domingo, 26 de outubro de 2025

Carregador de carro elétrico vira briga em condomínios: ‘Devo ser o 1º síndico destituído por isso’, FSP

 

Foto do autor Malu Mões

Síndicos e advogados condominiais alertam: a briga da vez nos prédios é sobre carregadores de carros elétricos. Diante do aumento da circulação desses veículos no Brasil, cresce a demanda para adaptar os edifícios e também as dúvidas sobre conduzir o processo com segurança.

Alguns órgãos técnicos têm criado as primeiras recomendações sobre carregadores, mas não há uma lei que padronize os protocolos para todo o País. Nesse cenário, os conflitos nos condomínios têm resultado em destituição de síndico e até disputas na Justiça.

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O Brasil tem mais de 500 mil veículos elétricos, segundo a ABVE, associação do setor. Só na cidade de São Paulo, mais de 70 mil já foram comprados.

O jornalista Daniel Castro, 58 anos, assumiu como síndico do edifício onde mora, na Bela Vista, região central de São Paulo, em março. Na assembleia em que foi eleito, a então síndica do prédio também obteve aval para instalar um carregador para seu carro elétrico em sua vaga de garagem.

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A vizinha arcaria com os custos e o serviço seria executado somente mediante Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) de engenheiro eletricista.

Castro, porém, viu que a situação não era tão simples. “O prédio é de 1965. A estrutura elétrica é antiga. A garagem é subterrânea, apertada e difícil de manobrar. Quais normas precisamos seguir para a instalação segura? Nem os bombeiros decidiram sobre isso ainda”, diz.

Em abril de 2024, o Corpo de Bombeiros de São Paulo submeteu para consulta pública sugestões de diretrizes, que previam detector de incêndio, chuveiros automáticos, cinco metros de distância entre veículos, ou, então, parede corta-fogo separando o automóvel em recarga.

No documento, a corporação justificava a urgência da regulamentação “devido ao potencial risco de ignição das baterias de lítio, que podem aumentar consideravelmente a carga de incêndio”, e ressaltava que as chamas dos equipamentos “exigem grande volume de água para extinção”.

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Mas, um ano e meio depois, o Corpo de Bombeiros paulista diz que “as regulamentações ainda estão em estudo técnico e não há definições oficiais finalizadas” — nem prazo para concluir. Apesar disso, reforça a obrigatoriedade de tomada exclusiva para cada carregador, adaptada ao dispositivo e instalada por engenheiro eletricista com ART.

Para Castro, a instituição é “omissa” pela ausência das orientações. Sem lei ou regra oficial para se basear, o então síndico diz ter enfrentado resistência dos vizinhos ao buscar protocolos de segurança.

O impasse se intensificou com laudos conflitantes. Uma análise técnica contratada pelo condomínio desaconselhou a instalação devido à infraestrutura elétrica existente. A modernização necessária custaria cerca de R$ 300 mil — valor que, na visão do síndico, deveria ser destinado a problemas mais urgentes.

“O prédio tem infiltração nas escadas. A caixa-d’água não fecha direito e entram mosquito e barata.” Os moradores interessados na tecnologia contrataram um segundo laudo, que chegou à conclusão oposta: a rede elétrica suportaria, com segurança, um carregador por apartamento.

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Mesmo assim, Castro foi contrário. “Se houvesse incêndio, o prédio ruísse e alguém morresse, eu seria o responsável. Poderia ser processado ou preso. Prefiro ser deposto a correr esse risco.”

Sete meses após ser eleito, foi exatamente o que aconteceu. Ele perdeu o cargo — segundo os moradores, por descumprir decisão anterior da assembleia que autorizava o ponto de recarga.

A nova síndica, Cora Andraus, declara, em nota, que a destituição seguiu “estrita observância dos requisitos legais e transcorreu de forma responsável e democrática”. Afirma ainda que “eventual futura implantação [de carregadores elétricos] seguirá todas as normas vigentes e será acompanhada por engenheiro habilitado.”

A ausência de regulamentação tem levado disputas semelhantes aos tribunais. Há processos em São Paulo, Pernambuco e Mato Grosso.

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Em Cuiabá, a autônoma Michelle de Sá Bozetti, de 37 anos, e sua família obtiveram na Justiça o direito de manter seu carregador, mas a síndica tenta reverter a decisão. Sete condôminos haviam instalado os equipamentos sem aprovação em assembleia.

Um laudo técnico concluiu que o sistema elétrico não comportava a demanda e determinou a remoção dos aparelhos. Seis apartamentos obedeceram. O sétimo, da família de Michelle, diz ter autorização do síndico anterior e se recusa.

“Eles cumpriram as regras, avisaram o síndico. Depois de mais de um ano, quando mudou de gestão, há esse questionamento?”, argumenta o advogado dos moradores desse apartamento, Carlos Eduardo Maluf Pereira.

