terça-feira, 25 de dezembro de 2012

São Paulo libera mais verba para deputados em ano de eleições


25/12/2012 - 06h00


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LUIZA BANDEIRA
DE SÃO PAULO
O volume de recursos liberados pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), para projetos patrocinados por deputados estaduais foi recorde com as eleições municipais deste ano.
O governo liberou neste ano R$ 259 milhões para convênios que nasceram de indicações dos deputados. O volume de recursos é superior ao liberado em 2010, quando também houve eleições e Alckmin foi eleito governador.
Naquele ano, foram liberados R$ 256 milhões. Em relação ao ano passado, quando foram liberados R$ 119 milhões para projetos desse gênero, houve um aumento de 118% no volume de recursos.
O aumento foi muito superior à variação da inflação, que subiu 6,5% em 2011 e deve ficar abaixo de 6% neste ano.
Quando o orçamento do Estado para 2012 foi discutido na Assembleia Legislativa, o governo reservou para cada deputado uma cota de R$ 3 milhões para obras e outros projetos de sua escolha.
Mas, como em anos anteriores, o acordo não foi respeitado. Pelo menos 30 deputados conseguiram liberação de valores superiores à cota.
O dinheiro só é liberado após a assinatura de convênios pelo Estado com as prefeituras dos municípios indicados pelos deputados estaduais ou com entidades filantrópicas escolhidas por eles.
Na discussão do orçamento de 2013, a cota para as indicações dos deputados foi reduzida para R$ 2 milhões, metade do que eles haviam solicitado ao governador.
Dados divulgados pelo governo estadual mostram que deputados que fazem parte da base de apoio do governador na Assembleia têm maior sucesso na hora de obter a liberação desses recursos.
Os 22 deputados da bancada do PSDB, o partido do governador, conseguiram a liberação de R$ 86 milhões para suas propostas --o equivalente a um terço do total liberado pelo governo estadual.
O PT, que tem 24 deputados e faz oposição ao governador na Assembleia, conseguiu R$ 27 milhões, ou 10% do total. Em média, cada deputado petista conseguiu R$ 1,1 milhão. A média dos tucanos ficou em R$ 3,9 milhões.
Editoria de Arte/Folhapress
EM CAMPANHA Liberação de verbas do governo paulista para projetos de deputados estaduais aumentou no ano eleitoral
ESCÂNDALO
Em 2011, as liberações diminuíram com o escândalo criado pelo deputado Roque Barbiere (PTB), que numa entrevista acusou os colegas de cobrar propina de prefeitos e construtoras para indicar projetos de seu interesse.
O Ministério Público Estadual abriu inquérito para averiguar as denúncias de Roque Barbiere, mas as investigações não chegaram a nenhuma conclusão até agora.
Nas eleições municipais deste ano, vários deputados estaduais se candidataram a prefeito de suas cidades. Em geral, os aliados do governador conseguiram mais recursos do que os da oposição.
Em média, deputados que apoiam o governo e se candidataram conseguiram a liberação de R$ 2,4 milhões para projetos de seu interesse. Candidatos da oposição tiveram R$ 949 mil, em média.
Nas eleições deste ano, 18 dos 84 deputados estaduais concorreram a prefeito. Seis saíram da campanha vitoriosos --três ligados à base governista e três da oposição.
A assessoria de imprensa da Casa Civil do governo, que acompanha os projetos dos deputados, afirmou que os critérios para assinatura de convênios são técnicos e não têm relação com a filiação partidária dos deputados responsáveis pelas indicações.
O aumento da liberação de recursos se deveu à "boa saúde financeira do Estado", afirmou. A legislação proíbe a assinatura de convênios com prefeituras durante a campanha eleitoral, mas não há restrições para convênios com entidades filantrópicas.

