde, os casos chegavam a centenas, as mortes estavam ocorrendo e milhões de pessoas já haviam saído de Wuhan levando o vírus para toda a China. Sem poder identificar quem tinha tido contato com quem, decidiram colocar Wuhan e outras cidades da província em quarentena. Quase 60 milhões de pessoas trancadas em casa. Mas isso não impediu que o coronavírus se espalhasse. Quando o resto do mundo se deu conta do problema havia pouco a se fazer, os casos começaram a pipocar em outros países e a solução foi colocar toda a China em quarentena. Fronteiras foram fechadas, linhas aéreas cancelaram voos, países evacuaram seus cidadãos.
Casos fora da China ainda são poucos e se concentram em países desenvolvidos. Mas a grande inteligência sabe que na África e América Latina os valentões não conseguem se organizar para testar e isolar os casos suspeitos e tratar os doentes. 
Infelizmente, o plano da inteligência que controla a evolução dos seres vivos não foi compartilhado comigo, que não acredito nela. Talvez consista em dar um susto na humanidade, permitindo que controlemos a epidemia ao longo do próximo ano. Mas talvez seja outro, conseguir conquistar um espaço permanente para o coronavírus nos pulmões da humanidade.
No Brasil, somos privilegiados. Enquanto no mundo os cientistas continuam acreditando no Darwinismo, na seleção natural e na ciência empírica, tentando desenvolver vacinas e testar medicamentos, no Brasil a situação é outra. Ainda não sacrificamos animais para a inteligência na esperança que ela nos poupe dessa praga, mas estamos caminhando nessa direção. Nossa única vantagem é que dispomos de líderes que talvez possam acionar sua relação especial com a inteligência. Com eles, quem necessita de ciência? Devemos pedir que descubram o plano dessa inteligência maior. Vamos apelar para o oráculo de Virginia, nosso ministro da educação, ou para o presidente da Capes que criou um centro de pesquisa em design inteligente. Seguramente eles terão a resposta.
É BIÓLOGO*

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