Já o responsável pela defesa do condomínio, Luciano Rodrigues Dantas, defende que qualquer intervenção em área comum exige aprovação coletiva. “Como o carregador interfere na segurança e na capacidade elétrica de todos, deve passar pelo crivo da assembleia”, afirma.

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A jornalista Bruna Machado, de 38 anos, também de São Paulo, buscou economia e praticidade, mas teve um contratempo. “Troquei de veículo porque gastava mais de R$ 1 mil por mês com combustível. Hoje gasto menos de R$ 200. Mas imaginei que poderia carregar em casa, à noite. Seria a maior facilidade”, conta.

O condomínio, no entanto, vetou a instalação. “Nem me deixaram levar um engenheiro para estudar a viabilidade. Sou obrigada a ir a shoppings ou supermercados para carregar o carro.”

Afinal, quais são as normas?

Presidente da Comissão de Advocacia Condominial da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Rodrigo Karpat diz que a instalação de carregadores exige aprovação em assembleia e laudo de engenheiro eletricista.

“No Brasil, há um vácuo de legislação, que traz insegurança jurídica tremenda”, diz. Segundo ele, ainda não há jurisprudência consolidada. “Os processos são embrionários e discutem mais o rito de aprovação em assembleias do que o mérito do risco”, continua Karpat.

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Em agosto, o Conselho Nacional de Comandantes-Gerais dos Corpos de Bombeiros Militares (LigaBom) publicou diretrizes sobre carregadores: incluir detector de incêndio, chuveiros automáticos e botão de desligamento de emergência sinalizado.

“A urgência desta atualização é corroborada por sinistros de grande magnitude, que demonstraram a rápida propagação de incêndios, culminando em danos extensivos e, em alguns casos, no colapso estrutural das edificações”, escreveu a entidade no documento.

Nesta semana, o Brasil teve o primeiro registro de incêndio de um veículo 100% elétrico: um BYD Dolphin em Santa Maria (RS). O carro estava sendo carregado em uma estrutura improvisada, que saía da sacada de um apartamento.

Para a LigaBom, esses episódios “expõem a vulnerabilidade das construções frente aos novos padrões de inflamabilidade veicular”. Entre 2018 e e este ano, o Estado de São Paulo registrou média anual de 25 acidentes envolvendo veículos elétricos e híbridos.

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Karpat ressalta que as orientações da LigaBom não têm caráter obrigatório, mas devem servir de base para regulamentações estaduais — essas, sim, com força de lei. Ele observa que as exigências poderão ser incorporadas ao Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), necessário para o pagamento de seguro, em caso de incêndio. Por ora, não há exigências a respeito dos carregadores no AVCB.

“A diretriz da LigaBom gerou pânico nos defensores de carros elétricos, por avaliarem que as exigências impossibilitam os pontos de recarga. Por outro lado, a instalação em condomínios é indiscriminada. Muitas empresas dão o carregador de brinde na compra do veículo e ele é montado inadvertidamente na garagem. Isso traz discórdia no condomínio, porque as pessoas querem saber quem paga a conta de energia, por mais que ela seja ínfima”, diz Karpat.

Presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico, Ricardo Basto, afirma que o setor concorda com a maioria das recomendações da LigaBom, exceto a obrigatoriedade do chuveiro automático. “Entendemos que ainda não há maturidade na discussão sobre a efetividade de segurança deles, e até mesmo de avaliação de seu custo econômico”, diz.

Só o custo de instalação do carregador residencial varia de R$ 2 mil a R$ 3 mil, além do preço do equipamento (R$ 6 mil a R$ 8 mil). Já a conta de energia do equipamento é de, segundo Basto, cerca de 1/5 da despesa com combustível por um veículo de mesmo porte e autonomia.

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Para Basto, os chuveiros ajudam a combater em caso de chamas, mas o que evita o fogo é uma instalação elétrica correta. “Quando feita com segurança, o risco é mínimo.”

A concessionária Enel, responsável pelo abastecimento de energia em São Paulo, informa que a instalação não exige aviso obrigatório às fornecedoras de eletricidade por se tratar de uso interno. “Porém, é recomendável informar a distribuidora caso o equipamento aumente significativamente o consumo, evitando sobrecarga e danos à rede interna”, informou, por nota.

A empresa ainda afirma que o usuário deve garantir que a instalação elétrica suporte a nova demanda. “Nos condomínios, também não há obrigatoriedade de registro, mas é indicado solicitar aumento de carga, principalmente em locais com vários pontos de recarga”, destaca.