Saudades do Natal, por Jabor



25 de dezembro de 2012 | 2h 05
Arnaldo Jabor - O Estado de S.Paulo
Eu já tive carnavais felizes, "sãos joões" felizes, mas não me lembro de uma grande "noite feliz, noite de paz"... O Natal perdeu a delicadeza antiga. Não temos mais chaminés nem ceias opulentas. Em vez do saco de presentes, temos as calamidades coloridas dos shopping centers. Hoje, no presépio de Belém, perto da manjedoura onde o menino Jesus recebeu os reis magos, nos lugares sagrados de Jerusalém, explodem os homens-bomba berrando "Feliz Natal, cães infiéis!"
Que estranho destino é esse da humanidade se fechando como uma cobra mordendo o próprio rabo, a morte no mesmo lugar no nascimento, o fim da civilização no mesmo lugar onde começou, ali entre o Tigre e o Eufrates, na Mesopotâmia.
Uma vez, Rubem Braga fez uma lista dos lugares-comuns jornalísticos que justificariam demissões sumárias. O sujeito que escrevesse que o "trem ficara reduzido a um monte de ferros retorcidos" ou que o "incêndio era o 'belo-horrível' estava despedido. Havia outras banalidades imperdoáveis, como: "Natal Natal, bimbalham os sinos!"...
Lembro-me que no Natal, enquanto os sinos 'bimbalhavam', eu via as ceias do meu canto de menino: as ligações frágeis entre parentes, entre tios e primos, as antipatias disfarçadas pelos abraços frios e os votos de felicidades. Eu olhava as famílias viajando no tempo como um cortejo trôpego, eu via a solidão de primos medíocres, das tias malucas, dos avós já calados e ausentes, o eterno presunto caramelado, o peru com apito. O destino das famílias ficava evidente no Natal. Os pobres se conformando com o tosco prazer dos presentes baratos e os ricos querendo provar que seriam felizes a qualquer preço - egoístas o ano inteiro, esfalfavam-se para viver uma alegria compulsiva entre gargalhadas, beijos molhados de vinho e uísque, terminando nas tristes saídas na madrugada, com crianças chorando e presentes carregados com tédio por pais de porre, aos berros de "feliz Natal".
Papai Noel sempre me intrigou. Quem era aquele sujeito que começava a aparecer no fim do ano, nas lojas, no rádio, na TV? Papai Noel tem muitas conotações desde que foi inventado na Noruega, por causa de São Nicolau, que ajudava as pessoas carentes nos fins de ano.
Soube que, no fim do Estado Novo, lançaram uma campanha nacionalista para substituir o Papai Noel por um outro símbolo: o "Vovô Índio" - um velho silvícola seminu, com peninha na cabeça, que traria presentes para os "curumins" de verde e amarelo. Foi um tremendo fracasso, claro, numa época em que o cinema americano já mandava o Bing Crosby cantando White Christmas sem parar.
Papai Noel era invencível, se bem que eu nunca gostei dele. Papai Noel sempre foi uma imagem de perdão e carinho.
Mas, não para mim. Já contei isso uma vez, aqui. E o repito porque nos Natais e carnavais nada muda. Nada mais parecido com um Natal do que outro.
Papai Noel me dava presentes sim, mas sempre acompanhados de uma carta (escrita à mão, em tinta roxa) em que me fazia repreensões dolorosas: "Por que você desobedeceu à sua mãe e matou a aula de piano? Por que você bateu na sua irmã com o espanador? Se fizer de novo... ano que vem tem castigo..." Para mim, Papai Noel era assustador, por causa desse estratagema educativo de meu pai, que usava o Natal para me dar lições de moral. Cada presente aberto me dava um sentimento de culpa. Daí, a conclusão infantil: Papai Noel gostava de todo mundo, menos de mim. Papai Noel foi meu superego de barbas brancas.
Talvez por isso, comecei a criticar o mundo desde pequeno. Deu no que deu... hoje sou esta pobre cabeça falante se esgoelando no rádio e TV. Eu fui o primeiro de minha turminha de subúrbio a desconfiar que Papai Noel era uma fraude; comecei com ele e hoje tenho os mensaleiros e pizzas de CPI, neste país farto de mentirosos. "Papai Noel não existe!" - foi meu grito revolucionário. "Existe sim! Ele me deu um velocípede!" - bradavam os meninos obstinados em sua fé. "Ah, é? Então, fica acordado para ver se não é teu pai botando os presentes na árvore!" Mas, meus amigos lutavam contra essa desilusão, mais ou menos como velhos petistas que não desistem do paraíso comunista. Recorri a meu avô, conselheiro e aliado, e ele apoiou meu agnosticismo natalino: "Não existe não... Você não é mais neném..."
Daí para a frente, não parei mais. Entrei de sola na lenda da cegonha e do bebê que "papai do céu mandou"...
"Vocês pensam o quê? As mães de vocês ficam nuas e o pai de vocês bota uma coisa dentro da barriga delas pelo umbigo...!" "A minha mãe, não!" - berravam os jovens édipos, partindo para a porrada de rua comigo. Daí para descrer de Deus foi um pulo, para o horror escandalizado dos colegas do colégio jesuíta. "Deus é bom, padre?" "Infinitamente bom..." "Ele sabe de tudo?" "Sim..." - respondiam os padres já desconfiados. "Então, por que ele cria um cara que depois vai para o inferno?" Até hoje ninguém me respondeu a isso.
E assim fui, até começar meu ódio ao "imperialismo norte-americano" dos anos 60. Hoje, não tenho mais medo do Papai Noel; tenho até uma certa pena dele... e de nós.
Hoje, Papai Noel vem com as renas canibais de um Polo Norte que está derretendo pelo efeito estufa que os líderes mundiais se recusam a combater. O Natal é uma saudade do Natal. E hoje, com o futuro cada vez mais ralo, tenho saudades da precariedade de nossa vida antiga, da ingenuidade dos comportamentos, de um mundo com menos gente louca e má. "Ah! Você por acaso quer a volta do atraso?" - dirão alguns. Não; mas sonho com uma vida delicada que sumiu, dos lugares-comuns, dos chorinhos e chorões, de tudo que era baldio, dos valores toscos da classe média. E quando chega o Natal, tenho nostalgia das tristes ceias de minhas tias, sinto ainda o gosto dos panetones e rabanadas transcendentais do passado.

