terça-feira, 5 de março de 2019

Acidente da Vale é uma história a ser contada, Horacio Lafer Piva,FSP

Pedir a cabeça do presidente é escolher culpado

Horacio Lafer Piva
Parte da diretoria da Vale acaba de ser informada pelo Conselho de Administração quanto à recomendação do Ministério Público, com atuação das polícias federal e civil, para seu afastamento imediato. Sábado seu presidente, Fabio Schvartsman, divulgou uma carta na qual apresentou seu pedido de afastamento temporário, e que espero de fato o seja.
Convivi com Fabio por seis anos, diariamente, e não tenho dúvidas em emprestar minha referência pessoal na defesa de um profissional de extraordinário caráter, padrão ético e capacidade profissional.
Meu coração, assim como de todos os brasileiros, está entregue às famílias enlutadas e ao meio ambiente destruído, mas isso não impede que não se possa fazer escolhas, a bem do que temos à frente. Um dos mortos foi um amigo pessoal.
Fabio e esta diretoria têm tido um empenho raro e invejável, que por outras razões acompanho de perto e de forma mais que atenta. Não posso imaginar equipe melhor para enfrentar estes momentos, não só por suas qualidades intrínsecas, mas igualmente pelas emoções que carregam na proximidade do acidente, estando, portanto, com um grau de dedicação e olhar amplo maior que qualquer outro novo grupo.
O Brasil tende a responder muitas questões com o fígado. Temos tido exemplos de linchamentos morais injustificáveis. É claro que culpados devem ser expostos, que o excesso de tolerância e impunidade nos asfixia, mas existe a Justiça, a investigação, a determinação de culpabilidade pela razão. Está mais do que na hora de em casos de dúvidas substituir possibilidades por certezas, opinião por precisão.
O acidente da Vale é uma história a ser contada, e não determinada. Pedir a cabeça de seu presidente, que não foi quem comprou a barragem, não a utilizou, e está no cargo faz dois anos, é sim aplacar com a medida um desejo compreensível de parte da sociedade, mas também é escolher um culpado, e ainda tirar sua permissão de fazer o que for possível neste momento.
Conheço sua atenção quantos aos riscos de uma companhia, e sei o quanto ele lida bem com crises. Perderá a Vale, perderão seus milhares de funcionários, muitos dos quais o apoiam, perderá a sociedade brasileira. E não me venham com acusações de escolher mercado, pessoas e a empresa antes do acidente e suas vítimas, quando o que propugno são a conduta e soluções na medida do que é possível diante de tal tragédia.
Ser dirigente da Vale neste momento, e isto vale também para o Conselho, não é prêmio, é carga, missão e encargo, e dos mais dramáticos deste país.
Não há razão, há política. Não há que esmorecer na busca do que aconteceu, por que e por quem, mas dentro de alguma racionalidade. A empresa tem agido com responsabilidade e sensibilidade, e tal atitude emana de seu Conselho, que deve manter seus brios, e seu presidente-executivo, que ao contrário de outras épocas, pessoalmente se apresenta e lidera a crise. Deixem essa turma, que sente e sabe, responsável por ajudar no que há de ser feito.
Podemos e devemos discutir a atividade, os controles, as culpas, o sistema. Mas agora, pelas famílias, Minas Gerais, seus entornos e o Brasil, permitam a essa turma trabalhar.
Horacio Lafer Piva
Ex-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), é membro do conselho da Klabin.

A imprensa malvada, FSP

O discurso fanatizado inverteu o teor ideológico, mas mantém a mesma estrutura de revolta adolescente

Discutir o governo Bolsonaro nas redes sociais tem sido instrutivo. Há, claro, apoiadores do governo dispostos a argumentar com razão e serenidade. Mas o que mais chama a atenção é a torrente ininterrupta de ódio dirigida a quem ousa divergir do governo. Um dos ataques que mais vejo direcionados a mim é que sou "da imprensa", e "nós" não toleramos a perda da hegemonia desde que Bolsonaro venceu.
Isso me lembrou das discussões dos tempos de colégio, em que "a mídia" também era a vilã suprema. A questão é que lá, no início dos anos 2000, ela era vista como sendo de direita, promotora do neoliberalismo e da publicidade capitalista. O discurso fanatizado de hoje inverteu o teor ideológico, mas mantém a mesma estrutura de revolta adolescente.
Parte da exposição, em cartaz no Unibes Cultural, '50 Anos da Mída no Brasil'
Exposição "50 Anos da Mída no Brasil", no Unibes Cultural - 30.out.18/Divulgação
Duas coisas me chamam a atenção nessa revolta contra a imprensa. A primeira é o coletivismo. Escrevo colunas de opinião, faço comentários políticos no rádio; estou, portanto, na imprensa. Mas sou só uma voz em meio a muitas outras, não raro discordantes. Não há sentido em incluir a mim, os demais colunistas de jornal, os jornalistas e funcionários das redações, os diferentes jornais, os âncoras de TV e os atores de novela num mesmo "a imprensa", organizada para um mesmo fim.
A segunda é a amnésia histórica. Na narrativa anti-imprensa, até as eleições do ano passado a imprensa reinava inconteste, monopolista das informações e das opiniões, fazendo e desfazendo presidentes a seu bel-prazer e promovendo a esquerda. Isso é simplesmente falso. Basta lembrar que os blogs do petismo já viam a imprensa como inimiga. O "Partido da Imprensa Golpista" deles cumpria o mesmo papel que o termo "extrema imprensa" cumpre hoje no discurso da direita radical pró-governo.
Os diversos órgãos de imprensa que compõem a grande mídia no Brasil jamais foram uniformemente de esquerda. No passado recente, podemos citar a campanha quase aberta contra Dilma da revista Veja. A própria Folha era acusada de ser contra a gestão de Fernando Haddad. E não custa lembrar o esforço das organizações Globo para derrubar Michel Temer. Nesse caso, malsucedido. A mídia não é, nem nunca foi, onipotente.
A internet (com sites independentes e blogs) e as redes sociais democratizaram a informação. Um resultado foi o aumento na variedade de opiniões, análises e pontos de vista. Isso é um grande ganho. Também temos acesso quase imediato a fatos do mundo todo.
Por outro lado, algumas ilusões foram desfeitas. O argumento era que as empresas de mídia tinham interesses que podiam interferir na informação. E têm mesmo. Descobrimos, contudo, que grupos amadores e militantes têm os mesmos interesses; eles apenas carecem de profissionalismo. A manipulação, o erro crasso e mesmo a mentira se tornaram mais --e não menos-- comuns com as redes sociais. A geração de informação se pulverizou e a qualidade média caiu.
"A mídia" tem uma série de defeitos. Criticá-los e corrigi-los é de interesse da sociedade. Mas os que investem numa cruzada contra o jornalismo profissional não querem informação mais objetiva e imparcial; querem que toda a informação esteja a serviço de seu projeto de poder. Para isso, se utilizam do discurso fácil --contra a mídia e contra a política-- que sempre imperou no senso comum. Não são os vícios e sim as virtudes da imprensa o que eles querem destruir. 
Joel Pinheiro da Fonseca