sexta-feira, 11 de outubro de 2019

GILBERTO KASSAB Telecom: um novo marco legal, a seguir de perto, FSP

Gilberto Kassab
Senado deu um grande passo em setembro, que, em meio a tantas discussões que tomam o país, talvez não tenha recebido a devida atenção. Dando mais um exemplo de como o Legislativo é poder contribuinte para o desenvolvimento econômico, os senadores aprovaram o PLC (Projeto de Lei Complementar) 79/2016 e atualizaram a Lei Geral de Telecomunicaçõestrazendo à realidade do século 21 o marco legal que rege setor essencial da economia.
As telecomunicações movimentam grande cadeia econômica, geram empregos e têm enorme impacto tecnológico, mas a regulação do setor era de 1997, quando da privatização do sistema Telebras, limitando novos investimentos.
O engenheiro e economista Gilberto Kassab (PSD), ex-ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações - Pedro Ladeira - 04.abr.19/Folhapress
A partir da atualização, criam-se condições para que operadoras de telecom executem projetos, e o país tenha ampliada a infraestrutura para aquilo que precisa, que é a rede de banda larga. Dá ainda suporte para que o Brasil se prepare para a futura rede 5G, para a qual fizemos a primeira transmissão experimental em nossa gestão no MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), em 2017, e também para a internet das coisas, futuro da rede que é a conexão entre máquinas, para a qual preparamos o plano nacional sancionado neste ano pela Presidência.
Em linhas gerais, o projeto permite a migração dos regimes de concessão de telecomunicações para autorizações. Estabelece o que significa “reversibilidade” de bens das concessionárias —estrutura oriunda da antiga Telebras e que teria de ser devolvida, mediante indenização, quando encerradas as concessões das operadoras. Os valores atribuídos a esse patrimônio terão de ser investidos na expansão da banda larga.
Um aspecto do anacronismo da lei de 1997 pode ser medido pelo fato de prever implementação e manutenção de orelhões...
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A instalação de orelhões era uma das preocupações hoje anacrônicas da legislação das teles - Antonio Gaudério - 08.nov.94/Folhapress
Após tramitar por três anos, o projeto teve o aval dos senadores de forma unânime, com uma abstenção. Gostaria de destacar que a nossa equipe pôde contribuir com os seus temas, subsidiando o debate.
Aprovado, o presidente Jair Bolsonaro sancionou o novo marco legal, que se tornou a lei 13.879/19.
A definição de políticas de investimento seguirá critérios delimitados pelo MCTIC, como a consolidação de políticas públicas de telecomunicações que orientam a expansão do setor e que encaminhamos em nossa gestão.
Uma questão que se coloca agora é quais são os bens reversíveis e como valorá-los. É papel do ministério e da Anatel dar sequência ao tema, com o estabelecimento de metodologia de cálculo para esse patrimônio e escolha de projetos a serem contemplados em contrapartida, com pleno acompanhamento da sociedade, do Tribunal de Contas da União e de órgãos de defesa do consumidor. Há a estimativa de que o processo se desenrolará por um ano e meio.
Quero tratar do tema não só pelo viés técnico, mas lembrando, por exemplo, da grande diferença de oportunidades que a nova lei pode trazer para a educação de uma criança, ajudando a diminuir o fosso que separa quem tem e quem não tem banda larga. Nós, que estamos acostumados, talvez não nos demos conta da diferença que faz...
Por fim, também enfatizar que o projeto cria base importante para termos um ecossistema fértil para a Estratégia Brasileira para a Transformação Digital, outra política pública lançada em 2018. E lembrar o lançamento do satélite geoestacionário e o programa de implementação de banda larga que dele deriva e vem sendo levado adiante neste ano.
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Projeto aprovado, temos agora uma lei, que demanda regulamentação... Dada sua importância, sugiro ao leitor, ao consumidor, ao interessado em tecnologia, que acompanhe esse assunto. Que verifique o seu andamento e o papel da Presidência da República, do MCTIC, da Anatel, e das operadoras —e fique atento aos seus desdobramentos com vistas a mais qualidade e alcance para a banda larga.
Assim como a ciência e a tecnologia, as telecomunicações são essenciais no nosso dia a dia e no nosso desenvolvimento. Vejo essa atualização como um impulso nesse sentido. É preciso buscar os sinônimos de um país moderno, e acredito que a lei tem esse preciso significado.
Gilberto Kassab
Engenheiro, economista, presidente nacional do PSD, ex-ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (2016-2018) e ex-prefeito de São Paulo (2006-2012)

