domingo, 22 de setembro de 2019

Conquista ameaçada, FSP

Desleixo e orgulho ameaçam o controle de doenças pelas vacinas

A combinação de desleixo com orgulho ignorante está causando avarias numa das grandes façanhas da humanidade, que é o controle de doenças através da vacinação. Em 2019, o sarampo, que já fora citado por autoridades sanitárias como moléstia passível de erradicação, ressurgiu com força em várias partes do mundo. Quedas na cobertura vacinal, em parte por preguiça, em parte por militância religiosa/ideológica, são o principal motivo.
Pior, especialistas já temem que algo semelhante aconteça com a poliomielite. Essa doença, que já esteve muito perto de ser eliminada (em 2017 registraram-se apenas 22 casos em todo o mundo), pode reaparecer em qualquer comunidade que tenha um número suficientemente grande de crianças não imunizadas.
É estranha a nossa relação psicológica com as vacinas. Elas, ao lado do saneamento básico, compõem os dois conjuntos de medidas que mais fizeram para reduzir a carga de doenças e morte que sempre afligiram nossa espécie, mas temos enorme dificuldade para reconhecer isso.
O caso mais emblemático talvez seja o de Maurice Hilleman. Poucos leitores terão ouvido falar desse cientista americano, mas ele é provavelmente a pessoa que mais salvou vidas no planeta. Hilleman, morto em 2005, desenvolveu mais de 40 vacinas, incluindo a tríplice viral ou MMR, usada contra o sarampo, e outras oito que fazem parte da maioria dos programas de vacinação infantil do mundo.
Seria um exagero dizer que Hilleman morreu na obscuridade. Seus pares sempre o reconheceram como um gigante, mas, num movimento que espelha bem nossa relação meio esquisita com as vacinas, seu nome é quase ignorado do público não especializado. Pior, em vez de ganhar um ou dois prêmios Nobel, aos quais decerto fez jus, o que recebeu foram mensagens de ódio e até ameaças depois que a "fake news" de que a MMR causava autismo ganhou corações e mentes no final dos anos 90.
helio@uol.com.br
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

sábado, 21 de setembro de 2019

É preciso bom senso para adaptar lei à realidade do condomínio, FSP

Necessidade dos moradores deve se sobrepor à formalidade jurídica na modernização de áreas comuns

Condomínios são organismos vivos e complexos, que refletem transformações sociais. Cada vez mais, moradores querem mudar a forma de aproveitar as áreas comuns do prédio. Esse desejo, porém, esbarra em textos retrógrados e mal elaborados do Código Civil e das convenções condominiais, que impõem um frustrante engessamento e impedem a implementação de ideias, muitas vezes em nome da formalidade jurídica.
Claro que as leis devem ser seguidas, mas se faz necessária a interpretação moderna das normas, em sintonia com a função social da propriedade, seus usos e costumes.
Dias atrás, os moradores de um condomínio com mais de 300 apartamentos, construído há dez anos, debatiam a completa inutilidade de um espaço chamado “minigolfe”, talvez jamais frequentado por alguém. O item é uma infelicidade do projeto, algo pensado para fazer o empreendimento parecer chique e alavancar as vendas.
Na reunião, surgiram ótimas ideias para a utilização efetiva do espaço, como transformá-lo em uma praça e uma área para passear com cachorros.
Logo um morador, o chato de plantão, sacou de sua pastinha a convenção de condomínio e o Código Civil. Avisou que qualquer mudança na destinação de áreas ou do projeto depende do voto favorável de todos os proprietários. Ele alegou que nunca usou o espaço, mas disse que queria alertar sobre os riscos que a medida traria. Foi um banho de água fria nos vizinhos.
Área comum de prédio vista de cima, com arbustos e espelhos d'água
Área de uso comum de condomínio na zona oeste de São Paulo - Marcelo Justo/Folhapress
A questão central está na forma de aplicação das normas. A letra fria da lei há de ser interpretada levando em conta o legítimo anseio dos moradores, em consonância com o bom senso, a razoabilidade e os princípios que norteiam a vida em comunidade.
No exemplo acima, converter um espaço sem utilização em uma nova área de lazer não pode e não deve ser considerada uma mudança de destinação ou de projeto, mas uma mera adequação às necessidades dos usuários. 
Administradores de condomínios e advogados devem ser mais arrojados em seus pareceres, para possibilitar transformações positivas nos empreendimentos —que causem não só maior utilização dos espaços comuns mas interação entre os moradores e valorização do patrimônio.
Para que qualquer decisão seja revestida de segurança jurídica, é importante o amplo debate em reunião, a criação de comissão de moradores para estudos e a realização de enquete, para suprir o baixo quórum nas assembleias gerais.
Márcio Rachkorsky
Advogado, é membro da Comissão de Direito Urbanístico da OAB-SP.