terça-feira, 30 de dezembro de 2025

Desemprego cai a 5,2% até novembro e renova mínima da série histórica, FSP

 

Rio de Janeiro

A taxa de desemprego do Brasil caiu a 5,2% no trimestre até novembro, após marcar 5,6% nos três meses encerrados em agosto, que servem de base de comparação, apontam dados divulgados nesta terça (30) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Com o resultado, o indicador renovou a mínima da série histórica iniciada em 2012, mesmo em um cenário de desaceleração da economia com os juros altos para conter a inflação.

Até a divulgação desta terça, a menor taxa havia sido de 5,4% nos três meses encerrados em outubro deste ano. O IBGE, contudo, evita a comparação direta entre trimestres com meses repetidos, como é o caso dos finalizados em outubro e novembro.

A taxa de 5,2% surpreendeu analistas ao ficar abaixo da mediana das projeções do mercado financeiro, que era de 5,4%, conforme a agência Bloomberg.

"O mercado de trabalho está, de fato, aquecido. Tem se mostrado mais resiliente do que a atividade econômica", afirma o economista Rodolpho Tobler, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

PUBLICIDADE

Para o pesquisador, o PIB (Produto Interno Bruto) vem perdendo força de maneira "suave", apesar de a taxa básica de juros estar em 15% ao ano. Sem movimentos bruscos na atividade econômica, não se espera uma piora substancial nos dados de emprego e renda em 2026, segundo Tobler.

Ele diz que a taxa de desemprego pode ficar entre 6% e 6,5% ao longo do próximo ano, o que ainda é um nível baixo para os padrões históricos do Brasil. "É difícil imaginar que o mercado de trabalho vá piorar muito."

Os dados do IBGE integram a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua). O levantamento investiga tanto o mercado de trabalho formal quanto o informal.

NÚMERO DE DESEMPREGADOS TAMBÉM ATINGE MÍNIMA

No trimestre até novembro, o instituto encontrou 5,6 milhões de pessoas de 14 anos ou mais em busca de trabalho. É o menor número de desempregados já registrado na série. Houve redução de 441 mil ante o intervalo até agosto.

Ao longo da Pnad, o maior contingente de desocupados ocorreu no trimestre até março de 2021, na pandemia de Covid-19. À época, o indicador chegou a quase 15 milhões.

POPULAÇÃO COM TRABALHO BATE RECORDE

O menor desemprego da série foi acompanhado por um novo recorde do número de pessoas ocupadas com algum tipo de trabalho: 103 milhões. Houve acréscimo de 601 mil ante o trimestre até agosto.

Com isso, o nível de ocupação também renovou o maior patamar da série: 59%. Trata-se da proporção de pessoas de 14 anos ou mais que estavam trabalhando.

A coordenadora de pesquisas por amostra de domicílios do IBGE, Adriana Beringuy, disse que o mercado de trabalho tem mostrado capacidade de retenção da mão de obra em "nível muito satisfatório".

Segundo ela, isso contribui para reduzir a busca por emprego. "A gente pode afirmar que o ano de 2025 foi bastante satisfatório, porque o mercado de trabalho conseguiu assegurar, ou manter, os seus ganhos cumulativos."

O IBGE evita fazer projeções para os dados, mas Adriana reconheceu em entrevista que é possível que a taxa de desemprego fique abaixo de 5% no último trimestre de 2025.

A população fora da força, que não está trabalhando nem à procura de vagas, foi estimada em quase 66 milhões até novembro. Houve alta de 176 mil ante o trimestre encerrado em agosto.

A saída de brasileiros da força contribui para o desemprego não ser pressionado. Isso porque uma pessoa sem trabalho também precisa estar em busca de oportunidades para ser considerada desocupada.

A imagem mostra a entrada de uma loja de roupas, onde há um letreiro com a inscrição "Precisa-se de vendedora". 
Ao fundo, há várias peças de roupas penduradas em cabides, incluindo camisetas de diferentes cores.
Loja anuncia vaga de emprego no Brás, em São Paulo - Zanone Fraissat - 12.ago.25/Folhapress

GRUPO QUE INCLUI EDUCAÇÃO E SAÚDE PUXA OCUPAÇÃO

Entre os setores, a maior alta no número de trabalhadores ocupados veio do grupamento que inclui administração pública, educação e saúde.

Em relação aos três meses imediatamente anteriores, a população ocupada nesse ramo teve acréscimo de 492 mil pessoas até novembro.

