domingo, 13 de outubro de 2019

A banca viciou-se nos juros altos



Bancos lucram tanto com quem paga que isso compensa calotes que tomam


O economista-chefe da Febraban, Rubens Sardenberg, fez uma estranha associação entre os juros altos da banca e a situação da economia: “O aumento da inadimplência, a queda lenta do desemprego e o baixo crescimento da renda criam alguma cautela do ponto de vista de quem está concedendo o crédito”.
A cautela poderia levar a uma menor oferta de crédito, não a uma subida nas taxas de alguns empréstimos. A Selic está em 5,5% ao ano, algumas taxas caíram, mas a mordida anual dos juros do cartão de crédito parcelado foi de 163,1% para 177,3%.


Mulher passa em frente a agência do Citibank em Hong Kong
Mulher passa em frente a agência do Citibank em Hong Kong - Bobby Yip/Reuters
Indo-se ao livro “Uma Chance de Lutar”, a autobiografia da senadora Elizabeth Warren, candidata a presidente dos Estados Unidos pelo Partido Democrata, vê-se a seguinte cena:
Pouco antes da crise de 2007 ela deu uma palestra para executivos do Citibank e disse que eles poderiam conter as inadimplências (e as bancarrotas familiares) parando de emprestar a quem estava em dificuldade.
Ao que um dos caciques presentes tomou a palavra: “Professora Warren, gostamos muito de sua exposição, mas não temos a intenção de parar de emprestar a essas pessoas. São eles quem garantem a maior parte de nossos lucros”.
Cobrando juros altos para quem parcela as dívidas do cartão de crédito a banca lucra tanto com quem paga que isso compensa os calotes que toma.
O Citi continuou apostando e nunca mais convidou a professora Warren. Em 2008 o banco foi às cordas, salvou-se com um socorro de US$ 20 bilhões da Viúva e hoje é uma sombra do que foi. Já a professora elegeu-se senadora e lidera (por pouco) algumas pesquisas de preferências entre os candidatos do Partido Democrata.
Leia as outras notas da coluna deste domingo (13):

Vargas Llosa mente, mas pesquisa

Nobel de Literatura, escritor peruano acaba de publicar seu 19º romance

Mario Vargas Llosa acaba de publicar seu 19º romance, “Tiempos Recios”, (“Tempos Difíceis”). Conta os caminhos de Marta, a “Miss Guatemala”, uma bonita mulher que atravessa a história da América Latina na segunda metade do século passado.
Prêmio Nobel de Literatura em 2010 e candidato derrotado à Presidência do Peru em 1990, Vargas Llosa conhece a política e a escrita. Ele sustenta que seu livro “é um romance e não um livro de história, mas digamos que pesquiso para mentir com conhecimento de causa”.
O escritor peruano Mario Vargas Llosa divulga seu 19º romance, 'Tiempos Recios' (tempos difíceis, sem edição em português)
O escritor peruano Mario Vargas Llosa divulga seu 19º romance, 'Tiempos Recios' (tempos difíceis, sem edição em português) - Pierre-Philippe Marcou/AFP
Assim como fez com Canudos em “A Guerra do Fim do Mundo” e com a ditadura da República Dominicana do Generalíssimo Rafael Trujillo em “A Festa do Bode”, Vargas Llosa move seus personagens dentro de uma moldura histórica.
Ele sustenta que se o governo dos Estados Unidos não tivesse manipulado o fantasma do comunismo em 1954 para derrubar o presidente reformista Jacobo Arbenz, da Guatemala, Fidel Castro não teria sido o que foi. Por coincidência, quando Arbenz caiu, um jovem médico argentino estava na Cidade da Guatemala. Chamava-se Ernesto Guevara.
Vargas Llosa mente, mas pesquisa, pois identifica um homem da CIA, “El Invisible”, no golpe da Guatemala e quando vai-se ver, o cidadão passou pelo Brasil em 1970 e chefiou as operações clandestinas na América Latina até o golpe chileno de 1973.
“Miss Guatemala” havia sido amante do coronel que a Central Intelligence Agency empreitou para derrubar Arbenz. Passou-se para a vida do chefe da polícia de Trujillo e, em todos os casos, foge espetacularmente quando seus protetores são assassinados ou caem em desgraça. Nisso, sempre tem a ajuda da CIA. Na velhice, persistia na obsessão anticomunista.
À primeira vista, os “Tempos Difíceis” tomaram conta da segunda metade do século passado, mas, olhando-se bem, continuam. O anticomunismo era apenas o disfarce de algo mais velho, duradouro e profundo.
Leia as outras notas da coluna deste domingo (13):
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