Lula entre Jacarta e a luta pelo voto, Rolf Kuntz, OESP

 Notícia de presente

O mundo terá de recuar milênios, voltando talvez à fase inicial do comércio entre gregos e fenícios, para ficar ao gosto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Guiado em assuntos internacionais por ideias singularíssimas, ele consegue misturar no mesmo discurso a defesa do multilateralismo e a pregação do comércio com moedas emitidas pelos parceiros — ou até sem moedas, como se fazia na aurora da civilização mediterrânea. Essa arenga foi retomada em Jacarta, em cerimônia com o presidente indonésio Prabowo Subianto, na reunião de líderes da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean).

Com o fortalecimento da União Europeia e com a crescente importância comercial da China, talvez o sistema de pagamentos evolua para novas formas de operação e para a consolidação de novas moedas de uso global. Mas essas transformações, normalmente complexas, podem ser lentas, envolvem a combinação de interesses variados e muito dificilmente — talvez nunca — se resolverão no interior de grupos como o Brics.

Diverso e formado por países com interesses nem sempre convergentes, o Brics, inicialmente Bric, nasceu como sigla inventada em 2001 pelo economista britânico Jim O’Neill, do Goldman Sachs, para indicar quatro países com grande potencial de crescimento – Brasil, Rússia, Índia e China. O ministro brasileiro Guido Mantega decidiu levar a sério a ideia de um grupo. Os governos dos três outros países simplesmente aceitaram a iniciativa e também concordaram, mais tarde, com a admissão de um quinto participante, a África do Sul. Do nome inglês South Africa veio a letra “s” no final da sigla.

O grupo cresceu, com a adesão de vários países convidados, incluídas nações árabes produtoras de petróleo, e seu associado mais influente é obviamente a China, embora o mais barulhento seja o Brasil. O conjunto pouco tem feito para tornar a ordem global mais cooperativa e mais equitativa. Tem servido principalmente como palanque antiamericano e como afirmação de um poder paralelo ao do capitalismo tradicional, aquele representado principalmente por Estados Unidos, Europa Ocidental e, de modo mais discreto, pelo Japão. O velho capitalismo continua poderoso, seus padrões comerciais se mantêm predominantes e acumular dólares é ainda um objetivo normal na maior parte do mundo avançado, emergente e em desenvolvimento.

Qualquer viajante pode, é claro, desembarcar na Europa com reais, pesos argentinos ou rúpias indonésias, mas só poderá circular, consumir ou investir depois de converter seu dinheiro na moeda local, aceitando uma taxa de câmbio talvez pouco atraente. A mesma limitação ocorrerá se for utilizado um cartão de crédito. Essa restrição dificilmente será eliminada por meio de protestos contra os padrões monetários dominantes.

Além do mais, nem no Brasil a oposição do presidente Lula ao predomínio da moeda americana tem produzido efeitos. Com resultados positivos no intercâmbio internacional, o País detinha no início de outubro reservas avaliadas em US$ 357 bilhões. No mês anterior, correspondiam a US$ 350,8 bilhões. Neste século, o País tem mantido um razoável padrão de segurança cambial, com benefícios dificilmente avaliáveis por quem nunca viveu tempos de crise nas contas externas. Crises desse tipo ainda têm ocorrido, de forma recorrente, na economia argentina, embora o país seja importante exportador de matérias-primas e ocupe uma posição destacada no mercado internacional da carne.

O presidente Lula enfrentou a fase final de uma crise desse tipo em seu primeiro mandato. Conseguiu superá-la sem dificuldades muito grandes porque havia herdado uma situação fiscal e monetária razoável, muito diferente das condições vividas no Brasil nos anos 1980 e em parte da década seguinte.

Na primeira metade do atual mandato, foi mantido um quadro fiscal favorável, graças à gestão prudente das finanças públicas. As contas do poder federal pioraram recentemente, mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem procurado evitar uma evolução desastrosa nos próximos anos. O interesse do presidente Lula nas eleições programadas para 2026 tem complicado a ação preventiva do ministro.

A tentação da gastança e das bondades fiscais tende a crescer quando se aproximam eleições. Como o presidente Lula anunciou a intenção de concorrer mais uma vez no próximo ano, parece razoável — sem antecipar um julgamento — dar atenção especial, a partir de agora, ao tratamento das contas públicas. A prudência do ministro Haddad pode ser insuficiente para os cuidados fiscais, se a competição eleitoral afetar a condução do governo e prejudicar a gestão financeira. Vale a pena, também, dar atenção às possíveis tentativas partidárias de influenciar as ações do poder federal.

Num quadro de polarização política, a disputa eleitoral do próximo ano poderá ser mais dura e mais custosa, do que talvez se calcule neste momento. Quem já está no poder, no entanto, parte normalmente de uma situação vantajosa. Isso pode tornar menos necessária uma gastança especial.