domingo, 31 de março de 2019

Guedes trava batalha com Sistema S para assumir entidades e seu caixa, FSP

Ministro quer ter ingerência sobre orçamento de R$ 18 bi, o que ajudaria no custeio de políticas públicas

Mariana CarneiroJulio Wiziack
BRASÍLIA
O ministro da Economia, Paulo Guedes, trava uma disputa com líderes das principais entidades do Sistema S para assumir o comando de um orçamento de quase R$ 18 bilhões e poder usar esse dinheiro no custeio de projetos do governo.
No centro desse embate estão a CNI (Confederação Nacional da Indústria), o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e a CNC (Confederação Nacional do Comércio).
Essas entidades administram a rede de Sesi, Senai e Sesc. Para o governo Bolsonaro, além de serem alvo de desvio de recursos, essas instituições vêm sendo usadas para promoção de políticos nos estados. Guedes articula indicações com o objetivo de patrulhar a gestão e o caixa dessas instituições.
O governo pressionou para que, em 25 de abril, o conselho de administração do Sebrae vote a destituição do atual presidente, João Henrique Sousa. Ex-presidente dos Correios, ele chegou ao cargo pelas mãos de Michel Temer e de Robson Andrade, presidente afastado da CNI.
Alvo da Polícia Federal, Robson ficou preso por horas, na Operação Fantoche, que investiga possíveis fraudes em contratos do Ministério do Turismo com entidades do Sistema S, particularmente o Sesi (Serviço Social da Indústria), controlado pela CNI.
Auxiliares de Bolsonaro afirmam que Andrade acomodou outros apadrinhados de Temer e do MDB no Sebrae e no Sesi.
Além disso, CNC e Sebrae trocaram seus dirigentes pouco antes da posse de Bolsonaro, o que desagradou ao governo, que, agora, quer fazer uma faxina geral.
No Sebrae, o governo diz ter 11 dos 15 votos do conselho de administração. Para a destituição, é preciso maioria simples. Essa será a batalha mais relevante, porque o governo considera como pública a verba que abastece o Sebrae.
Diferentemente das demais entidades do Sistema S, o Sebrae não recebe contribuições diretamente. Para financiar seus projetos, conta com repasses das próprias confederações, como CNI e CNC.
Como essa transferência é obrigatória, o governo entende que se trata de um tributo pago pelas entidades. Por isso, quer controlar a gestão desses recursos. O assunto está em discussão no STF (Supremo Tribunal Federal).
O grupo de João Henrique também controla a CNC, presidida por José Roberto Tadros, que assumiu o posto em junho do ano passado.
A eleição foi contestada na Justiça, mas o pedido de anulação não prosperou.
Agora, Guedes conta com o TCU (Tribunal de Contas da União), que julgará um pedido da Fecomércio do Distrito Federal para anular o resultado da eleição. O argumento é que integrantes da chapa vencedora respondem a processos criminais e, como dirigentes, tiveram contas reprovadas pelo TCU. Segundo a Fecomercio, isso impediria até a formação da chapa pelo estatuto da CNC.
Na CNI, a desavença de Guedes com Robson Andrade se tornou pessoal após a derrota do ministro na eleição do Sebrae, em novembro. Como Bolsonaro já estava eleito, Guedes acreditava que era prerrogativa do atual governo indicar o presidente da entidade. Foi derrotado pelo grupo de Temer e Robson.
Para contornar, Guedes emplacou Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira na presidência do conselho nacional do Sesi. Desde então, está em curso uma auditoria nos contratos.
Na terça-feira (26), Eugênio e Carlos da Costa, secretário especial de Guedes com assento no conselho, tentaram vetar contas do Sesi em seis estados, mas foram vencidos.
A ideia de Guedes ao aparelhar o comando das entidades é usar seu dinheiro para financiar projetos do governo no momento em que não há recursos para políticas públicas.
Paulo Guedes, Ministro da Economia, participa de audiência na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos), do Senado, em março de 2019 - REUTERS
Para isso, a equipe econômica finaliza a reformulação das regras de contribuições para o Sistema S. Pela proposta, as entidades que se alinharem assinarão contratos de gestão com o governo e terão uma lista de projetos a serem bancados. Por isso, sofrerão um corte menor, em torno de 30%. As entidades que não se alinharem sofrerão um corte de 50% em suas receitas.
Um dos projetos desse cardápio do governo virá do Ministério de Cidadania. O ministro Osmar Terra quer incluir os jovens entre 18 e 29 anos no Bolsa Família. Conhecidos como os “nem nem” (que não estudam nem trabalham), esse grupo receberá R$ 48 por mês para treinamentos profissionalizantes, jogando o custo do programa para cerca de R$ 4 bilhões por ano —dinheiro que viria do Sistema S.
Em nota, o Ministério da Economia negou o aparelhamento das entidades. “De acordo com os estatutos, o governo federal tem assentos garantidos nos conselhos.”
A assessoria da CNC informou que a eleição para a presidência seguiu as regras previstas no estatuto, tanto que ações judiciais que questionaram o pleito foram extintas.
A entidade disse que estará à disposição do governo quando houver uma proposta em relação aos contratos de gestão. “[a proposta] Será tratada com diálogo e transparência na busca da eficiência e [do] aprimoramento.”
CNI e Sebrae não quiseram se pronunciar.