domingo, 23 de dezembro de 2012

'Desafio é STF manter a jurisprudência', por Flavia Piovesan


ISADORA PERON - O Estado de S.Paulo
O fortalecimento do Poder Judiciário e a mensagem de que "ninguém está acima da lei" são os principais legados deixados pelas 53 sessões do julgamento do mensalão. A avaliação é da professora de Direito Constitucional da PUC-SP Flávia Piovesan. Ela, no entanto, diz que ainda é cedo para mensurar todos os impactos que o processo mais longo já julgado pelo Supremo Tribunal Federal terá na esfera jurídica brasileira. "O julgamento do mensalão terá consequências outras que hoje ainda é prematuro prever." Para Flávia, as decisões do STF contribuirão para diminuir a corrupção no Brasil. "Ficou mostrado que o crime não compensa."
O julgamento do mensalão chegou ao fim na segunda-feira, após quatro meses e meio de duração. Dos 37 réus, 25 foram condenados. O tribunal também definiu que os três deputados federais condenados terão de deixar seus mandatos.
Terminado o julgamento do mensalão, qual o legado da Ação Penal 470?
O fortalecimento do Poder Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal, que sai engrandecido no campo da sua credibilidade, legitimidade e independência. O segundo legado é o reforço do princípio republicano, de que ninguém está acima da lei. A maioria da população estava descrente, jamais poderia imaginar que um (ex) presidente da Câmara (o petista João Paulo Cunha) ou uma presidente de um banco (Kátia Rabello, do Banco Rural) seriam punidos. O que se extrai desse julgamento é que ninguém está acima da lei. O terceiro ponto interessante é que o Supremo também trouxe inovações em relação a sua jurisprudência.
A sra. pode citar algum exemplo de nova jurisprudência?
Principalmente ao que diz respeito ao critério de apreciação da prova, quando aplicou a teoria do domínio de fato. Em crimes como corrupção ativa e corrupção passiva, é difícil ter uma prova documental do corrupto, então você tem que efetivamente construí-la a partir do acervo probatório, de forma concatenada, como se fosse um quebra-cabeça.
O Supremo aplicou corretamente a teoria do domínio de fato?
Pelo que eu pude constatar, sim, a denúncia teve plena consistência. Mas, por outro lado, eu também acho que não deveria ser da competência do STF a jurisdição em matéria penal, embora o STF tenha sido eficiente nesse caso. Mas eu sou defensora do Supremo como corte constitucional. Acho que não tem sentido, por exemplo, o STF ouvir testemunhos, o tribunal não está preparado, não tem estrutura.
O que achou da decisão sobre a perda automática dos mandatos dos parlamentares?
Eu aplaudo. A Constituição prevê no artigo 15 a suspensão dos direitos políticos para quem sofra condenação criminal transitado e julgado. Além disso, nós tivemos a Lei da Ficha Limpa, que prevê que quem tem a ficha-suja não pode nem se candidatar. Então acho uma decisão razoável, adequada, em consonância com a Constituição.
Essa decisão não coloca a Corte numa posição que se sobrepõe aos demais Poderes?
Não. Eu costumo dizer que uma democracia se mede pela independência do Poder Judiciário, porque é o poder desarmado que deve ter a última palavra na democracia. Não é a bala, não é o tanque, é o direito. A caneta do Poder Judiciário merece triunfar no estado democrático de direito.
Como a sra. vê a crítica recorrente de que existe uma 'judicialização' da política?
Eu entendo que muitas vezes temas intricados, polêmicos e controvertidos são deslocados para o Judiciário. O princípio básico do Judiciário é o da inércia da jurisdição. Ou seja, o Judiciário só reage quando provocado. O que está havendo é o aumento do grau de provocação do Judiciário. Muitas vezes pela paralisia do Legislativo, em razão de temas polêmicos. Um exemplo: a questão na anencefalia fetal é um tema que o Legislativo não resolveu, pois se criou um impasse por conta das bancadas religiosas do Congresso. Outro tema: reconhecimento das uniões homoafetivas. Foi mais um assunto que o Legislativo se dividiu e não teve o ônus da decisão parlamentar, então o tema foi desviado para o Supremo. Ou seja, muitas vezes é a própria política que busca resposta na Justiça.
