terça-feira, 26 de março de 2019

OPINIÃO RAUL CUTAIT Telemedicina a favor do paciente, FSP


Raul Cutait
Acertou o Conselho Federal de Medicina (CFM) não só ao propor a regulamentação da telemedicinano Brasil, mas também por ter tido a sensibilidade de suspendê-la e permitir a consulta pública, uma vez que o tema merece ser mais bem discutido pela comunidade médica.

É preciso entender que a telemedicina nada mais é do que o emprego de novas tecnologias digitais que facilitam a comunicação à distância dos profissionais de saúde entre si e com seus pacientes, em especial em assistência, pesquisa e educação.

Seguramente, ninguém discute o impacto positivo de quaisquer tecnologias em prol de atividades educacionais e de pesquisa, precisando ficar mais claro, tanto para a comunidade da saúde quanto para a sociedade, como a telemedicina pode beneficiar a assistência aos pacientes.

Uma das áreas de atuação, já bastante difundida e largamente incorporada à rotina de várias instituições, é a emissão de laudos à distância de exames gráficos, anatomopatológicos, radiológicos e dermatológicos, o que pode assegurar diagnósticos mais precisos, desde que haja o devido direcionamento dos exames para especialistas.

Outra aérea de grande potencial é a do telemonitoramento de exames invasivos e cirurgias, mormente em situações de urgência, em que uma opinião externa pode ajudar na tomada de decisões diagnósticas e terapêuticas. Telecirurgias, com o cirurgião operando à distância, são factíveis, mas de alcance limitado, pois requerem equipamentos sofisticados e caros em ambas as pontas.

Na verdade, o campo no qual o emprego das novas ferramentas digitais mais pode ser difundido é o da teleconsulta.

É consensual para a classe médica, diria que até mesmo dogmático, que a primeira consulta deve ser sempre presencial, aliás como também dispõe a proposta do CFM, uma vez que é nela que se inicia a fundamental e sagrada relação médico-paciente e na qual se integram aspectos técnicos, sociais e emocionais, assim como se estabelecem os alicerces do alinhamento de expectativas, tanto para o paciente quanto para o médico.

São exceções aceitáveis apenas aquelas em que o encontro presencial não é factível pela inexistência local de médico generalista ou especialista. Já o seguimento clínico do paciente e a discussão de resultados de exames podem muitas vezes ser realizados de forma não presencial, evitando deslocamentos desnecessários e agilizando o atendimento, além de evitar dispêndio de tempo, tanto para os pacientes quanto para os médicos (algo que se faz há décadas por meio de contatos telefônicos). Evidentemente, para tanto é necessária a anuência do paciente, que tem o direito de preferir o seguimento presencial.

Na minha opinião, essa prática não afasta os médicos de seus pacientes; pelo contrário, intensifica pela maior facilidade de interação. Outra situação de grande alcance diz respeito às consultas de segunda opinião por e-mail e, em especial, por teleconferência, envolvendo especialistas de outros locais, até mesmo do exterior.

Finalmente, alguns aspectos complementares devem ser considerados. Assim, é fundamental que se mantenha o direito do paciente à privacidade de suas informações e que estas, quando por atendimento não presencial, sejam registradas nos prontuários dos pacientes, à semelhança do que se faz em consultas presenciais.

Por outro lado, cabe aos nossos juristas definir como proteger pacientes e profissionais de saúde em situações de atendimento à distância. Outro ponto a contemplar é o da remuneração dos profissionais de saúde nos atendimentos não presenciais, uma vez que existe o receio de as fontes pagadoras não valorizarem as consultas não presenciais.

Em conclusão, é incontestável que as novas tecnologias, atuais e futuras, inclusive com a incorporação da inteligência artificial, podem, de fato, beneficiar o atendimento dos pacientes em geral, e as faculdades de medicina têm obrigação de incluir esse tema em seus currículos e ensinar seus alunos a empregar quaisquer tecnologias de forma sapiente e ética.
Raul Cutait
Professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP, membro da Academia Nacional de Medicina e presidente do Conselho Superior de Responsabilidade Social da Fiesp
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    Bolsonaro termina o mandato?, FSP

    Presidente já fez mais do que a oposição para detonar a proposta de Paulo Guedes

    O presidente da República, Jair Bolsonaro, durante cerimônia de assinatura de contratos de concessão de transmissão de energia, no Palácio do Planalto
    O presidente da República, Jair Bolsonaro, durante cerimônia de assinatura de contratos de concessão de transmissão de energia, no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira/Folhapress
    Precisamos considerar a possibilidade de Jair Bolsonaro não terminar o seu mandato. Não torço para que isso aconteça. O cenário mais verossímil para uma eventual saída requer uma forte piora da situação econômica, e a última coisa de que o país precisa é um novo mergulho recessivo. O mito, porém, dá a nítida impressão de que faz tudo a seu alcance para sabotar a si mesmo.
    A equação geral do governo Bolsonaro era relativamente simples. Se fizesse uma reforma da Previdência razoável, haveria condições para uma retomada mais consistente do crescimento, com a volta de investimentos privados e aumento da arrecadação. E, quando o país está crescendo, fica menos difícil discutir e aprovar outras reformas potencialmente polêmicas, como a tributária. Poderia ser o início de um círculo virtuoso.
    O que vimos nestes quase três meses de administração, entretanto, foi que o presidente fez mais do que a oposição para detonar a proposta de seu ministro da Economia. Primeiro ele sugeriu que a idade mínima de 62 anos para as mulheres era excessiva, depois, ao conceder uma generosa reestruturação de carreira para os militares, destruiu o discurso de que a reforma cortaria privilégios. 
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    O chamado mercado, que, por alguma razão obscura, julgara que Bolsonaro era confiável para tocar uma agenda liberal, vai se dando conta de que as coisas podem não ser tão simples. Se a percepção de que a reforma não virá se consolidar, o dólar dispara, os juros sobem etc., nos lançando num cenário em que a defenestração de Bolsonaro se torna uma variável a considerar. O vice Hamilton Mourão está há meses se contendo, posando de razoável e confiável.

    Sem PT no poder, direita briga e ameaça instituições, MAG, FSP

    Marcos Augusto Gonçalves
    Na ausência do PT no Planalto para ser malhado e unificar o campo conservador, a direita, em suas diversas matizes, briga entre si. O tiroteio compromete as instituições e o andamento da pauta no Legislativo.
    No campo governista, os enfrentamentos são múltiplos. Populistas circenses da seita olavista brigam com os generais. O núcleo familiar se estranha com várias frentes. O PSL é uma desarmonia só.
    No campo institucional, o STF, o ministro Moro, a Lava Jato e o presidente da Câmara duelam à luz do sol, pondo em risco o que resta de estabilidade do país.
    A prisão intempestiva do ex-presidente Temer e de seu ex-ministro Moreira Franco (do qual a mulher de Maia é enteada) se inscreve nesse contexto perigoso de litígios. Como já havia alertado o colunistaVinicius Torres Freire, o poder está em guerras.
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