sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Quem vai, então, parar Bolsonaro?, FSP



Cientistas políticos discordam quanto ao risco que a eleição de Bolsonaro traz para a democracia no Brasil. Para alguns, como eu, o risco é positivo. Para outros, o risco é zero. Quando cientistas discordam, as evidências são soberanas. Então vejamos. 
Comecemos por: "risco de quê". Se for de quebra brusca da democracia —com um golpe que cancele as eleições, feche o Congresso e suspenda direitos—, o risco é, provavelmente, zero. Tanto a experiência internacional quanto a história brasileira mostram isso. 
Jair Bolsonaro após deixa Polícia Federal no Rio de Janeiro, nesta quarta-feira (17) - Carl de Souza/AFP
Primeiro, em democracias que sobreviveram por 21 anos ou mais, a probabilidade de golpe é efetivamente zero. Além disso, golpes caíram em desuso, sendo cada vez mais raros. Por último, a história mostra que mesmo em condições domésticas e internacionais mais favoráveis ao autoritarismo —como em 1964— o fechamento completo do sistema político brasileiro foi difícil.
Se delimitarmos melhor o objeto e considerarmos o risco de erosão democrática é ainda assim o risco zero? Não. O risco é positivo. Erosão democrática, isto é, a deterioração gradativa e limitada de algumas dimensões da democracia, é hoje a forma mais comum de degeneração das democracias. Ela ocorreu frequentemente em contextos semelhantes ao Brasil, nos quais a combinação de crises econômicas e políticas abriram as portas para outsiders de natureza autoritária, como Fujimori e Chávez. 
O Brasil de hoje não é, contudo, a Venezuela ou o Peru do começo dos anos 1990. Aqui, dizem, a democracia será protegida por robustas instituições democráticas de controle que limitam o Executivo, e por atitudes republicanas e democráticas dos eleitores.
Enquanto é inegável que as instituições brasileiras são comparativamente robustas, elas claramente não são capazes de proteger a democracia. 
Como prova basta saber que sob tais instituições a democracia erodiu nos últimos dois anos. Dos 111 indicadores de democracia coletados pelo projeto V-Dem, o qual oferece os mais avançados dados sobre as democracias mundiais, 27 (24%) estão significativamente piores no Brasil hoje do que estavam ao final de 2015.
Além disso, o argumento de que teria havido uma mudança qualitativa nas atitudes do eleitorado brasileiro, o qual se tornou muito mais intolerante à corrupção e à degeneração democrática, empalidece diante de uma montanha de dados. Nara Pavão e Ezequiel Gonzalez-Ocantos mostram, primeiro, que não houve mudança qualitativa alguma. O eleitor brasileiro é hoje tão (in)tolerante à corrupção como era antes da explosão de escândalos e manifestações que assolaram o Brasil. 
Ainda assim, assumamos que tal mudança ocorreu. Está claro que os eleitores que rejeitam a corrupção mais fortemente são os que levam Bolsonaro à Presidência. Seriam eles capazes de controlar sua criatura? De novo, as pesquisas mostram que não. 
Quando a polarização é intensa, mesmo eleitores que condenam comportamentos antidemocráticos tendem a relevar as derrapadas de seu político predileto. 
Além disso, por mais anticorrupção e pró-controle que eles sejam, os compromissos democráticos desses eleitores são limitados. Ou alguém acha que os eleitores de Bolsonaro vão abandoná-lo quando ele atacar a oposição, ou der carta branca para execuções extrajudiciais? Não vão, pois, como mostram David Samuels e Cesar Zucco, a principal clivagem separando o petismo do antipetismo é o autoritarismo. 
Antipetistas são sistematicamente mais autoritários que petistas e que eleitores que não nutrem partidarismo negativo em relação ao PT. Bolsonaristas não são democratas liberais e não vão proteger coisa alguma.
Quem vai, então, parar Bolsonaro?

Bolsonaro tem de aprender a ser poder, FSP

Mesmo virtualmente vitoriosos, bolsonaristas querem exercer o poder das vítimas

Os auxiliares de Jair Bolsonaro estão buscando chifre em cabeça de cavalo e a quadratura do círculo. Nessa trilha, vão acabar encontrando alguma formação estranha. Não será nem chifre nem milagre geométrico, mas confusão. 
O candidato do PSL está virtualmente eleito. Seus homens de confiançaainda não começaram a falar a linguagem de quem vai ser poder. Ao contrário. Eles se batem contra uma espécie de Leviatã comunista que estaria no comando, a ameaçar o Brasil, e isso lhes impõe uma retórica beligerante, reativa e agressiva. E que, levada a efeito, nos empurraria e a si mesmos para o buraco. Hora de parar.
Jair Bolsonaro entre o filho, Flávio, e o presidente de seu partido, o PSL, Gustavo Bebianno, durante coletiva de imprensa, no Rio, no dia 11.out - Mauro Pimentel/AFP
O general Aléssio Ribeiro Souto, que cuida da educação, concede uma entrevista e trata das deficiências do setor. Reclama do ensino ideologizado. Fato. Geralmente em escola privada, com ar-condicionado. Talvez o militar devesse ouvir Nego do Borel: "Se eu não guardo nem dinheiro, o que dirá guardar rancor?"
Na escola pública, quando o aluno encontrar uma cadeira inteira em que se acomodar, o professor eventualmente fará seu proselitismo —no dia em que houver aula, claro! 
Souto demonstra a preocupação de fazer a verdade de 1964 chegar aos professores. Como? Acha ainda que criacionismo e evolucionismo são alternativas a serem oferecidas aos estudantes, sem direcionamento. Errado. Para o primeiro, o STF autoriza aulas de religião, quando houver condições de oferecê-las, a quem quiser.
homem do agronegócio, do meio ambiente e da reforma agrária (é muita coisa reunida), Nabhan Garcia, da UDR, diz que há espaço para desmatamento na Amazônia. Bem lido o Código Florestal, há mesmo, desde que o dono ainda não tenha utilizado os 20% da terra que podem ser destinados à produção se a propriedade estiver em área de floresta. Então a boa conversa é defender a aplicação do código, um dos marcos legais que permitem ao Brasil, para o seu bem, entrar pela porta da frente no Acordo de Paris, que trata do clima. 
Isso é bom para os negócios, não ruim. O "desmatamento zero" tem como parâmetro o código. É um zero relativo, não absoluto. Mas aí Garcia reclama da fiscalização do Ibama, que seria abusiva. Bem, criem-se mecanismos contra os maus fiscais. O meio ambiente é hoje, no mundo, um critério e um filtro para fazer —ou não fazer— negócios. Produtores de ponta preveem problemas. E os haverá a ser mantida a proposta.
Garcia também diz que o governo não vai conversar com o MST. Considera suas práticas terroristas.
Algumas são mesmo. O país tem uma lei antiterrorismo, a 13.260, que traz uma marotice, no parágrafo 2º do artigo 2º. Se a prática violenta tem "propósitos sociais ou reivindicatórios", aí terrorismo não é. Faz sentido? Não! Atos terroristas costumam ter como justificativa o amor pela humanidade.