domingo, 16 de junho de 2019

Que modelo de assistência de saúde nós queremos?, FSP

Integração é a chave para a satisfação do paciente

O oftalmologista Claudio Lottenberg, presidente do UnitedHealth Group Brasil - Reinaldo Canato - 27.mai.19/Folhapress
Claudio Lottenberg
Em setembro de 1978, a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários da Organização Mundial da Saúde (OMS), em Almaty, no Cazaquistão, expressava a “necessidade de ação urgente de todos os governos, de todos os que trabalham nos campos da saúde e do desenvolvimento e da comunidade internacional para promover a saúde de todos os povos do mundo”.

Mas o que vimos de lá para cá ainda não traduz nem de perto o desejo da saúde como direito social pautado pela equidade, universalidade e integralidade. Boa parte dessa frustração é causada pela medicina fragmentada, pouco padronizada, com grande variabilidade e concentrada em mecânicas remuneratórias sem foco na qualidade —com pagamentos vinculados a informações de produção e não de desfechos.

Na busca da melhoria e da sustentabilidade do sistema, surge a medicina baseada em valor, defendida por Kaplan, que vem sendo o modelo aceito para o futuro. Nele, ocorre uma integração entre os prestadores, agentes de saúde, financiadores e sistemas de informação, que passam a trabalhar dentro da perspectiva da qualidade, do desfecho e da satisfação do paciente. Ou seja, o tratamento vale pela qualidade que agrega e não pela quantidade de serviços que produz —e cria-se um compromisso, com resultados e desfechos.
Essa mecânica busca eliminar o uso abusivo e o desperdício. Ao integrar processos, incentiva a construção das organizações responsáveis por valor (as ACO, sigla de “Accountable Care Organizations”), que hoje passam de 1.100 só nos EUA e correspondem a um terço dos modelos de pagamento naquele país, com 35 milhões de usuários. Fato é que, para essas organizações existirem, os sistemas e os prestadores têm que se organizar no sentido interno e nas suas inter-relações de forma transparente, na busca pela eficiência e pela efetividade, numa área onde esses quesitos ainda se encontram aquém do necessário.

Uma vez transacionado, o processo como um todo passa a ser remunerado pela qualidade, segurança e satisfação do paciente. Claro que essa migração não é simples e nem sempre de fácil entendimento. Mas é difícil de se acreditar que possamos seguir com um sistema cada vez mais caro, com inflação de custo assistencial na casa dos dois dígitos e desperdícios podendo ultrapassar 30% dos gastos, sem foco em desfechos e cada vez mais inacessível.

Para realizar essa transformação, temos que partir de processos centrados em atenção primária com coordenação do cuidado, parcerias pautadas por práticas assistenciais baseadas em evidências e pagamentos alinhados a incentivos adequados, munidos de uma robusta tecnologia de informação.
O compartilhamento de risco tem que ser incentivado como mecanismo de ganhos mútuos.
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E a transparência entre as partes precisa ser construída em um modelo que incentive a geração de valor na entrega da assistência. É uma verdadeira revolução cultural, que, para ganhar velocidade, deve vir acompanhada do incentivo econômico justo. Fato é que temos que evoluir num país onde o gasto em saúde aproxima-se dos 10% do PIB.

Dentro dessa troca, insere-se uma visão mais ampla não só da assistência, mas do envolvimento e da reorientação do paciente. Para ele, devemos propor um foco maior na prevenção, no cuidado e na saúde —e não só na doença, em uma revisão do modelo “hospitalocêntrico” para a atenção primária. Isso gerará uma otimização de recursos que se opõe ao que hoje mais dispomos num ambiente de alta tecnologia e desperdício, em um círculo social que estimula hábitos pouco saudáveis.

No Brasil, estima-se que tal adoção leve a uma redução de 30% nas internações hospitalares e a uma economia de mais de R$ 1 bilhão só em doenças cardiovasculares. Portanto, não se trata apenas de um debate comercial, mas efetivamente de um desejo de construir um sistema de saúde mais justo e melhor para a população. Alguns imaginam que esse processo se encerre em exaustivas tratativas comerciais; mas, para outros, surge o momento de decidir que assistência nós queremos.
Claudio Lottenberg
Oftalmologista, presidente do UnitedHealth Group Brasil e do Instituto Coalizão Saúde; foi secretário municipal de Saúde de SP (2005, gestão Serra)

Incompetência masculina, FSP

Sem alterar critérios, promoveremos mulheres com os problemas das chefias masculinas

SÃO PAULO
Pôr mais mulheres em cargos de chefia é provavelmente uma excelente ideia, mas não pelas razões normalmente apontadas. O psicólogo Tomas Chamorro-Premuzic (University College London e Columbia) lança valiosas luzes sobre essa questão em “Why Do So Many Incompetent Men Become Leaders?” (por que tantos homens incompetentes se tornam líderes?).
O argumento do livro é simples. Há poucas mulheres em posição de poder porque os critérios que usamos para escolher líderes estão errados. Se os corrigirmos, a proporção de mulheres crescerá rapidamente, e as empresas se tornarão melhores.
 Capa do livro “Why Do So Many Incompetent Men Become Leaders?”, do psicólogo Tomas Chamorro-Premuzic
Capa do livro “Why Do So Many Incompetent Men Become Leaders?”, do psicólogo Tomas Chamorro-Premuzic - Reprodução
A maioria das pessoas não gosta muito de seus chefes diretos. E, segundo o autor, boa parte delas tem razão. Os critérios pelos quais as empresas selecionam suas lideranças são os piores possíveis, levando à promoção indiscriminada de homens com fortes traços de narcisismo e psicopatia, que tornam o ambiente de trabalho tóxico.
O sistema não percebe essa falha porque candidatos narcisistas e psicopatas (categorias em que há notável predomínio masculino) tendem a ser carismáticos e charmosos e saem-se especialmente bem em entrevistas, que são uma das principais ferramentas de recrutamento dos RHs.
Se só criarmos cotas femininas, sem alterar os critérios, nos limitaremos a promover mulheres com os mesmos problemas das chefias masculinas de hoje.
Para o autor, tudo o que organizações precisam fazer é ficar longe do tipo de personalidade que vem sendo favorecido até aqui e buscar líderes entre pessoas com alto grau de inteligência emocional. São as mulheres que se destacam nesse quesito, que comprovadamente promove a cooperação e a produtividade no local de trabalho.
Chamorro-Premuzic procura fundamentar todas as suas afirmações em trabalhos científicos. Embora o foco do livro sejam as empresas, boa parte das reflexões pode ser estendida para o mundo da política.
 
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".