Houve impacto de questões como a renovação de contratos na área de educação, conforme o IBGE.

Rodolpho Tobler, do FGV Ibre, diz que a "demanda reprimida" por concursos e o aumento de gastos de estados e municípios podem estar por trás de admissões temporárias no setor público.

Em termos absolutos, a construção teve a segunda maior ampliação do número de ocupados até novembro (+135 mil).

Já o grupamento que inclui o comércio teve um desempenho mais tímido (+34 mil), mesmo com a movimentação da Black Friday.

indústria, por sua vez, teve fechamento de vagas (-32 mil). Fábricas e lojas são influenciadas pelos juros altos.

"Como a administração pública é menos sensível ao ciclo econômico, essa melhora do emprego não deve ser interpretada como um sinal de que a política monetária não esteja funcionando. Pelo contrário, os setores mais sensíveis à taxa de juros seguem sem apresentar dinâmica de aceleração do emprego", afirmou André Valério, economista sênior do banco Inter.

"Ainda assim, o quadro geral do mercado de trabalho permanece bastante positivo", acrescentou.

Conforme o IBGE, o número de empregados com carteira assinada no setor privado bateu recorde até novembro (39,4 milhões).

Outras máximas foram registradas pelos empregados no setor público (13,1 milhões) e pelos trabalhadores por conta própria (26 milhões).

RENDA RENOVA RECORDE

Em média, a renda real habitual de todos os trabalhos alcançou R$ 3.574 por mês no trimestre até novembro. É mais um recorde da Pnad.

O rendimento subiu 1,8% ante o trimestre encerrado em agosto (R$ 3.509). Em um ano, avançou 4,5%, já que estava em R$ 3.420 até novembro de 2024.

A economista Claudia Moreno, do C6 Bank, diz que o mercado de trabalho continuará "forte" até o fim do ano que vem. Segundo ela, a taxa de desemprego deve terminar 2025 e 2026 abaixo de 6%.

"Um mercado de trabalho sólido ajuda a sustentar a atividade econômica, o que é positivo para o país. Por outro lado, esse cenário traz desafios para o controle da inflação, principalmente no setor de serviços", afirma.

De acordo com Claudia, os dados da Pnad reforçam a expectativa de manutenção da taxa básica de juros em 15% na reunião de janeiro do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC (Banco Central).

"Acreditamos que o ciclo de cortes deve começar em março, com os juros chegando a 13% no fim de 2026", afirma.

Os indicadores de emprego e renda vêm em uma trajetória de recuperação no país após a pandemia. Segundo analistas, o movimento refletiu uma combinação de fatores.

A lista inclui o desempenho aquecido da economia em meio a medidas de estímulo do governo federal, além das mudanças demográficas com o envelhecimento da população e dos impactos da tecnologia na geração de vagas.

No trimestre até novembro, a taxa de informalidade foi de 37,7%. Isso representa um recuo ante o período até agosto (38%), embora o patamar siga próximo de 40%.

Ao longo da série histórica, os informais chegaram a representar 41,1% da mão de obra no trimestre até agosto de 2019. É o recorde da série.

Taxas de informalidade menores do que a mais recente (37,7%) só foram observadas em 2020. À época, a pandemia expulsou do mercado principalmente os profissionais sem registro.

Faça a América doente de novo, Hélio Schwartsman, FSP

 A tática de Robert Kennedy Jr., o secretário de Saúde de Trump, para reduzir a lista de vacinas recomendadas pelo governo federal até que tem seu apelo. Ele diz que está apenas usando de bom senso e espelhando as recomendações da Dinamarca —uma nação rica da Europa que apresenta indicadores de saúde bem melhores que os dos EUA.

Um incauto até poderia se sentir tentado a abraçar o argumento. Não só a Dinamarca, mas vários países europeus têm listas de vacinas da infância bem mais curtas que a dos EUA. É que no velho continente existem bons sistemas de saúde pública e as doenças infecciosas estão mais contidas do que no novo mundo. Ali, sai mais barato diagnosticar e tratar precocemente os poucos casos que surgirão do que vacinar todas as crianças contra moléstias que elas nunca pegarão.

E as autoridades sanitárias europeias não padecem de antivacinismo ideológico. Se a situação epidemiológica mudar, as vacinas serão rapidamente incluídas no calendário de imunizações.

