Celso Ming, O Estado de S.Paulo
06 de fevereiro de 2020 | 19h18
O Banco Central (BC) nunca foi tão claro como quando afirmou, em comunicado divulgado quarta-feira logo após a reunião do Copom, que “vê como adequada a interrupção do processo de flexibilização monetária”. Ou seja, vai parar por aqui. Ninguém espere para tão cedo nova queda dos juros básicos (Selic), agora nos 4,25% ao ano, uma queda de 10 pontos porcentuais desde agosto de 2016.
Os juros são um dos dois preços do dinheiro. O câmbio é o outro. Como o dinheiro é um dos mais importantes ativos de uma nação, estejam em que nível estiverem, os juros mexem com a vida econômica tanto do setor público quanto das pessoas e das empresas.
Os últimos 80 anos foram períodos de alta inflação e juros também altos, situação que desorganizou a vida econômica, principalmente do assalariado, a maior vítima da inflação.
Agora, todos têm de aprender a administrar a vida econômica sob inflação e juros no chão e, no caso das aplicações financeiras, sob juros reais até negativos. Até mesmo o administrador público tem de lidar com colocação de títulos com atratividade reduzida ou nula.
Mas vamos a algumas mudanças. Hoje, com eventuais exceções, qualquer desconto obtido num pagamento à vista de carnês, impostos ou pacotes de viagem passou a ser mais vantajoso para o consumidor do que o rendimento que obteria com a aplicação do dinheiro da compra em renda fixa, garfado pelo Imposto de Renda e por taxas de administração. A maioria ainda não se deu conta desse efeito e de que vale a pena batalhar por descontos assim.
Num ambiente de juros reais negativos, tende a valer mais a pena guardar dinheiro no forro do colchão, como se fazia antigamente, do que aplicá-lo em renda fixa. O novo problema a enfrentar aí é o de segurança.
Na área dos negócios, maiores prazos para pagamento de duplicatas, como se tornou usual, já não oferecem os mesmos benefícios obtidos em tempos de inflação elevada.
Há alguns anos, grandes investidores traziam dólares do exterior para convertê-los em reais, aplicá-los no mercado financeiro interno e, mesmo correndo risco de valorização cambial, tiravam proveito dos juros generosos vigentes por aqui. Essa operação já não vale mais a pena. Os exportadores que antes faziam essas operações (carry trade) hoje preferem deixar os dólares no exterior, onde enfrentam risco cambial desprezível. Esse foi um dos fatores que, nos últimos três meses, puxaram para cima as cotações da moeda estrangeira no Brasil.
Quando avisou que está “interrompendo o processo de flexibilização monetária”, o BC não se comprometeu a deixar os juros para sempre no piso em que estão agora. Interrupção de um ciclo de baixa não é igual a fim de um ciclo de baixa. Essa interrupção deve dar lugar a prolongado período de estabilidade, mas, lá pelas tantas, também pode dar lugar a quedas adicionais de juros, desde que o comportamento da inflação assim o permita, como já acontece na maioria dos países avançados.
CONFIRA
» Impacto sobre o petróleo
Todo o setor de commodities foi atingido pelo choque do coronavírus, especialmente o petróleo. Em apenas três semanas, a baixa do óleo no mercado futuro foi de 10%. A percepção é de que a atividade econômica da China sofrerá retração e, nessas condições, o consumo de energia também será menor. Daí o tombo nos preços que o gráfico mostra. O problema é que ninguém tem certeza do tamanho do impacto. Isso significa que, por certo tempo, o mercado terá de conviver com muita volatilidade.
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