BRASÍLIA
Um dia após a divulgação de novos trechos de conversas privadas nas quais o então juiz Sergio Moro passa orientações a procuradores da Lava Jata, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) defendeu o legado de seu ministro da Justiça, mas disse que não existe confiança 100%.
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"Eu não sei das particularidades da vida do Moro. Eu não frequento a casa dele. Ele não frequenta a minha casa por questão até de local onde moram nossas famílias. Mas, mesmo assim, meu pai dizia para mim: Confie 100% só em mim e minha mãe", disse Bolsonaro, em rápida entrevista na porta do Palácio do Alvorada, neste sábado, em Brasília.
Questionado se os diálogos entre o então juiz e o procurador chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol, não representariam irregularidades, o presidente ressaltou os resultados da atuação de Moro no combate à corrupção.
"Tem um crime de invadir o celular do caboclo lá [Deltan]. E outra, tem programa que eu tive acesso de você forjar conversa e ponto final. O que interessa? O Moro foi responsável, não por botar um ponto final, mas por buscar uma inflexão na questão da corrupção", disse o presidente.
"E mais importante: [Moro] livrou o Brasil de mergulhar em uma situação semelhante a da Venezuela. Onde estaria em jogo não o nosso patrimônio, mas a nossa liberdade", completou.
RESUMO DOS DIÁLOGOS EM 3 PONTOS
- Troca de colaborações entre o então juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato
- Dúvidas de Deltan a respeito da solidez das provas que sustentaram a primeira denúncia apresentada contra o ex-presidente Lula
- Conversas em um grupo em que procuradores comentam a solicitação feita pela Folha para entrevistar Lula na cadeia
Na mesma entrevista deste sábado, Bolsonaro indicou que ninguém é inabalável no cargo e citou a situação do general Santo Cruz, demitido na última quinta-feira (13) da Secretaria de Governo.
"Todo mundo pode ser [demitido]. Muita gente se surpreendeu com a saída do general Santos Cruz. Isso pode acontecer. Muitas vezes, a separação de um casal você se surpreende: 'Mas viviam tão bem!'. Mas a gente nunca sabe qual a razão daquilo. E é bom não saber. Que cada um seja feliz da sua maneira".
O presidente não deu detalhes sobre o que motivou a saída do general Santos Cruz do governo.
Bolsonaro ainda ameaçou demitir o presidente do BNDES, Joaquim Levy, mesmo sem a anuência do ministro da Economia, Paulo Guedes. Disse disse que Levy "está com a cabeça a prêmio há algum tempo".
O clima teria piorado, segundo Bolsonaro, depois da intenção de Levy em nomear um executivo que trabalhou na gestão petista.
Mensagens divulgadas no domingo (9) pelo site The Intercept Brasil mostram que Moro e Deltan trocavam colaborações quando integravam a força-tarefa da Lava Jato.
Segundo as mensagens, Moro sugeriu ao Ministério Público Federal trocar a ordem de fases da Lava Jato, cobrou a realização de novas operações, deu conselhos e pistas e antecipou ao menos uma decisão judicial.
O pacote de diálogos que veio à tona inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa no aplicativo Telegram de 2015 a 2018.
Para advogados e professores, a maneira como inicialmente o atual ministro da Justiça e o procurador reagiram à divulgação das conversas, sem contestar o teor das afirmações e defendendo o comportamento adotado na época, aponta que o conteúdo é fidedigno e que ele pode servir de base para reverter decisões da Lava Jato, por exemplo, contra o ex-presidente Lula.
Por esse raciocínio, o fato de o material ter sido provavelmente obtido por meio de um crime faz com que ele não tenha como ser utilizado para acusar um suspeito, mas possa servir para absolver um acusado.
Em um segundo momento, tanto Moro como Deltan passaram não apenas a atacar o crime do vazamento como também colocar em dúvida a integralidade das mensagens divulgadas, ao não afastar a possibilidade de distorções.
Segundo a legislação, é papel do juiz se manter imparcial diante da acusação e da defesa. Juízes que estão de alguma forma comprometidos com uma das partes devem se considerar suspeitos e, portanto, impedidos de julgar a ação. Quando isso acontece, o caso é enviado para outro magistrado.
Nas conversas privadas divulgadas pelo site, membros da força-tarefa fazem referências a casos como o processo que culminou com a condenação de Lula por causa do tríplex de Guarujá (SP), no qual o petista é acusado de receber R$ 3,7 milhões de propina da empreiteira OAS em decorrência de contratos da empresa com a Petrobras.
O valor, apontou a acusação, se referia à cessão pela OAS do apartamento tríplex ao ex-presidente, a reformas feitas pela construtora nesse imóvel e ao transporte e armazenamento de seu acervo presidencial. Ele foi condenado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Preso em decorrência da sentença de Moro, Lula foi impedido de concorrer à Presidência na eleição do ano passado. A sentença de Moro foi confirmada em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e depois chancelada também pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).