terça-feira, 16 de outubro de 2018

Fake news guiam eleição presidencial, Joel Pinheiro da Fonseca, FSP

Não é de hoje que a mentira é usada na política. Afinal, mesmo o político bem intencionado —que quer promover o bem da sociedade—sabe que, para ter impacto real, precisará vencer. Para vencer, é preciso dar esperança ao eleitorado e mostrar-se como superior aos outros. Daí vêm as promessas vazias e acusações sem base de toda campanha. Nunca teremos uma política completamente calcada na veracidade. Mas, do ponto de vista dos cidadãos, seria desejável reduzir o grau de mentiras. 
Por muito tempo, o PT foi o mestre na arte de enganar a população no período eleitoral. Uma de suas estratégias favoritas é inventar uma acusação contra alguém (e para isso basta um fiapo de verossimilhança) e repeti-la ininterruptamente, mesmo que o acusado negue e faça de tudo para mostrar-se inocente. Foi assim com Marina Silva na corrida presidencial de 2014, acusada de querer cortar auxílio social aos pobres para favorecer banqueiros; e assim com Bolsonaro agora em 2018, acusado de querer acabar com o décimo terceiro salário. A questão é que, desta vez, parece não estar colando.
Há novas formas mais eficazes de mentira, e as táticas do PT ficaram para trás. Elas parecem até inocentes perto da verdadeira máquina de desinformação que é a campanha de Jair Bolsonaro no WhatsApp (e aqui incluo não só a campanha formal como todos aqueles que contribuem para gerar e compartilhar conteúdos a seu favor). Notícias falsas e teorias da conspiração --a revista que aceitou atacar Bolsonaro em troca de R$ 600 milhões, as urnas fraudadas, etc.-- circulam em tamanha profusão que criam um verdadeiro universo paralelo contra o qual o jornalismo sério pouco pode fazer. As agências de checagem de fatos têm se mostrado incapazes de conter a maré das fake news. No tempo em que se apura uma notícia falsa, três novas já foram criadas e circulam pelo WhatsApp.
Desmascarar notícias falsas é um esforço necessário mas paliativo, que não vai às causas: elas só circulam porque as pessoas estão mais dispostas a acreditar num boato de WhatsApp repassado por um estranho do que na matéria apurada por jornalistas profissionais num veículo de respeito. O problema é, antes de tudo, de confiança nas instituições fundamentais do nosso sistema: política, Justiça, academia, mídia. E se está ruim agora, com as bolhas de redes sociais (criadas e desejadas pelos próprios usuários, não por um algoritmo), espere só até o próximo governo permitir a substituição da escola presencial pelo ensino à distância, via computador, e pelo ensino domiciliar. O isolamento cognitivo virá de berço.
Como sair desse jogo polarizador no qual as identidades políticas falam cada vez mais alto e que é intensificado por lideranças inescrupulosas que querem o poder acima de tudo? Ainda não temos respostas à altura. No plano individual, o melhor que cada um de nós pode fazer é conviver com pessoas que pensam diferente em contextos nos quais a divergência política não seja relevante; é essa convivência que promove a confiança entre os diferentes. A mídia tem que dar o exemplo e promover redações com mais pluralidade ideológica. Como cidadãos, deveríamos exigir das lideranças que tenham tolerância zero com a mentira. Pela própria natureza do jogo político, contudo, talvez seja pedir demais.
 
Joel Pinheiro da Fonseca
Economista, mestre em filosofia pela USP.

Campanha de Bolsonaro aplica seu próprio viés político à educação, FSP

A 12 dias do 2º turno, não se sabe quase nada sobre planos para o ensino público

As conspirações sobre a ideologia nas escolas atingiram o insuspeito Charles Darwin. Um general que elabora propostas na campanha deJair Bolsonaro diz que a teoria da evolução deve ser ensinada ao lado do criacionismo (a ideia de que Deus criou diretamente o homem).
“Muito da escola está voltada para orientação ideológica [...]. Houve Darwin? Houve, temos de conhecê-lo. Não é para concordar, tem de saber que existiu”, afirmou Aléssio Souto ao jornal O Estado de S. Paulo.
As duas visões devem ser mantidas em esferas distintas, mas o militar segue uma linha em que a religião disputa espaço com a ciência. Ele diz que um pai “não está errado” se quiser que o professor ensine teoria da criação no lugar do darwinismo.
A sugestão causa arrepios em especialistas. “Esse debate deve ocorrer no campo da religião, nas aulas de filosofia ou sociologia”, afirma Priscila Cruz, do movimento Todos pela Educação. “Na ciência e na biologia, o criacionismo deveria ser banido.”
Ao tratar pontos do ensino científico como desvio ideológico, assessores de Bolsonaro aplicam, eles mesmos, um viés político à educação.
“Quando você iguala ciência e ideologia, você anda para trás, ignora séculos de aprendizado”, diz Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências. “A teoria da evolução não é ideológica. É resultado de percepções científicas e foi testada ao longo do tempo.”
A 12 dias da eleição, não se conhece muito sobre o programa de Bolsonaro além da criação de colégios militares. É possível deduzir que ele quer tirar das salas de aula valores como o combate ao preconceito sexual e a defesa dos direitos humanos.
Outro consultor da campanha disse ao jornal Valor Econômico que vai sonegar dos eleitores os projetos para o setor. Stavros Xanthopoylosafirmou seis vezes que só vai falar do assunto depois do segundo turno.
“É um cheque em branco”, diz Priscila Cruz. “O debate não está em cima de propostas, mas de crenças e visões de mundo. O que vamos fazer para as crianças aprenderem?”