Homem de cabelos grisalhos veste terno azul escuro com camisa branca e gravata preta, sentado em cadeira de couro marrom, em ambiente interno com cortinas bege ao fundo.
O secretário de Saúde dos EUA, Robert F. Kennedy Jr., em reunião de Gabinete na Casa Branca, em Washington (EUA) - Andrew Caballero-Reynolds - 2.dez.25/AFP

Às vezes eu sinto inveja de tempos de epistemologia mais simples, nos quais, exagerando só um pouco, bastava ver para crer, como epitomizou são Tomé. Mesmo Galileu Galilei, na versão algo fantasiosa de Brecht, não pedia aos inquisidores mais do que olhar no telescópio e visualizar as luas de Júpiter. Não olharam.

A ciência hoje se ampara fortemente na estatística e não raro recorre a entidades meio abstratas como os contrafactuais. Isso não a torna pior, mas, como nem todo mundo consegue acompanhar os cálculos, abre-se um flanco para teorias da conspiração e ideologias predatórias.

E o que as estatísticas dizem sobre vacinas? Um amplo estudo publicado por The Lancet em 2024 mostrou que os esforços globais de imunização salvaram, nos 50 anos anteriores ao trabalho, 154 milhões de vidas, o que representa uma vida poupada a cada seis minutos ao longo de meio século.

PUBLICIDADE

É difícil até imaginar tecnologia mais exitosa. É ela que Kennedy e sua turma estão, por falta de visão, empenhados em destruir.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2025

Nem robôs nem altos custos: técnica brasileira inova cirurgia do câncer de próstata no SUS, g1

 O câncer de próstata é o tumor mais frequente entre homens no Brasil, excetuando-se os cânceres de pele não melanoma. Diante desse cenário, a busca por técnicas cirúrgicas eficazes, seguras e acessíveis torna-se um desafio estratégico para sistemas de saúde públicos e privados.

A prostatectomia radical — cirurgia que remove completamente a próstata com intenção curativa — evoluiu substancialmente nas últimas décadas. A evolução foi impulsionada por avanços tecnológicos e pelo refinamento do conhecimento anatômico. No entanto, a incorporação dessas inovações ainda ocorre de forma desigual entre países e instituições.

Nos anos 1980, o urologista Patrick Walsh revolucionou a cirurgia ao demonstrar ser possível preservar os feixes nervosos responsáveis pela ereção. A técnica reduziu complicações e melhorou a qualidade de vida pós-operatória.

Na década de 1990, a laparoscopia representou novo salto, ao permitir incisões menores e recuperação mais rápida. Contudo, a elevada complexidade técnica e a longa curva de aprendizado dificultaram sua disseminação, sendo plenamente dominada apenas por poucos cirurgiões.

Revolução da robótica

A introdução da cirurgia robótica nos anos 2000 alterou esse panorama. O sistema da Vinci ampliou a precisão dos movimentos, ofereceu visão tridimensional e facilitou a execução da prostatectomia laparoscópica.

Entretanto, o custo extremamente elevado do equipamento — somando aquisição, manutenção e instrumentais descartáveis — limitou sua expansão em países de renda média, como o Brasil.

Ainda assim, estudos científicos demonstram que os resultados oncológicos e funcionais da cirurgia robótica são equivalentes aos obtidos pela cirurgia aberta tradicional. Sua principal vantagem reside na recuperação mais rápida.

Manter hábitos saudáveis e prática regular de atividades físicas ajuda a reduzir o risco de câncer de próstata. — Foto: Dr. Valter Gouvêa/Assessoria

Manter hábitos saudáveis e prática regular de atividades físicas ajuda a reduzir o risco de câncer de próstata. — Foto: Dr. Valter Gouvêa/Assessoria

Inovação sem tecnologia dispendiosa

Foi nesse contexto de desigualdade tecnológica que uma equipe do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe-Uerj) decidiu enfrentar uma pergunta crucial.

Seria possível incorporar os benefícios da cirurgia robótica — melhor visualização, dissecção mais precisa e preservação anatômica — à cirurgia aberta, sem recorrer a tecnologias dispendiosas?

A resposta foi o desenvolvimento da AORP (do inglês Open Anterograde Anatomic Radical Prostatectomy), uma técnica inovadora que adapta os princípios da cirurgia robótica ao ambiente da cirurgia aberta.

A AORP surgiu em 2015 após extensa revisão de técnicas abertas, laparoscópicas e robóticas. Três pilares foram identificados como determinantes para melhores resultados funcionais: dissecção anterógrada, preservação do colo vesical e da uretra abdominal, e anastomose contínua segundo a técnica de Van Velthoven.

