quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Carlos Bolsonaro, o pequeno príncipe, FSP

Vagabundo, imbecil, putinha, putaria, idiota comedor de alfafa, bostas goeludos, porca, canalha, boçal, partido de pirocas.
O latim de Carlos Bolsonaro é vasto e crescente. Segundo filho do primeiro casamento do presidente, vereador mais jovem da história do país, reeleito para o quinto mandato, nome mais votado para o cargo no Rio (sendo o único a ultrapassar a marca de 100 mil votos), ele agora está licenciado de fazer o que já não vinha fazendo: verear.
Ocupa-se de exibir dotes vocabulares no Twitter, não necessariamente apenas na conta pessoal. Não são palavras ao vento, nem nunca foram. Quem um dia achou que o governo Bolsonaro não tinha estratégia já está a rever sua crença.
Construída por Carlos Bolsonaro, a comunicação presidencial é uma área que vai incrivelmente bem se comparada às lambanças Esplanada afora. Caso a régua de eficácia seja o objetivo direto dela, o que o 02 tem conseguido até agora deve ser definido como um grande sucesso.
O que ele procura é ocupar o espaço e interditar qualquer debate que não lhe interesse. Deixar a oposição sem chão. Testar águas e mandar recados a um custo mais baixo do que o da tinta da caneta presidencial.
Para isso, modula o tom de modo a recuperar a atenção quando percebe que o truque está a ponto de se esgotar. Como acaba de fazer no desfile de 7 de Setembro. Reapareceu ao lado do pai dois dias antes de abrir fogo contra as vias democráticas. Mobilizou assim ministros do STF e a cúpula do Congresso e ocupou manchetes dos jornais.
Ilustração do Pequeno Príncipe de elefante dentro da jiboia
Ilustração do livro "O Pequeno Príncipe", que mostra um elefante dentro de uma jiboia - Reprodução
O pequeno príncipe de Exupéry transmitia ensinamentos desenhando uma jiboia comendo um elefante —os adultos pensavam que se tratasse de um chapéu. Carlos Bolsonaro é apenas um vereador do Rio que diz não ter ambição de poder. Ele se atrapalha com a conjugação verbal, mas também deixa sua lição: “Nunca esqueçamos que diâmetro e profundidade só é critério de competência para alguns”.


Roberto Dias
Secretário de Redação da Folha.

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Crescer é difícil, Delfim Netto, FSP

Para tentar entender o complicado problema em que nos metemos, é preciso partir de uma evidência empírica secular: os recursos disponíveis em cada momento para a sociedade têm uma “produtividade” muito maior (a quantidade média de bens e serviços por unidade de mão de obra) quando usados pelo setor privado do que quando usados pelo setor público. Isso parece autorizar uma primeira conclusão: cada real transferido do setor privado para o setor público como imposto ou dívida pública para cobrir despesas de custeio estará, provavelmente, reduzindo a produtividade média da mão de obra empregada e, portanto, o nível PIB.
Por outro lado, é também um fato empiricamente reconhecido que a produtividade média do trabalho em qualquer sociedade depende, fundamentalmente, de instituições que estimulem a formação do estoque de capital e da tecnologia nela incorporada, por unidade de mão de obra com capacidade de operá-lo. Quando ela cresce? Quando o estoque de capital da sociedade cresce mais rapidamente do que a mão de obra que o opera. Em outras palavras: a sociedade precisa aumentar o estoque de capital, pelo investimento, a uma taxa maior do que a do crescimento da mão de obra. Isso nos leva a uma segunda conclusão: deve haver uma harmonia cuidadosa entre o consumo e o investimento, porque é ela que regula a velocidade de crescimento do PIB.
Não parece fora de propósito enunciar um resultado final. Toda sociedade sempre terá duas limitações físicas no uso dos seus recursos: uma determina a produtividade média da mão de obra empregada (o nível do PIB). A outra, a velocidade do crescimento dessa produtividade, o que chamamos de desenvolvimento econômico. Na primeira metade dos últimos 70 anos, aos trancos e barrancos, cumprimos as duas condições e nosso PIB cresceu à taxa de 7,5% ao ano. Na segunda, assistimos à queda daquela taxa para 2,4%.
O resultado é a tragédia que estamos curtindo: 1. crescimento do PIB de 1% em 2019; 2. déficit fiscal/PIB de 6,3%; 3. déficit primário/PIB de 1,7%; 4. dívida bruta/PIB de 70% e 5. gente pedindo para acabar com o teto e tentar aumentar a demanda com mais dívida pública. O problema é que nossa falta de demanda não tem a cômoda solução “keynesiana” (pobre Keynes na mão de seus epígonos!). Precisamos, para expandir a demanda, de uma forte, inteligente e rápida política de oferta que atraia o capital privado nacional e estrangeiro para financiar nossos excelentes projetos de infraestrutura. É preciso insistir: sem um “fast track” (talvez uma Lei Delegada), o ministro Guedes não conseguirá realizá-lo.
 
Antonio Delfim Netto
Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.

Fenômeno raro, FSP

A criação da carteirinha digital de estudante é um dos raros acertos de Bolsonaro

O fenômeno é relativamente raro, mas, de vez em quando, Jair Bolsonaro acerta. É o caso da medida provisória que cria uma carteira de estudante digital, a ser concedida gratuitamente pelo MEC a todos os alunos de cursos regulares e que garante o benefício da meia-entrada.
Bolsonaro, como todos sabemos, não é o mais kantiano dos mortais, daí que seria demais esperar que ele tome a decisão certa pelas razões certas. A motivação principal para a mudança nas carteirinhas não foi facilitar a vida dos estudantes, mas privar a União Nacional dos Estudantes (UNE) e outras entidades discentes, tradicionalmente ligadas a partidos de esquerda, do monopólio de emissão do documento.
Não estamos falando de pouco dinheiro. Existem no Brasil 48,6 milhões de estudantes, 21,5 milhões dos quais do ensino médio para cima, isto é, com mais interesse nos descontos proporcionados pela meia-entrada. A UNE e suas consorciadas cobram R$ 35 mais o frete por carteirinha. Quem fizer as contas verá que os lucros potenciais são astronômicos.
Carteirinha de estudante do governo Bolsonaro
Carteirinha de estudante do governo Bolsonaro - Reprodução
E a questão central é que, embora as entidades estudantis desfrutem dessa verba fácil há anos, primeiro devido a regulamentações locais e, desde 2013, por força da lei n° 12.933, o monopólio nunca fez sentido. Foi muito mais a forma que diferentes governos encontraram para comprar a docilidade do movimento do que um arranjo em favor do interesse público.
Se a UNE e outras entidades querem pegar dinheiro dos estudantes, devem convencê-los de que exercem atividades relevantes o bastante para justificar contribuições voluntárias e não com um programa de descontos em atividades culturais que nem sequer negociaram, mas que são impostos por lei a empresários.
E, já que estamos discutindo interesse público, é o caso de questionar a própria existência da meia-entrada, um gigantesco sistema de subsídios cruzados cuja lógica está por ser mostrada.
 
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".