quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Aprender a lidar com inflação e juros baixos, Celso Ming, OESP

Celso Ming, O Estado de S.Paulo
06 de fevereiro de 2020 | 19h18


O Banco Central (BC) nunca foi tão claro como quando afirmou, em comunicado divulgado quarta-feira logo após a reunião do Copom, que “vê como adequada a interrupção do processo de flexibilização monetária”. Ou seja, vai parar por aqui. Ninguém espere para tão cedo nova queda dos juros básicos (Selic), agora nos 4,25% ao ano, uma queda de 10 pontos porcentuais desde agosto de 2016.
Os juros são um dos dois preços do dinheiro. O câmbio é o outro. Como o dinheiro é um dos mais importantes ativos de uma nação, estejam em que nível estiverem, os juros mexem com a vida econômica tanto do setor público quanto das pessoas e das empresas.
Os últimos 80 anos foram períodos de alta inflação e juros também altos, situação que desorganizou a vida econômica, principalmente do assalariado, a maior vítima da inflação.
Agora, todos têm de aprender a administrar a vida econômica sob inflação e juros no chão e, no caso das aplicações financeiras, sob juros reais até negativos. Até mesmo o administrador público tem de lidar com colocação de títulos com atratividade reduzida ou nula.
Mas vamos a algumas mudanças. Hoje, com eventuais exceções, qualquer desconto obtido num pagamento à vista de carnês, impostos ou pacotes de viagem passou a ser mais vantajoso para o consumidor do que o rendimento que obteria com a aplicação do dinheiro da compra em renda fixa, garfado pelo Imposto de Renda e por taxas de administração. A maioria ainda não se deu conta desse efeito e de que vale a pena batalhar por descontos assim.
Num ambiente de juros reais negativos, tende a valer mais a pena guardar dinheiro no forro do colchão, como se fazia antigamente, do que aplicá-lo em renda fixa. O novo problema a enfrentar aí é o de segurança.
Na área dos negócios, maiores prazos para pagamento de duplicatas, como se tornou usual, já não oferecem os mesmos benefícios obtidos em tempos de inflação elevada.
Banco Central
O Copom, do Banco Central, se reúne a cada 45 dias para definir a Selic. Foto: André Dusek/Estadão
Há alguns anos, grandes investidores traziam dólares do exterior para convertê-los em reais, aplicá-los no mercado financeiro interno e, mesmo correndo risco de valorização cambial, tiravam proveito dos juros generosos vigentes por aqui. Essa operação já não vale mais a pena. Os exportadores que antes faziam essas operações (carry trade) hoje preferem deixar os dólares no exterior, onde enfrentam risco cambial desprezível. Esse foi um dos fatores que, nos últimos três meses, puxaram para cima as cotações da moeda estrangeira no Brasil.
Quando avisou que está “interrompendo o processo de flexibilização monetária”, o BC não se comprometeu a deixar os juros para sempre no piso em que estão agora. Interrupção de um ciclo de baixa não é igual a fim de um ciclo de baixa. Essa interrupção deve dar lugar a prolongado período de estabilidade, mas, lá pelas tantas, também pode dar lugar a quedas adicionais de juros, desde que o comportamento da inflação assim o permita, como já acontece na maioria dos países avançados.

CONFIRA

» Impacto sobre o petróleo
Todo o setor de commodities foi atingido pelo choque do coronavírus, especialmente o petróleo. Em apenas três semanas, a baixa do óleo no mercado futuro foi de 10%. A percepção é de que a atividade econômica da China sofrerá retração e, nessas condições, o consumo de energia também será menor. Daí o tombo nos preços que o gráfico mostra. O problema é que ninguém tem certeza do tamanho do impacto. Isso significa que, por certo tempo, o mercado terá de conviver com muita volatilidade.