Com esses fundamentos, os pesquisadores da Uerj desenvolveram um método capaz de reproduzir a lógica da cirurgia robótica, utilizando apenas instrumentos convencionais, sem gerar custos adicionais.

A pesquisa seguiu rigorosamente as melhores práticas científicas, com aprovação do Comitê de Ética do Hospital Universitário Pedro Ernesto e registro no Clinical Trials.

Estudos com pacientes

Após um estudo piloto com 10 pacientes, cujos resultados foram altamente promissores, a equipe realizou um ensaio clínico randomizado com 240 pacientes, entre 2016 e 2019.

Os resultados foram expressivos: pacientes operados pela técnica AORP apresentaram menor perda sanguínea, menor tempo de anastomose, redução no período de uso de sonda urinária e, sobretudo, recuperação urinária substancialmente mais rápida.

Em 30 dias, 60,9% dos pacientes do grupo AORP estavam continentes, em comparação a apenas 42% no grupo submetido à técnica tradicional. Além disso, observou-se menor taxa de complicações e maior preservação nervosa, fundamentais para a função sexual.

No controle oncológico — objetivo central de qualquer cirurgia para câncer — as duas técnicas foram equivalentes, demonstrando que a AORP não compromete a segurança em favor da funcionalidade.

Estudos anteriores já indicavam que a tecnologia robótica não melhora a cura oncológica em relação às técnicas abertas. Agora, a AORP reforça que bons resultados dependem mais da precisão técnica do que de plataformas tecnológicas de alto custo.

Um estudo com resultados de cinco anos de seguimento, em fase final de publicação, comparando a AORP com a técnica tradicional, revelou controle oncológico idêntico entre ambas, reforçando a segurança do procedimento proposto.

Um outro artigo comparando retrospectivamente a AORP à prostatectomia robótica, realizado em 252 pacientes (126 em cada grupo), mostrou resultados semelhantes quanto ao sangramento, tempo de internação, tempo de sonda vesical e controle do câncer. Este estudo está em fase de submissão para publicação.

Atualmente, a AORP se apresenta como alternativa estratégica para países sem acesso ampliado à cirurgia robótica. Por utilizar apenas materiais tradicionais e dispensar equipamentos caros, a técnica pode democratizar o acesso a um padrão cirúrgico avançado.

Em serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), onde a robótica é exceção, a AORP representa um possível marco transformador.

O câncer de próstata é um dos mais comuns entre os homens — Foto: Getty Images

O câncer de próstata é um dos mais comuns entre os homens — Foto: Getty Images

Custos quatro vezes menores

Comparações recentes entre AORP e cirurgia robótica demonstraram tempos de internação semelhantes e recuperação funcional equivalente, mas com custo quase quatro vezes menor — descontada a aquisição da plataforma robótica.

Essa economia é particularmente relevante em hospitais públicos, que enfrentam orçamentos limitados e demanda crescente. Além de sua aplicabilidade prática, a AORP evidencia que inovação não depende exclusivamente de tecnologia avançada. Depende, sobretudo, de domínio anatômico, refinamento técnico e criatividade cirúrgica.

A equipe do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Uerj demonstrou ser possível transformar um procedimento tradicional sem recorrer a robôs, tornando-o mais eficiente e acessível.

Em países em desenvolvimento, essa abordagem pode ser decisiva. A técnica também tem potencial para qualificar a formação de novos cirurgiões. Ao incorporar princípios robóticos à cirurgia aberta, a AORP atua como ponte pedagógica para profissionais que, futuramente, poderão migrar para centros que dispõem de robótica. Assim, ela não apenas aprimora resultados, mas amplia oportunidades de capacitação.

Inovações transformadoras

O caso da AORP evidencia a capacidade da medicina brasileira de produzir inovação com impacto internacional. A técnica já desperta interesse de pesquisadores e cirurgiões de outros países que enfrentam limitações semelhantes em relação à robótica.

Se a cirurgia robótica representou o futuro da urologia em contextos de alta renda, a AORP pode representar o futuro da urologia em cenários de acesso restrito. E garante que avanços tecnológicos se convertam em benefícios reais para a população.

A democratização do cuidado em saúde depende de soluções inteligentes, acessíveis e eficientes. A AORP é um exemplo de como ciência, criatividade e compromisso com o paciente podem gerar inovações transformadoras, mesmo em ambientes com restrições orçamentárias.

Essa técnica brasileira tem potencial para impactar milhares de vidas — e expandir as fronteiras do que entendemos como cirurgia de alta performance.