terça-feira, 23 de outubro de 2018

Brasil vira um deserto de líderes políticos, Clovis Rossi , FSP

Urnas promovem arrastão que só deixou Bolsonaro de pé

O arrastão que as urnas promoveram no mundo político transformou o Brasil em um deserto de líderes como nunca se viu.
Até mesmo na ditadura, com as sucessivas ondas de cassações de mandatos e suspensões de direitos políticos, sobreviveram figuras como Tancredo Neves e Ulysses Guimarães, aos quais se somariam os que fariam a história do período democrático.
Mesmo em um regime dominado pelos militares, civis pró-ditadura tinham um certo peso eleitoral, como Antônio Carlos Magalhães e Paulo Maluf.
Simpatizante do candidato Jair Bolsonaro durante manifestação no Rio de Janeiro - Carl de Souza - 21.out.18/AFP
Agora, a versão brasileira do argentino ”que se vayan todos" fez com que quase todos de fatos se esfarelassem. Sobrou, se as urnas confirmaram as pesquisas, Jair Bolsonaro.
Mas a durabilidade desse tipo de líder vai depender de qual elemento terá sido predominante para sua vitória. Se foi o antipetismo, sua missão estará cumprida já no dia 28 e tornar-se-á descartável. Para evitar o esvaziamento, terá que entregar realizações, em especial em duas áreas complexas, como o são o crescimento econômico (com consequente redução do desemprego) e controle da violência.
Se, no entanto, o componente principal tiver sido o recorrente pendor do brasileiro (e do latino-americano em geral) de procurar salvadores da pátria, homens do destino e que tais, aí pode ser que surja mais um caudilho a engrossar a lista.
Nesse caso, a paciência do público tende a ser mais duradoura. O habitual é que boa parte do público se entregue o destino a um líder, e se recolha à casa, à espera de que ele faça o que se espera. Só mais adiante, se não houver a entrega esperada, o pessoal volta à rua, para reclamar, ou às urnas, para destronar o presidente de turno.
O problema, para Bolsonaro, é que ele não parece ter as fortalezas que fizeram de outros caudilhos militares fenômenos duradouros. Penso, por exemplo, no argentino Juan Domingo Perón e no venezuelano Hugo Chávez.
Chávez já era tenente-coronel em 1992, quando tentou o golpe que foi a catapulta que o levou à fama, mesmo depois do fracasso e da prisão. Bolsonaro não passou de capitão.
Perón, aos 35 anos, já era membro do Estado-Maior do Exército e professor de História Militar na Escola Superior de Guerra. Bolsonaro não passou nem perto de algo parecido.
Sua estatura, portanto, se dá mais pelo vazio em torno dele do que por suas eventuais qualidades.
Resumo do deserto, partido por partido, entre os principais.
PT - Deixou de ser um partido para se transformar em uma seita dos adoradores de Lula. Ele está preso, fará 73 anos na véspera do segundo turno e há mais perspectivas de que sofra outra condenação do que de ser libertado.
Ou o PT se reorienta ou corre o risco de repetir a seita ”Templo dos Povos", cujo líder, Jim Jones, conduziu seus seguidos ao suicídio coletivo em 1978.
Não adianta dizer que Fernando Haddad foi pelo menos ao segundo turno e, portanto, é um líder ascendente. Quando seu coordenador de campanha (Jacques Wagner) diz que Ciro Gomes seria melhor candidato que Haddad, está dando nele o beijo da morte.
Restam, claro, o próprio Wagner e governadores nordestinos reeleitos. Mas é preciso lembrar que o Nordeste reúne apenas um quarto dos eleitores e não tem peso político nacional realmente relevante. Tanto que todos os presidentes pós-redemocratização tinham base política no Sudeste, com exceção de José Sarney, presidente por acaso. Fernando Collor, embora governador de Alagoas, à época, ganhou como ”novidade", embora falsa como logo se veria.
PSDB - Acabaram Geraldo Alckmin, Aécio Neves e José Serra. Sobra, se ganhar, João Doria, mas esse não tem nada a ver com o PSDB raiz. Transformará o partido em sublegenda do bolsonarismo.
Por isso, precisará de muita coragem para opor-se à candidatura à reeleição de Bolsonaro, se quiser continuar com sua obsessão de ser candidato à Presidência. Não parece ser o tipo de político com estofo para topar um desafio como esse.
MDB - Sempre foi uma confederação de caciques regionais. Boa parte deles foi derrotada. A rejeição a Michel Temer ajuda a cravar o último prego no caixão do partido, pelo menos em termos de ambições presidenciais e de peso político.
PDT - Ciro Gomes perdeu três eleições presidenciais. Os ”ciristas” mais fiéis dirão que Lula também perdeu três, mas ressuscitou na quarta. Mas Ciro demonstrou, neste como nos pleitos anteriores, que seu teto é baixo, bem mais baixo do que o de Lula.
Rede - Marina Silva teve menos votos do que Cabo Daciolo. Nada a acrescentar.
O Brasil passa, portanto, da mediocridade de seu mundo político para o deserto. Os otimistas dirão que há ausências que preenchem uma lacuna. Sobraram otimistas nestes tempos sombrios?
Clóvis Rossi
Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

Filme freak, FSP

Ministros do TSE parecem habitar outro planeta

O mapeamento do Datafolha é espantoso: só 15% dos eleitores de Fernando Haddad e 12% dos de Jair Bolsonaro votam pensando nas propostas e nos planos de governo dos candidatos. É a tradução em percentuais de uma frase que se ouve com frequência nas ruas: “Se o presidente não der certo, a gente tira ele”.
Ninguém mais espera ou deseja um projeto para o país. Daí a perda de “aderência com o real”, para usar a expressão do poeta Marcos Siscar, que permite a aceitação e também a proliferação em larga escala das fake news que transformaram a campanha eleitoral de 2018 num filme freak. Exibido nas barbas do TSE, cujos ministros parecem habitar outro planeta e se mover em câmera lenta.
Como na cultura do futebol, o que vale é ganhar a qualquer custo: com gol de mão, depois do tempo regulamentar, em lance de impedimento. Na lei das arquibancadas, roubado (ou fraudado) é mais gostoso.
Caso contrário, reage-se como torcida organizada. Foi assim após a reportagem de Patrícia Campos Mello na Folha, que revelou a compra por empresários de pacotes de disparos de mensagens no WhatsApp favorecendo Bolsonaro na reta final do primeiro turno. Imediatamente Patrícia passou a alvo de assédio direcionado em massa, ofensas e ameaças nas redes sociais.
Alguns dos mais leves ataques a jornalistas lembram cafajestadas de adultos que não saíram da adolescência: “Chora mais, você vai perder a boquinha, a mamata”. Outros desejam, como pior destino possível, que você seja obrigado a mudar de profissão para sobreviver nos tempos de pós-verdade. “Se prepare para trabalhar na Uber”, avisam.
No meu caso, é uma impossibilidade. Nada contra quem ganha o sustento como motorista de aplicativo. A realidade é mais prosaica: nunca aprendi a dirigir. E não quero —como outros estão fazendo— pôr a vida das pessoas em risco. 
 
Alvaro Costa e Silva
Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".
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