Bruno Ribeiro, O Estado de S.Paulo
12 de outubro de 2019 | 19h57
Às 4 horas da última sexta-feira, quando estacionou seu caminhão de maçãs na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), o motorista Deovaldo Pereira, de 46 anos, sabia que não sairia dali antes da hora do almoço. Não que a descarga demore: mesmo feita manualmente, é um serviço que se liquida em duas horas. Das 6h ao meio-dia, porém, ele ficaria parado, preso no trânsito, esperando para sair do maior entreposto da América Latina.
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Quando um caminhão estaciona na Ceagesp, outro para na fila dupla e também começa a tirar mercadorias. Nisso, um terceiro para e faz a mesma coisa. Quando se vê, ninguém consegue mais manobrar. “Isso aqui foi feito nos anos 1960, quando caminhão grande era Jardineira”, diz o comerciante Luís Paim, de 59 anos, 40 deles vividos na Ceagesp. Na sexta, caminhando entre melancias goianas e abacaxis fluminenses, ele mostrava ao Estado a fiação elétrica exposta nos galpões enquanto reclamava das plataformas mais baixas do que os baús dos caminhões de hoje.
A situação faz comerciantes quererem mudança na Ceagesp. Para os gestores públicos, o terreno, de 700 mil m², pode ter usos mais nobres. O governador João Doria (PSDB) é um dos defensores da privatização da companhia. Em abril, após reunião com Jair Bolsonaro, em Brasília, disse que o presidente havia concordado em mudar a Ceagesp de lugar.
Entretanto, em agosto, o governo federal passou a tocar o projeto por conta própria e incluiu a empresa no Programa Nacional de Desestatização. Por nota, a gestão Doria afirmou que a inclusão seria “mais um passo dentro do cronograma estabelecido entre os governos Federal e Estadual”. No último dia 7, Bolsonaro determinou que a privatização seria executada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Trem
Outra promessa de Doria é um trem leve pra ligar a Estação Aeroporto da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e os terminais do Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. Em maio, ao lado do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, o tucano afirmou haver acordo para que a concessionária a GRU Airport arcasse com a obra e, em troca, tivesse desconto na outorga que paga à União. “As obras terão o início em setembro”, disse Doria. Agora, o governo federal não dá certezas sobre a obra.
O projeto depende de aprovação da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) que, ao Estado, disse “coletar informações quanto aos custos, benefícios e, sobretudo, o interesse público decorrente da realização do empreendimento”, e que a obra “não está inserida entre as obrigações contratuais da concessionária”. “Já troquei de trem três vezes para chegar até aqui”, diz, na porta da estação, a professora de inglês Ana Oliveira, de 28 anos. “Esse trem é importante”, afirma. A ligação da estação aos terminais é feita por ônibus.
Outro projeto de Doria é fechar o Campo de Marte, na zona norte, e fazer ali um parque. Em janeiro, com o slogan “Bolsodoria” ainda fresco, o governador saiu de uma reunião com o presidente dizendo ter tratado do tema. Mas o governo federal optou por inserir o espaço no plano de privatizações, com leilão previsto para o segundo semestre de 2022.
Um dos temas que já saiu do discurso paulista é a concessão da Hidrovia Tietê-Paraná, rota importante para o escoamento de grãos para o interior. Nas conversas preliminares, a concessão do trecho do Rio Paraná, federal, é tida como de difícil modelagem econômica. E, no Palácio dos Bandeirantes, já há entendimento de que não sairá.
Sintonia
O governo paulista argumenta que uma das propostas de Doria em sintonia com a União é a construção de um trem entre São Paulo e Campinas. A linhas férreas existentes entre as cidades são federais e já estão concedidas, mas os contratos devem ser renovados até o ano que vem.
Haveria acordo para que, nas renovações, seja incluída cláusula que permita o compartilhamento dos ramais ferroviários com trens de passageiros. São Paulo não identificou, também, movimento que possa impedir o processo de concessão de 22 aeroportos do interior do Estado, que estão em estudos na Secretaria de Logística e Transportes.
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