Os petistas condenados sustentam que houve um julgamento político, cujo resultado foi influenciado pela imprensa e pela opinião pública.
Eu não acolho essa crítica. Não tive acesso aos autos, mas houve o fornecimento de uma denúncia muito bem elaborada, com provas contundentes, baseada em farto acervo probatório. Houve, sim, um processo que durante quatro meses tomou dia e noite da Corte suprema, de todos os ministros, que foi monitorado pela sociedade civil. Além disso, todas as garantias foram asseguradas aos acusados. Do meu enfoque, não houve qualquer vício ou fratura capaz de comprometer esse julgamento histórico.
Houve muitas críticas ao fato de as sessões serem transmitidas pela TV. Isso influencia no resultado?
Não. Eu defendo a transmissão, apesar das críticas. Eu entendo que isso colabora para a transparência e, com o julgamento do mensalão, o Supremo chegou às casas das pessoas, as pessoas seguiram o julgamento até como se fosse uma novela. Eu, que sou professora há 21 anos, jamais vi o Supremo ser um órgão de tanta acessibilidade para a população. O sintoma disso é a popularidade do presidente Joaquim Barbosa.
As discussões por vezes calorosas entre os ministros, principalmente entre o revisor e o relator, depõem contra a instituição?
Isso foi lamentável. É que foi um caso dos mais relevantes, dos mais estressantes, com uma carga de ansiedade e de trabalho gigantescas. Mas é fundamental que o Judiciário seja guiado pela lucidez, pelo equilíbrio, pela serenidade, evitando que os ânimos se acirrem. Isso que ocorreu é lamentável, mas não macula a imagem do Supremo. Acho que não chegou a esse grau. Mas o debate tem que ser de ideias, não de acusações pessoais, bate-boca. Isso realmente não é adequado para um palco que não é uma mesa de bar, mas sim a Corte suprema.
Qual a sua avaliação sobre o fato de os ministros optarem por aplicarem penas máximas a réus primários para evitar prescrição, quando o que se costuma fazer é optar pela mínima?
Na parte da dosimetria, houve uma posição oscilante do Supremo em relação ao tamanho das penas, o que mostra que a Corte não está familiarizada com essa questão. A primeira condenação proferida pelo Supremo tendo como foco um deputado federal ocorreu em setembro de 2008.
O Supremo nunca mandou prender um réu logo após o julgamento, antes do transitado em julgado. Como avalia essa questão?
Acredito que o transitado em julgado, até por uma questão de segurança jurídica, seja fundamental. Mas se houver o risco de prescrição, eu entendo que essa medida extrema deveria efetivamente ser acolhida.
O processo deveria ter sido desmembrado? O STF errou em não ter tomado essa decisão?
Em primeiro lugar, eu sou contra o foro privilegiado, mas creio que nesse caso o Supremo deu a decisão adequada. O fato é que ainda é cedo para avaliar todos os impactos do julgamento. Acredito que o julgamento do mensalão terá consequências outras que hoje ainda é prematuro prever. Eu creio que agora o desafio do Supremo será manter essa jurisprudência, manter essa posição. Creio que haverá um impacto na jurisprudência dos demais tribunais, porque tem um efeito catalisador em relação aos demais órgãos jurisdicionais. Esse julgamento também levará a discussões importantes, como o fim do foro privilegiado. Sem falar que a composição do Supremo começou a ser questionada. Eu defendo que haja mandato para os ministros, acho que isso é salutar. Por fim, acho que o julgamento do mensalão contribuirá para a diminuir a corrupção no Brasil. Ficou mostrado hoje que o crime não compensa.