Como as novas gerações consomem notícias, MM

As novas gerações consomem informações jornalísticas pelo celular, preferencialmente pelas redes sociais e não está disposta a pagar para ter acesso a conteúdo informativo. Esses são alguns dos principais dados extraídos da pesquisa “A próxima fronteira da mídia”, realizada pela Comscore para mapear as diferenças dos hábitos de consumo entre as gerações X (pessoas de 40 a 60 anos), millennial ou Y (pessoas de 25 a 40 anos) e Z (pessoas com menos de 25 anos).
Um dos principais movimentos que a pesquisa detectou é a troca do desktop para o mobile na hora de consumir notícias. Essa migração já é superior a 50% para o consumo da maioria dos diferentes segmentos de notícias (esportes, entretenimento, política, etc).
A pesquisa também apontou que a maior parte dos jovens da geração Z (66%) tende a ler as notícias de forma rápida e superficial. O comportamento é bem diferente da geração X, em que a maioria (53%) gosta de se dedicar mais à leitura para compreender todo o conteúdo, sobretudo em relação às notícias de caráter global, nacional e regional.
Embora sejam mais adeptos ao uso do celular e consumo de novas mídias, as novas gerações ainda confiam na TV como uma fonte de consumo de conteúdo jornalístico. Cerca de 80% da geração Z, por exemplo, declarou que acompanha os telejornais matinais. Entre os millennials, esse índice é de 77% e, na geração X, de 79%.
Outro ponto da pesquisa interessante para os produtores de conteúdo é a baixa disposição dos jovens em, espontaneamente, pagar para ter acesso a um conteúdo informativo premium. Nas três gerações, a maioria das pessoas é contra pagar para acessar conteúdos: (85% na geração Z; 82% entre os millennials e 87% na geração X). A disposição em pagar, no entanto, começa a aparecer quando essas pessoas identificam que aquele conteúdo irá trazer informações muito relevantes ou, então, irá proporcionar entretenimento. Entre os conteúdos considerados relevantes por boa parte dos pesquisados estão o New York Times, The Wall Street Journal, Business Insider, Netflix e Spotify.
A maior diferença entre as três gerações foi observada em relação ao uso das redes sociais para consumir conteúdo informativo. A geração Z é a única em que a maioria das pessoas (55%) usa as redes sociais (Facebook, Twitter, etc) como principal fonte de informação. Já entre os millennials, o índice é de 40%. A geração que menos usa as redes sociais como primeira fonte de consulta de informação é a X (apenas 25% declararam o hábito).

O filme 'A Melhor Juventude' é de longe a melhor representação de uma geração de italianos. FSP

