sábado, 20 de outubro de 2018

Baixo nível à paulista, Opinião FSP

João Doria e Márcio França substituem o debate programático pela troca de impropérios

Márcio França (PSB) e João Doria (PSDB) durante debate na Band, em São Paulo
Márcio França (PSB) e João Doria (PSDB) durante debate na Band, em São Paulo - Fotos Eduardo Anizelli/Folhapress
 
Se a campanha no segundo turno da eleição para presidente se desenrola sem debate entre os adversários, no estado de São Paulo os confrontos entre João Doria (PSDB) e Márcio França (PSB) se mostram constrangedores.
Em lugar de teses e planos destinados a melhorar a vida dos paulistas, ouvem-se impropérios e acusações. Traidor, ardiloso, aproveitador, esquerdista —eis alguns dos termos que substituíram argumentos, dados e propostas.
Doria está na dianteira das intenções de voto colhidas em pesquisa Datafolha realizada nos dias 17 e 18. O ex-prefeito de São Paulo marca 53% das preferências, pelo critério equivalente a votos válidos (excluídos brancos, nulos e indecisos); no cômputo geral, tem 44%.
França aparece seis pontos percentuais atrás, com 47% no primeiro critério e 40% no segundo.
A desvantagem do candidato à reeleição —França assumiu o governo estadual quando o tucano Geraldo Alckmin saiu candidato ao Planalto— está fora da margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos, mas não basta para assinalar com folga favoritismo do oponente.
A liderança numérica assumida por Doria parece associada à estratégia oportunista de engatar sua imagem à do presidenciável JairBolsonaro (PSL). O ex-prefeito conta com o apoio de 77% dos simpatizantes do PSL.
Como o antipetismo tornou-se fator determinante no cenário eleitoral deste ano, França se vê encurralado numa posição defensiva. Repete no debate e na propaganda que não favorece o PT, mas aparece na pesquisa Datafolha como o preferido de 76% dos que votam no partido do candidato à Presidência Fernando Haddad.
Doria e França, em verdade, disputam o espólio minguante do tucanato em São Paulo, após a aniquilação de Alckmin no primeiro turno da disputa nacional.
ex-governador, figura dominante em mais de duas décadas de administrações do partido, foi o responsável por lançar Doria na política. O pupilo, entretanto, desvinculou-se do padrinho para se lançar ao Palácio dos Bandeirantes.
Bloqueou, assim, o suporte da máquina partidária ao que seria a candidatura “natural” do vice França —daí ser acusado de traição.
Doria martela sempre que pode a condição de “esquerdista” atribuída a França, em manobra que deve dar engulhos a líderes social-democratas históricos. Não espanta que surjam rumores de que o candidato pode deixar a agremiação.
Um partido que liderou a derrota do monstro inflacionário e governou o país por oito anos com um projeto de modernização e abertura parece esvair-se em seu próprio berço e reduto. O bate-bocasem propostas oferece a imagem acabada de sua decadência.

