Eduardo Felipe Matias
O iPhone acaba de completar 10 anos.
Hoje, o número de usuários de smartphones passa de 2,5 bilhões – só no ano passado, foi vendido 1,5 bilhão de unidades desses aparelhos.
Olhando pouco mais de uma década para trás, alguns aplicativos e redes sociais atualmente tão presentes em nossas vidas ainda não existiam. O WhatsApp surgiu apenas em 2009. Instagram, em 2010. Twitter, 2006. YouTube, 2005. Facebook, 2004. Skype, 2003. LinkedIn, 2002. Esses dados foram obtidos na comparativamente “vetusta” Wikipedia, criada em 2001, que hoje possui mais de 40 milhões de verbetes e está disponível em 295 idiomas.
Floresceu, desde então, uma cultura baseada no compartilhamento que levou a uma explosão de usuários dessas redes sociais – 2 bilhões no Facebook, para citar só a maior delas – e de conteúdo na internet – a quantidade de páginas da web é incomensurável... a estimativa do Google, por exemplo, é de que seriam 30 trilhões.
Tecnologias importantes apareceram ou se popularizaram ainda nesta década. Antes disso, como observa Thomas Friedman em seu último livro, Obrigado pelo atraso, “a nuvem ainda estava no céu e 4G era uma vaga de estacionamento”. O serviço de armazenamento de dados em nuvem da Amazon é de 2006 e o da Microsoft, de 2010. O Dropbox, onde estou salvando este artigo enquanto escrevo, também acaba de cumprir 10 anos. A quarta geração de telefonia celular, que é a mais avançada hoje disponível, passou a ser adotada por volta de 2010 – e já se vislumbra sua substituição pela 5G, que promete ser muito mais rápida.
Essa evolução não seria possível sem o crescimento exponencial da capacidade de processamento dos computadores, ditada pela chamada Lei de Moore – em 1965, Gordon Moore, um dos fundadores da Intel, previu que a velocidade dos microchips dobraria a cada ano, previsão que foi depois atualizada para a cada dois anos e que se confirmou nos 50 anos seguintes. De fato, a capacidade atual de um smartphone é imensamente maior do que a dos computadores do projeto Apollo, que levou o homem à Lua em 1969.
Graças, em grande parte, a essa progressão geométrica, o futuro chegou e não é mais estranho falar em big data, impressão 3D, blockchain, nano e biotecnologia, realidade virtual e aumentada e Internet das Coisas, esta última impulsionada pela multiplicação dos sensores – dez anos atrás, havia 500 milhões de aparelhos interconectados, agora há aproximadamente 8 bilhões e espera-se que, por volta de 2020, sejam 50 bilhões.
A inteligência artificial evolui com o “machine learning” e contribui para o cenário de ficção científica com carros autônomos, como os que a Google começou a desenvolver em 2009, e computadores capazes de superar seus oponentes humanos, como o Watson, da IBM, que ganhou o jogo televisivo de perguntas Jeopardy! em 2011 ou o AlphaGo, da Google DeepMind, vencedor do desafio contra Lee Sedol, campeão mundial do jogo Go, em 2016. Muito além dessas proezas, tecnologias baseadas em inteligência artificial ganham espaço no dia a dia das pessoas – o assistente pessoal virtual Siri, da Apple, é de 2011, o Cortana, da Microsoft, de 2014, assim como a Alexa, da Amazon. Atualmente, não parece mais coisa de doido conversar com aparelhos esperando obter respostas para nossas indagações.
É difícil para a mente humana, habituada à linearidade, compreender o que o crescimento exponencial significa, o que torna seus resultados imprevisíveis.
Nos negócios, está claro que algumas novas tecnologias são disruptivas e podem levar à transformação brutal de certos setores. As indústrias fotográfica, fonográfica e editorial foram revolucionadas pela consolidação dos formatos digitais, que levou à extinção de algumas companhias. A popularização de telefones celulares com acesso à internet e GPS permitiu a ascensão de startups como o Uber, e a imensa quantidade de pessoas conectadas, aliada à cultura de compartilhamento, garantiu o sucesso de plataformas como o Airbnb. Já se tornou batida a afirmação de que o Uber é a maior empresa de táxis do mundo sem ter nenhum veículo e o Airbnb a maior rede de hospedagem sem possuir um imóvel sequer. Esse fenômeno também ganhou velocidade na última década – o Airbnb é de 2008 e o Uber, de 2009.
Porém, se muita atenção é dada às oportunidades e aos riscos que as novas tecnologias representam para os negócios, pouco tempo tem sido dedicado a entender a importância do Estado nesse contexto. Este tem um papel a exercer, seja na regulação das novas atividades – dificultada pela conhecida lentidão de seus processos decisórios, ainda mais sentida em um mundo de mudanças aceleradas –, seja no combate aos impactos nocivos dessas mudanças, como o desemprego causado pelo progresso da automação e da robótica, cujos efeitos podem ser mitigados pela educação e treinamento para valorização do capital humano, pelo estímulo ao empreendedorismo e pelo reforço das redes de proteção social.
Além disso, nem sempre a iniciativa privada está disposta a investir em tecnologias em sua fase inicial, quando estas ainda precisam superar o chamado “vale da morte” que existe entre o surgimento da ideia e sua viabilização comercial. Cabe ao poder público, nesses casos, investir em pesquisa básica e criar mecanismos de incentivo para que essas tecnologias sobrevivam. Algumas delas poderão fazer a diferença se quisermos vencer os grandes desafios da atualidade, como a mudança climática.
A era exponencial que começou pouco mais de uma década atrás gera uma série de incertezas. O processo de destruição criativa por ela iniciado pode gerar uma riqueza sem igual, mas tem efeitos negativos com os quais temos que aprender a lidar. Para alcançar um mundo mais próspero e sustentável é preciso mais tecnologia, não menos. Uma vez que não é possível – talvez nem desejável – deter o avanço da inovação, devemos nos perguntar quais formas de governança, mais ágeis e adequadas ao ritmo da transformação atual, poderiam ser adotadas. Essa é a grande pergunta do momento.
E aí, Siri?
Eduardo Felipe Matias é sócio de NELM Advogados, duas vezes ganhador do Prêmio Jabuti com os livros “A humanidade e suas fronteiras” e “A humanidade contra as cordas”, coordenador do guia “Empreendendo Direito: aspectos legais das startups”.
Twitter: @EduFelipeMatias
Artigo publicado originalmente no jornal Valor Econômico de 18 de setembro de 2017, p. A13, disponível em http://www.valor.com.br/opiniao/5122522/era-exponencial-e-suas-incertezas.