Destino da Ceagesp e Campo de Marte está em disputa, OESP

Bruno Ribeiro, O Estado de S.Paulo
12 de outubro de 2019 | 19h57
Às 4 horas da última sexta-feira, quando estacionou seu caminhão de maçãs na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), o motorista Deovaldo Pereira, de 46 anos, sabia que não sairia dali antes da hora do almoço. Não que a descarga demore: mesmo feita manualmente, é um serviço que se liquida em duas horas. Das 6h ao meio-dia, porém, ele ficaria parado, preso no trânsito, esperando para sair do maior entreposto da América Latina
Quando um caminhão estaciona na Ceagesp, outro para na fila dupla e também começa a tirar mercadorias. Nisso, um terceiro para e faz a mesma coisa. Quando se vê, ninguém consegue mais manobrar. “Isso aqui foi feito nos anos 1960, quando caminhão grande era Jardineira”, diz o comerciante Luís Paim, de 59 anos, 40 deles vividos na Ceagesp. Na sexta, caminhando entre melancias goianas e abacaxis fluminenses, ele mostrava ao Estado a fiação elétrica exposta nos galpões enquanto reclamava das plataformas mais baixas do que os baús dos caminhões de hoje.
A situação faz comerciantes quererem mudança na Ceagesp. Para os gestores públicos, o terreno, de 700 mil m², pode ter usos mais nobres. O governador João Doria (PSDB) é um dos defensores da privatização da companhia. Em abril, após reunião com Jair Bolsonaro, em Brasília, disse que o presidente havia concordado em mudar a Ceagesp de lugar
Entretanto, em agosto, o governo federal passou a tocar o projeto por conta própria e incluiu a empresa no Programa Nacional de Desestatização. Por nota, a gestão Doria afirmou que a inclusão seria “mais um passo dentro do cronograma estabelecido entre os governos Federal e Estadual”. No último dia 7, Bolsonaro determinou que a privatização seria executada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
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Governador João Doria defende privatização da Ceagesp Foto: Felipe Rau/Estadão

Trem

Outra promessa de Doria é um trem leve pra ligar a Estação Aeroporto da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e os terminais do Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. Em maio, ao lado do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, o tucano afirmou haver acordo para que a concessionária a GRU Airport arcasse com a obra e, em troca, tivesse desconto na outorga que paga à União. “As obras terão o início em setembro”, disse Doria. Agora, o governo federal não dá certezas sobre a obra.
O projeto depende de aprovação da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) que, ao Estado, disse “coletar informações quanto aos custos, benefícios e, sobretudo, o interesse público decorrente da realização do empreendimento”, e que  a obra “não está inserida entre as obrigações contratuais da concessionária”. “Já troquei de trem três vezes para chegar até aqui”, diz, na porta da estação, a professora de inglês Ana Oliveira, de 28 anos. “Esse trem é importante”, afirma. A ligação da estação aos terminais é feita por ônibus.
Outro projeto de Doria é fechar o Campo de Marte, na zona norte, e fazer ali um parque. Em janeiro, com o slogan “Bolsodoria” ainda fresco, o governador saiu de uma reunião com o presidente dizendo ter tratado do tema. Mas o governo federal optou por inserir o espaço no plano de privatizações, com leilão previsto para o segundo semestre de 2022. 
Um dos temas que já saiu do discurso paulista é a concessão da Hidrovia Tietê-Paraná, rota importante para o escoamento de grãos para o interior. Nas conversas preliminares, a concessão do trecho do Rio Paraná, federal, é tida como de difícil modelagem econômica. E, no Palácio dos Bandeirantes, já há entendimento de que não sairá. 

Sintonia

O governo paulista argumenta que uma das propostas de Doria em sintonia com a União é a construção de um trem entre São Paulo e Campinas. A linhas férreas existentes entre as cidades são federais e já estão concedidas, mas os contratos devem ser renovados até o ano que vem.
Haveria acordo para que, nas renovações, seja incluída cláusula que permita o compartilhamento dos ramais ferroviários com trens de passageiros. São Paulo não identificou, também, movimento que possa impedir o processo de concessão de 22 aeroportos do interior do Estado, que estão em estudos na Secretaria de Logística e Transportes.