O que será será, Fernando Gabeira, OESP

O que será do nosso país? 
Muita gente me pergunta isto, nas ruas e nos aeroportos. Respondo que penso no tema todos os dias e um bom pedaço das noites. Mas não cheguei a uma conclusão que pudesse ser transmitida num diálogo telegráfico. Tudo o que consigo dizer ainda não transcende a sabedoria de um escoteiro: estar alerta.
Não temo pela sobrevivência da democracia brasileira, mas pelos arranhões e pancadas que pode levar no caminho. É um perigo que ronda a democracia em quase todos os lugares onde ela existe.
Acabamos de sair do primeiro processo de eleições disputado principalmente no território virtual das redes. Talvez seja mais reveladora do Brasil que as outras, marcadas por comícios, propaganda na TV e reuniões domésticas. Muita gente participou, compartilhando opiniões.
O processo tem alguns perigos, que já rondaram as eleições presidenciais norte-americanas. O principal deles são as fake news, cada vez mais intensas.
Fake news sempre existiram. No passado as chamávamos de boatos. Na década dos 70 o escritor alemão Hans Magnus Enzensberger escreveu um livro de ensaios com o título Política e Crime. Um dos mais interessantes capítulos é dedicado aos boatos e sua capacidade destruidora em certos momentos políticos. A diferença essencial é que o boato hoje não só circula entre milhões de pessoas, mas o faz numa rapidez incomparável com outras fases históricas.
As fake news não seriam tão assustadoras para mim se houvesse uma vontade genuína de filtrá-las. O perigo apresenta-se no fato de que para muitas pessoas a distinção entre fake news e realidade não interessa mais. E essa indiferença diante de boatos espalhados por máquinas eficazes acaba sendo uma porta aberta para o totalitarismo.
Tanto no Brasil como nos Estados Unidos, um presidente não escreve o destino do país como se estivesse diante de uma folha em branco. Há instituições, às vezes precárias, é verdade, mas representam um contraponto ao poder.
Conheço as posições de Bolsonaro e seus aliados em relação ao meio ambiente. Será um osso duro de roer. Mas, ainda assim, creio que há um horizonte para o movimento ambiental. Na minha opinião, ele terá de rever suas alianças preferenciais. Foi mais fácil buscar a esquerda, sempre aberta para absorver lutas contra o sistema.
No entanto, a ciência, a grande aliada estratégica, foi subestimada. O verdadeiro encontro a ser buscado é o da ecologia com a ciência. Não importa a resistência que as ideias encontrem. Apoiadas numa lógica científica têm chance maior de se expandir na sociedade.
Marina teve uma votação muito pequena. No dia seguinte à apuração, dois economistas ganharam o Nobel com trabalhos sobre o desenvolvimento sustentável. O tema continua importante, sobretudo no mundo. A votação de Marina não expressa a irrelevância ambiental na cabeça dos eleitores brasileiros.
O momento histórico, as circunstâncias tornaram a luta contra a corrupção sistemática e a insegurança nas cidades o que realmente importava agora. No campo da segurança pública, outro osso duro de roer. Não só Bolsonaro, mas também parte de seus eleitores, aposta na posse de armas. Vejo isso de uma forma diferente, mas não tão contraditória.
Jair Bolsonaro disse no Rio que gostaria de ver a segurança funcionando como há 50 anos. É compreensível a nostalgia das ruas tranquilas. No entanto, o esforço é fazê-lo olhar para a frente, se não 50, ao menos alguns anos adiante.
As experiências que fortalecem a minha tese estão aí: a tecnologia e a ciência também são aliadas da segurança pública. No Piauí, um aplicativo trouxe mais segurança às mulheres ameaçadas. No momento em que escrevo, estou partindo para a cidade de Guararema, no interior de São Paulo. Ali vou documentar o trabalho de uma verdadeira muralha de câmeras que protegem o lugar. São 96. Há 33 meses não há um homicídio.
Deve haver alguns problemas, como de privacidade. Mas isso vou analisar no local. De qualquer maneira, é um exemplo que fortalece a tese de usar o avanço tecnológico e científico como um grande aliado da segurança pública.
Enfim teremos um novo presidente, novo grupo no governo, mas há um caminho para contrabalançar o poder emergente. Uma instituição com a qual se conta sempre, apesar de sua degradação, é o Congresso. Houve uma renovação, cujos contornos qualitativos é difícil avaliar antes de fevereiro.
A base parlamentar do governo, no momento, são as bancadas do boi, da bala e da Bíblia. Não são monolíticas, nem necessariamente concordam em tudo.
Sempre escrevi que a chamada bancada da bala é formada, parcialmente, por policiais experientes, que têm muito a dizer. A repressão armada é a linguagem que melhor entendem. No entanto, uma investigação sofisticada, um método mais científico pode despertá-los também para outro caminho, ainda incipiente no Brasil.
Na bancada ruralista há gente com mais intimidade com a natureza do que muitos ecologistas. Sua diferença é que trabalha com os fatores sobrevivência e, sobretudo, lucro. Mas com a mediação da ciência é possível algum resultado, assim como com a bancada religiosa, em alguns temas, como meio ambiente e direitos humanos - não, porém, no sentido em que os conheceram nos anos de PT.
Enfim, teremos muito trabalho para tocar o barco. Mas não é impossível. Estamos diante de uma realidade, não adianta chorar o leite derramado. O Brasil é assim, temos de nos ajeitar com ele e dar graças a Deus, porque a alternativa do autoexílio é bastante dolorosa, creio eu.
Tenho visto algumas críticas de que esse raciocínio leva a normalizar o fascismo. Na verdade, o que consideram uma aberração é resultado do voto popular. É preciso um pouco de cuidado com a realidade. 
Ainda bem que haverá muito trabalho para todos. E pouco tempo para patrulhar uns aos outros.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Modelo emergente faz brasileiro preferir candidato com imagem de defensor de ricos, F

