Vera Magalhães, O Estado de S.Paulo
31 de março de 2019 | 06h53
“Ele não vai mudar.” Sem nuances, este foi o diagnóstico que colhi na minha ida a Brasília na última semana, relativo a Jair Bolsonaro, feito com a mesma convicção por ministros, assessores do presidente e parlamentares.
Havia uma expectativa, durante a campanha e ainda depois das eleições, de que a Presidência trataria de conferir certa noção de institucionalidade a Bolsonaro, cuja trajetória sempre foi de “outsider" nas corporações (Exército, Congresso, partidos) às quais pertenceu.
Não vai acontecer, e o entorno já começa a encontrar formas de se adaptar a isso – em alguns casos, alienando o presidente de discussões importantes de seu governo.
As análises segundo as quais Bolsonaro moldaria suas declarações, ideias e ações aos limites do cargo foram classificadas pelos seus opositores mais radicais como tentativas de setores da imprensa, da sociedade e do eleitorado de “normalizá-lo”.
É um dilema de difícil resolução. Nos Estados Unidos, já se vão quase três anos de Presidência de Donald Trump, e ele e a imprensa seguem numa relação para lá de conflituosa. Mas o caminho de expor as inverdades e de confrontar os insultos do presidente tem sido adotado com mais convicção por veículos antes perplexos com sua retórica incendiária.
O aprendizado americano serve para o Brasil. Quando um presidente eleito democraticamente insiste até hoje em questionar o sistema de urnas eletrônicas, investe contra a imprensa propagando fake news nas redes sociais e propõe a comemoração, no dia de hoje, de um golpe militar que instituiu uma ditadura, querendo rever e debochar da História, a imprensa tem se imbuído de seu papel de expor, checar, propor o contraditório e criticar essas práticas.
Para Bolsonaro, esse exercício equivale a questionar a legitimidade de sua eleição. Para os opositores mais radicalizados, a imprensa pecou justamente ao não fazê-lo. Eis um dos muitos exemplos de como a polarização política doentia na qual o Brasil mergulha a cada dia apenas interdita o debate.
Bolsonaro foi eleito legitimamente. Negar isso abre as comportas para que ele próprio arreganhe seus pendores autoritários e dê asas à ala de seu governo que flerta com saídas nada democráticas para o Supremo, a imprensa e o Congresso. Não é por aí.
Fora da imprensa, em setores do próprio governo, do Parlamento e do empresariado que se veem diante do desafio de lidar com um presidente avesso a qualquer institucionalidade, no entanto, as formas de fazê-lo são diferentes das da mídia: já surgem arranjos, como o ensaiado por Paulo Guedes e Rodrigo Maia, em que Bolsonaro é deixado de lado, como café com leite, enquanto os adultos cuidam dos temas importantes, como a reforma da Previdência.
De novo, a gritaria nos extremos. O “bolsonarismo sem Bolsonaro” desagrada tanto a opositores, como manifestou o ex-deputado Aldo Rebelo em entrevista na semana passada, quanto aos seguidores fiéis do “mito”, como vociferam os filhos, que enxergam tentativa de golpear o pai a cada esquina.
Apoiadores de Bolsonaro, preocupados com a sua queda de popularidade, elaboraram um gráfico com três esferas com fotos dele: uma como presidente, com a faixa; outra do “mito”, em que aparece chutando um Pixuleco de Lula, e a terceira do “homem”, com uma lata de leite condensado na mesa do café. O ruído excessivo que gerou as crises desses três meses estaria na intersecção das três figuras.
Bom diagnóstico. Mas, como cravam os próprios circunstantes, isso não vai mudar. Cabe aos atores do debate público encontrar meios de lidar com Bolsonaro sem achar que o “novo normal” são seus ataques às instituições, mas reconhecendo que seu governo é legítimo e assim deve ser encarado. Vamos nessa.
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