A Casa do pai, Ruy Castro, FSP

É natural que tantos brasileiros queiram morar em Portugal. Temo ficar aqui sozinho

Um anúncio nos nossos jornais proclama o sucesso de um leilão de imóveis em Portugal. Ou seja, para um brasileiro já não é preciso tomar um avião para comprar um apartamento, casa ou sala comercial em Lisboa. Pode fazê-lo daqui mesmo, pelo celular, e só embarcar para tomar posse da aquisição. Se, nos últimos anos, já fui à despedida de inúmeros amigos que enfrentaram duras formalidades para emigrar para a terrinha, imagino como não será agora, com todas as facilidades. Temo ser deixado aqui sozinho, encarregado de apagar a luz.
Morei em Lisboa, a trabalho, como editor-executivo de uma revista internacional, de janeiro de 1973 a setembro de 1975. Era outra Lisboa, outro Portugal. Quando cheguei, o país vivia sob uma ditadura de décadas. Havia uma guerra colonial em curso, já perdida, e os jornais sofriam uma censura ainda pior do que a nossa. No Brasil, filmes como “Último Tango em Paris” e “Laranja Mecânica” estavam proibidos, mas nada impedia que uma revista como a Manchete abrisse dez páginas em cores sobre eles. Em Portugal, a imprensa não podia sequer insinuar que eles existiam.
Éramos pouquíssimos brasileiros em Lisboa e quase todos nos conhecíamos. Não se ouviam línguas estrangeiras nas ruas. Não se viam jovens —os rapazes, na guerra; as moças, em casa. A população se vestia de preto ou cinza. Ninguém discutia política —não havia o que discutir. Coca-Cola, proibida pelo governo, só no contrabandista. O país, estagnado. Ninguém ouvira falar em 1968.
E, então, em 25 de abril de 1974, vieram os cravos. O regime de 48 anos ruiu. Talvez o maior dia da minha vida. A cidade saiu às ruas, a guerra acabou, os jovens voltaram. A inevitável instabilidade dos primeiros anos deu lugar a um país adulto, senhor de si, aberto ao mundo.
É natural que, hoje, tantos brasileiros queiram viver lá. É como voltar para a casa do pai. Só que um pai amigo, liberal, sacana.
Soldados portugueses durante a Revolução dos Cravos na cidade do Porto - "Jornal de Notícias" do Porto
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

Brasil precisa provar que não comprou pastel de vento de Trump, FSP

A diplomacia brasileira vai ter trabalho para provar que não anda comprando pastéis de vento na banca de Donald Trump. O governo americano faz declarações públicas e inequívocas de apoio à entrada do Brasil na OCDE, mas agora dá sinais claros de que o país precisa esperar para conseguir o que quer.
Em março, Jair Bolsonaro deixou a Casa Branca com uma iguaria crocante e dourada nas mãos. O endosso público de Trump à candidatura brasileira à organização foi comemorado pela equipe econômica e pelo Itamaraty. O recheio ficou por lá.
O governo se apressou em recompensar os EUA. No ato, os brasileiros abriram mão do tratamento especial que é dado a países emergentes na Organização Mundial do Comércio, uma demanda de Trump. Lançaram, também, cotas generosas de importação de trigo e etanol, beneficiando os produtores americanos.
O Brasil ainda espera gestos mais concretos. Em agosto, os EUA enviaram à OCDE a indicação oficial da Argentina e da Romênia ao clube, segundo a agência Bloomberg. Nesta quinta (10), a chancelaria americana declarou apoio aos brasileiros, mas falou em "ritmo controlado" de adesão. Depois, emitiu nota para dizer que faria um "forte empenho" pela entrada do país na organização.
A candidatura brasileira continua de pé, e tudo indica que Trump permanece disposto a patrocinar o país. O que abala negociadores do Itamaraty e outros integrantes do governo é o silêncio americano em relação a prazos e etapas objetivas para o processo de adesão.
Bolsonaro aprende que esse é um jogo de interesses. Os americanos têm uma estratégia própria para a OCDE, que independe de seus compromissos com o Brasil: querem evitar o inchaço da organização e, por isso, reduzem a velocidade das novas entradas no grupo.
Os caminhos da diplomacia costumam ser longos. O governo brasileiro pagou um preço ao seguir a rota dos americanos, mas precisa estar ciente de que Trump não levará o país a atalhos ou passagens secretas.
Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).