SÃO PAULO
Os dados divulgados pelo Datafolha sugerem estabilidade do quadro eleitoral para presidente da República a dez dias do segundo turno. Se a onda conservadora parou de evoluir, o fez em patamares confortáveis a Jair Bolsonaro (PSL).
Os candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), que disputam o segundo turno
Os candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), que disputam o segundo turno - Ricardo Moraes/Amanda Perobelli/Reuters
A maré está favorável a ele, que consegue oscilações positivas em segmentos estratégicos como os menos escolarizados e os mais jovens.
No entanto, vale ressaltar que o campo foi feito antes de informações reveladas pela Folha sobre a participação de empresas na contratação de serviços via WhatsApp para a campanha de Bolsonaro. Dependendo de como a repercussão se dará e em quais estratos se concentrará, mudanças podem ou não acontecer.
A atual diferença em 18 pontos percentuais para Fernando Haddad (PT) só é superada, em período equivalente, pelas vantagens de Lula sobre Serra e Alckmin nas fases decisivas dos pleitos de 2002 e 2006, quando o petista chegou a abrir vantagens de 32 e 20 pontos, respectivamente.
No segundo turno de 1989, faltando dez dias para a eleição, Fernando Collor (PRB) oscilou negativamente de 54% para 52% e Lula positivamente de 46% para 48%, empatando tecnicamente a corrida. Em 2010, na mesma época, Dilma Rousseff (PT) chegou a 12 pontos de diferença em relação a José Serra (PSDB) e em 2014, nesse período, a petista ainda estava numericamente atrás de Aécio Neves (PSDB) —a virada foi detectada a uma semana da votação.
Com o panorama, percebe-se que a campanha de Haddad entra em período crítico, onde só uma turbulência importante poderia afetar a “velocidade de cruzeiro” da candidatura do capitão reformado. O grau de cristalização do voto supera 90%, especialmente entre eleitores de Bolsonaro.
Esse grau de fidelização, combinado à rejeição majoritária ao petista, sugere diminuição do espaço a ser trabalhado pelo PT. A desconstrução do adversário em estratos de grande peso quantitativo na composição do eleitorado, como os setores intermediários da classe média, poderia ser uma saída.
Haddad repete em escala nacional a dificuldade que demonstrou em sua campanha de reeleição para prefeito de São Paulo, de se comunicar com esses segmentos economicamente ativos, de escolaridade média e superior, mas que ganham salários baixos e não alcançam os níveis mais altos de acesso a itens de conforto.
Diferentemente dos excluídos, presentes em maior parte no Nordeste (único estrato em que o petista ganha de Bolsonaro com 60% dos votos válidos), o miolo da classe média passou por um processo de aburguesamento de valores em que o autoritarismo de Bolsonaro promete trazer ordem aos serviços públicos, para que possam alcançar na esfera privada (proteção à família, instituição mais valorizada pelos brasileiros), por méritos próprios (trabalho), o estilo de modelos das classes mais altas que aspiram. Tudo sob a proteção divina (a maioria da população acredita na existência de Deus).
Não à toa, a maioria descarrega votos no candidato do PSL, mesmo o considerando, segundo os dados, defensor dos ricos. É a primeira vez que um candidato à Presidência da República lidera a disputa carregando a alcunha.
Desde que o Datafolha começou a aplicar essa pergunta, os nomes mais citados no quesito eram justamente os que viriam a ser derrotados —os tucanos Geraldo Alckmin, José Serra e Aécio Neves.
Talvez porque nenhum deles trouxesse consigo não só a marca forte de combate à violência, adequada à demanda, como também e principalmente a sinceridade que o eleitor identifica em Bolsonaro.
Haddad, pessoalmente, não domina esses códigos, ao contrário de seu padrinho Lula, que conseguiu liderar a corrida presidencial mesmo preso por corrupção. 
Nas perguntas de imagem dos candidatos, o ex-prefeito de São Paulo é primeiro colocado em apenas dois tópicos —o que mais defende os pobres (espólio lulista) e o que mais faz promessas que não poderá cumprir (marcador de desconfiança).
O antipetismo é enraizado nas classes mais altas, mas é relativizado pela figura do ex-presidente nos setores intermediários da classe média. Bolsonaro ocupou boa parte desse território pela linguagem anti-intelectual, já que o PT perdeu seu interlocutor com o segmento.
Sob esse aspecto, a proposta de Ciro Gomes (PDT) no primeiro turno de tirar o nome dos devedores do SPC tem muito mais aderência junto ao estrato cidadão/consumidor do que políticas públicas de difícil compreensão. Mas os irmãos Gomes, candidatos a mediar a interlocução com o segmento no segundo turno, optaram por protagonizar, a exemplo do general Mourão do lado adversário, desconfortos à campanha.
Agora, engana-se quem acredita que a possível vitória de Bolsonaro configure um “cheque em branco” da população ao capitão reformado. Como se verá nos dados que serão divulgados por esta Folha nos próximos dias, os brasileiros condenam práticas antidemocráticas e violentas que marcaram a ditadura militar no país.


Paulino é diretor-geral do Datafolha e Janoni, diretor de pesquisas do instituto