terça-feira, 7 de maio de 2019

Oposição de ciências humanas ao ensino básico é falsa, FSP

Nos últimos dias, o ministro Abraham Weintraub começou um processo de estrangulamento financeiro das universidades, aparentemente motivado pela antipatia política que nutre pelas ciências humanas. Seu principal argumento é dizer que o dinheiro gasto com inutilidades comofilosofia e sociologia seria mais bem empregado no ensino básico.
Logo que tomou posse, Weintraub deixou claro que não faria qualquer tipo de perseguição ideológica e lembrou que foi perseguido pela esquerda na Unifesp, onde lecionava. 
Abraham Weintraub durante entrevista no Ministério da Educação, em Brasília, neste mês
Abraham Weintraub durante entrevista no Ministério da Educação, em Brasília, neste mês - Pedro Ladeira/Folhapress
Duas semanas depois, numa transmissão pelo Facebook, sugeriu que estudava retirar recursos das áreas de filosofia e sociologia, copiando iniciativa desastrosa e logo revista no Japão —sugestão que o presidente Jair Bolsonaro em seguida, pelo Twitter, ampliou para todas as ciências humanas. 
Na semana passada, o ministro anunciou, em uma entrevista, que havia punido com cortes orçamentários três universidades que não tiveram bom “desempenho acadêmico” e fizeram “balbúrdia”, como “sem-terra dentro do campus” e “gente pelada dentro do campus”. 
Tão logo ficou evidente que a medida era ilegal, o ministro transformou a punição a instituições que haviam sediado eventos considerados impróprios em uma punição generalizada a todo o sistema universitário federal. Justificou que não se tratava de corte, mas de contingenciamento. 
Em vídeo postado no Twitter, sugeriu que os recursos das universidades seriam mais bem aproveitados no ensino básico.
A oposição das ciências humanas, que seriam “inúteis”, a atividades que seriam produtivas, como a veterinária, a engenharia e a medicina, é completamente falsa e é um equívoco ainda maior contrapô-las ao ensino fundamental.
O ensino de ciências humanas nas universidades se ocupa predominantemente da formação dos professores da educação fundamental, nas áreas de português e língua estrangeira, geografia, história, filosofia e sociologia, além da formação específica em pedagogia. 
Cerca de 700 mil professores formados em alguma das ciências humanas são responsáveis hoje por educar 27 milhões de brasileiros matriculados na educação fundamental. 
Os cursos de humanas não apenas formaram esses professores em atividade como precisam ainda completar a educação de outros 400 mil que lecionam disciplinas de humanas sem ter formação específica. Precisam, por fim, formar novos professores para substituir esses trabalhadores à medida que se aposentam.
A educação de um contingente profissional chave para o país não parece tarefa inútil e, até onde se vê, não tem qualquer relação com gente pelada nos campi.
Pablo Ortellado
Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

Tempos interessantes, FSP


Klecius Pennafort Caldas viveu tempos interessantes. Interessantes na concepção chinesa: época de agitação, mudanças, dificuldades. Nasceu em 1919, rodeado pelos mortos da gripe espanhola no rastro da Primeira Guerra. Pegou as melindrosas e viu o cinema mudo falar; o estouro da bolsa de Nova York; Hitler e Mussolini; Pearl Habor e a bomba de Hiroshima; o homem na lua.
Assistiu ao muro de Berlim cair, “sepultando o comunismo em todo o mundo, menos na China, talvez o único lugar onde poderia ter dado certo mas não deu, e no Brasil, onde continua sendo uma piada, pois realmente nunca existiu”, escreveu ele num divertido livro de memórias, “Pelas Esquinas do Rio”.
Klecius brincou o corso, estudou no Pedro II (colégio que o governo está condenando ao desaparecimento com o corte de verbas), andou de bonde e conheceu Noel Rosa no ponto dos Cem Réis, em Vila Isabel. Foi íntimo de Francisco Alves, Braguinha, Dircinha e Linda Batista, Blecaute, Geraldo Pereira. 
Coronel do Exército, fez parte do núcleo militar da música brasileira: o mais constante parceiro, Armando Cavalcanti, general; outros dois, Rutinaldo e Luiz Antônio, coronéis. Sua especialidade eram as marchinhas carnavalescas (“Piada de Salão”, “Maria Escandalosa”, “Papai Adão”). E mandava bem no samba-canção: “Somos Dois”, com Dick Farney no gogó, é um luxo só.
Nesta segunda (6), transcorreu o centenário de nascimento do letrista Klecius. Sua sensibilidade e bom humor fazem faltam aos nossos tempos interessantes. 
Eduardo Bolsonaro publicou um tuíte com as seguintes palavras (ou seria melhor dizer caracteres reunidos?): “bainods, rdees soaicis, fkae nwes, diucsrso de óido, baindos, esqreuda”. A reforma da Previdência pode não passar, mas a da língua portuguesa já anda em curso.
Capa de 'Pelas Esquinas do Rio', de Klecius Caldas
Capa de 'Pelas Esquinas do Rio', de Klecius Caldas - Reprodução


Alvaro Costa e Silva
Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".