São seis horas, mas vi tudo no mesmo dia e queria mais

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Não perca, sob nenhum pretexto, “La Meglio Gioventú” (“A Melhor Juventude”), de Marco Tullio Giordana. O filme, de 2003, voltou recentemente aos cinemas. São seis horas, mas vi tudo no mesmo dia e queria mais.
“La Meglio Gioventú”, num italiano dialetal, significa “os melhores dos nossos jovens” e evoca um canto dos alpinos (tropas de montanha do Exército italiano). Mais de uma vez, com amigos, no breu e no frio, subi uma montanha para descer do outro lado, quando o sol nascia, deslizando entre as árvores, na neve intacta. Cantávamos a meia-voz “Sul Ponte di Bassano”: a música condizia com a abnegação no esforço.
“Sul Ponte di Bassano” fala do adeus dos alpinos que atravessavam o rio Brenta para enfrentar os austríacos, na Primeira Guerra Mundial. Entre 1915 e 1918, morreram mais de 600 mil soldados italianos. 
Ilustração de pessoa correndo em uma superfície inclinada toda branca. Ela está com roupas de frio cercada por árvores com neve em alguns galhos curtos.
Luciano Salles/Folhapress
Vinte e poucos anos depois, nova versão, “Sul Ponte di Perati”: a divisão alpina Julia teve que invadir a Grécia, e a ponte de Perati marcava a passagem entre Albânia (na época, “italiana”) e Grécia: era a ponte sem volta. 
A primeira estrofe diz: “Sobre a ponte de Bassano [ou de Perati], bandeira preta, é o luto dos alpinos que vão para a guerra, a ‘meglio gioventú’ vai para baixo da terra”. 
A mesma música e mesma menção à “meglio gioventú” serviu para “Pietá l’é Morta” (a piedade é morta), canto dos “partigiani” em 1944-1945.
Duas vezes, a 20 e poucos anos de distância, os jovens da “meglio gioventú”, soldados, resistentes ou fascistas que fossem, foram para baixo da terra.
E o que aconteceu a seguir com “la meglio gioventú”, que tinha 20 anos no fim da década de 1960? O filme de Giordana é de longe a melhor, mais comovente e mais certeira representação dessa geração de italianos. Reflexões na margem, sem spoilers:
1) Em 1966, um jovem viaja pelo norte da Europa e escreve cartas.
Aos 13 anos, passei dois meses em Londres, para cultivar meu inglês. Meu irmão (que tinha 18) estava na praia, perto de Veneza, com a namorada. E meus pais davam uma volta ao mundo.
Ninguém sabia o telefone de ninguém. Eu tinha um dinheiro, que devia bastar, e só. Escrevi três cartas a posta-restante de cidades que meus pais visitariam. Recebi três cartas. Se adoecesse, se o dinheiro acabasse (acabou, de fato), se me sentisse triste, nada: vire-se —como gente grande.
Houve mais uma geração que conheceu a liberdade de ter que se virar. Depois disso, as crianças passaram a crescer num mundo acovardado, em que todos aceitam serem constantemente controlados em troca da sensação de que, graças ao celular, sempre dará para pedir socorro.
Fomos a penúltima geração sem celular. Sorte nossa. 
2) O filme começa com três jovens universitários preparando-se para os exames. Não era preciso ser universitário para que o estudo fosse prioridade absoluta. Uma vez, aos 11 anos, manifestei que estava com sono para terminar o dever de casa depois do jantar; meu pai sugeriu que tomasse um café forte. 
Estudávamos para acumular um patrimônio comum que nos permitiria um dia ler um manuscrito medieval iluminado junto com um amigo, reconhecer o velho Firs do “Jardim das Cerejeiras” num mordomo que aparecesse com duas crianças ou explicar a um menino órfão que seu pai era triste como Aquiles. Sem esse patrimônio, a vida é infinitamente mais chata, menos complexa, diversa e bela (diria Nicola, no filme). 
A cultura não evita que a gente tome as piores decisões. É possível tocar uma sonata em A menor de Mozart e, mesmo assim, cair na sedução da luta armada. A cultura apenas garante que, seja qual for a escolha, ela será intensa, parte de uma vida levada a sério.
Em 1940, um tenente da divisão Julia, antes de embarcar para a Grécia, passou a noite recitando líricos gregos, com meu pai. Ele foi morto no primeiro combate. Meu pai dizia que ele preferira ser morto a invadir a Grécia. 
3) Os quatro filhos de uma família sem riqueza estudam. Isso só era possível porque a escola pública era a melhor e aberta a todos. O ensino era conteudista, sem dúvidas pedagógicas. Senta a bunda e estuda —porque é interessante, e tua vida será mais interessante com conteúdo do que sem. 
4) Apesar dos processos de fascistas, brigadistas vermelhos e mafiosos que encerraram os anos de chumbo, entre 1969 e 1985, continuamos num mundo corrupto, vivendo uma história que nos escapa.
Mas, nos interstícios de infundáveis ignorâncias e ambições sórdidas, sempre é possível inventar vidas que valham a pena.
Contardo Calligaris
Psicanalista, autor de 'Hello Brasil!' (Três Estrelas), 'Cartas a um Jovem Terapeuta' (Planeta) e 'Coisa de Menina?', com Maria Homem