Não vai mudar, Vera Magalhaẽs OESP

Vera Magalhães, O Estado de S.Paulo
31 de março de 2019 | 06h53
“Ele não vai mudar.” Sem nuances, este foi o diagnóstico que colhi na minha ida a Brasília na última semana, relativo a Jair Bolsonaro, feito com a mesma convicção por ministros, assessores do presidente e parlamentares. 
Havia uma expectativa, durante a campanha e ainda depois das eleições, de que a Presidência trataria de conferir certa noção de institucionalidade a Bolsonaro, cuja trajetória sempre foi de “outsider" nas corporações (Exército, Congresso, partidos) às quais pertenceu. 
Não vai acontecer, e o entorno já começa a encontrar formas de se adaptar a isso – em alguns casos, alienando o presidente de discussões importantes de seu governo.
As análises segundo as quais Bolsonaro moldaria suas declarações, ideias e ações aos limites do cargo foram classificadas pelos seus opositores mais radicais como tentativas de setores da imprensa, da sociedade e do eleitorado de “normalizá-lo”. 
É um dilema de difícil resolução. Nos Estados Unidos, já se vão quase três anos de Presidência de Donald Trump, e ele e a imprensa seguem numa relação para lá de conflituosa. Mas o caminho de expor as inverdades e de confrontar os insultos do presidente tem sido adotado com mais convicção por veículos antes perplexos com sua retórica incendiária.
O aprendizado americano serve para o Brasil. Quando um presidente eleito democraticamente insiste até hoje em questionar o sistema de urnas eletrônicas, investe contra a imprensa propagando fake news nas redes sociais e propõe a comemoração, no dia de hoje, de um golpe militar que instituiu uma ditadura, querendo rever e debochar da História, a imprensa tem se imbuído de seu papel de expor, checar, propor o contraditório e criticar essas práticas.
Para Bolsonaro, esse exercício equivale a questionar a legitimidade de sua eleição. Para os opositores mais radicalizados, a imprensa pecou justamente ao não fazê-lo. Eis um dos muitos exemplos de como a polarização política doentia na qual o Brasil mergulha a cada dia apenas interdita o debate.
Bolsonaro foi eleito legitimamente. Negar isso abre as comportas para que ele próprio arreganhe seus pendores autoritários e dê asas à ala de seu governo que flerta com saídas nada democráticas para o Supremo, a imprensa e o Congresso. Não é por aí.
Fora da imprensa, em setores do próprio governo, do Parlamento e do empresariado que se veem diante do desafio de lidar com um presidente avesso a qualquer institucionalidade, no entanto, as formas de fazê-lo são diferentes das da mídia: já surgem arranjos, como o ensaiado por Paulo Guedes e Rodrigo Maia, em que Bolsonaro é deixado de lado, como café com leite, enquanto os adultos cuidam dos temas importantes, como a reforma da Previdência.
De novo, a gritaria nos extremos. O “bolsonarismo sem Bolsonaro” desagrada tanto a opositores, como manifestou o ex-deputado Aldo Rebelo em entrevista na semana passada, quanto aos seguidores fiéis do “mito”, como vociferam os filhos, que enxergam tentativa de golpear o pai a cada esquina.
Apoiadores de Bolsonaro, preocupados com a sua queda de popularidade, elaboraram um gráfico com três esferas com fotos dele: uma como presidente, com a faixa; outra do “mito”, em que aparece chutando um Pixuleco de Lula, e a terceira do “homem”, com uma lata de leite condensado na mesa do café. O ruído excessivo que gerou as crises desses três meses estaria na intersecção das três figuras. 
Bom diagnóstico. Mas, como cravam os próprios circunstantes, isso não vai mudar. Cabe aos atores do debate público encontrar meios de lidar com Bolsonaro sem achar que o “novo normal” são seus ataques às instituições, mas reconhecendo que seu governo é legítimo e assim deve ser encarado. Vamos nessa.