sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Mentira que prolifera, Opinião FSP

Empresas compram pacotes de disparos de mensagens no WhatsApp contra o PT
Empresas compram pacotes de disparos de mensagens no WhatsApp contra o PT - Thomas White/Reuters
Dois terços dos votantes brasileiros possuem conta no WhatsApp, a rede social mais popular do país. Segundo pesquisa realizada pelo Datafolha em 2 de outubro, 44% dos entrevistados declararam ler notícias sobre política e eleições por esse meio, e 24%, compartilhá-las.
Os números bastam para constatar o peso adquirido pela rede na formação da opinião nacional —e, sem dúvida, nos rumos do pleito em curso. Ainda está por ser dimensionado, porém, o impacto do fluxo de informações enganosas, quando não inteiramente falsas, e mensagens difamatórias que chegam a todo momento aos usuários.
Antecipava-se, ademais, que a campanha deste ano constituiria um marco de importância global quanto às possibilidades de combate à disseminação de fake news. Até aqui, falhamos no teste, como qualquer frequentador de ambientes virtuais poderá observar.
[ x ]
Reportagem de Patrícia Campos Mello, desta Folha, mostra evidências aterradoras de como o que originalmente seria um aplicativo de conversas privadas se tornou uma arma do jogo eleitoral mais sujo.
Revelou-se que empresas estão a comprar pacotes de disparo em massa de mensagens no WhatsApp contra o PT e seu presidenciável, Fernando Haddad. Segundo a apuração, cada contrato chega a R$ 12 milhões, o suficiente para propagar centenas de milhões de textos, áudios, fotos, vídeos e memes.
Trata-se de prática ilegal, dado que há um beneficiário óbvio —oadversário de Haddad e favorito na disputa pelo Palácio do Planalto,Jair Bolsonaro (PSL). Assim, a iniciativa corresponde a uma doação empresarial a um candidato, o que está vedado desde 2015.
Bolsonaro declarou não ter controle sobre a ação de apoiadores, indicando desconhecer o caso. Aventou, inclusive, a hipótese de adversários estarem por trás da compra dos pacotes de mensagens com o intuito de prejudicá-lo.
Para a configuração de abuso de poder econômico não é necessária, apontam especialistas, a participação do candidato —basta que a Justiça Eleitoral considere comprometido o equilíbrio da disputa.
Apuração imediata e rigorosa, pois, se faz imprescindível. Os instrumentos à disposição permitem que se rastreiem as operações e a origem do dinheiro empregado.
Entretanto existe mais a fazer para que, sem limitar a sagrada liberdade de expressão, os autores de mensagens veiculadas em redes sociais possam ser identificados e, a depender da forma e do conteúdo, responsabilizados e punidos.
As autoridades brasileiras podem e devem bater-se pelo fim de um anonimato que premia a desinformação e convida à trapaça. Essa seria providência mais útil que a infinidade de regras minuciosas e paternalistas com que a legislação pretende proteger o eleitor.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Num governo Bolsonaro, o melhor cenário é Trump, Mathias Spektor, FSP

Em analogia com o americano, a democracia é erodida, porém não quebra

Governos estrangeiros já começaram a traçar seus cenários alternativos para um eventual governo Bolsonaro e a avaliar o risco à democracia brasileira.
Uma das analogias mais comuns é com a Turquia, país onde um governo eleito subverteu as regras do jogo para restaurar o autoritarismo. O segundo cenário são as Filipinas, onde o governo usa milícias anticrime para, na realidade, dar batalha a opositores e, no processo, abrir as portas para um possível experimento autoritário. 
A terceira analogia é com Donald Trump, líder populista que surfa na onda da raiva popular contra o establishment e, dessa forma, produz polarização destrutiva. Neste último caso, a democracia é erodida, mas não quebra. 
É impossível saber se Bolsonaro vai seguir um desses três modelos. Mas é um equívoco grosseiro acreditar que sua personalidade será o principal fator a determinar o futuro da democracia brasileira. Afinal, seu governo será função de processos complexos que vão muito além de sua vontade, inclinação ou apreço pela democracia. 
Para entender a trajetória futura de nosso sistema político, o mais importante é olhar para dois sinalizadores fundamentais: o método que Bolsonaro utilizará para formar uma maioria governista e o tratamento que dará às corporações que operam em Brasília. 
Bolsonaro virou líder popular de uma revolta contra o sistema político existente. Nesse sistema, o presidente da República monta maiorias por meio de uma troca: o Parlamento apoia a agenda presidencial porque recebe oportunidades de ganhos materiais (legais e ilegais). 
Agora, Bolsonaro tem uma escolha a fazer. Ou ele reedita esse sistema com alguns retoques superficiais, ou ele apela diretamente ao eleitorado. Na segunda opção, o presidente joga a opinião pública contra o Parlamento em “lives” no Facebook. Ambas as opções são péssimas para a qualidade da democracia brasileira.
O segundo sinalizador importante diz respeito ao compromisso de Bolsonaro com as contas públicas. Se ele fizer uma sinalização custosa já nos meses de transição —por exemplo, dizendo aos militares que a reforma da Previdência terá de chegar a eles também—, então o barco da economia brasileira irá por um caminho. 
Se, ao contrário, Bolsonaro sinalizar que seu governo será um condomínio de corporações, onde todos terão algum tipo de “boquinha” no Estado —com exceção daqueles grupos vinculados ao PT, como sindicatos e as ONGs de direitos humanos que ele promete punir—, então o barco irá por um caminho muito distinto.
A decisão determinará o futuro da política brasileira. Dentre as analogias disponíveis, o melhor cenário para a democracia brasileira é Trump.