quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Com reservatórios no limite, cidades do interior de SP decretam emergência e buscam fontes alternativas, FSP

 

Vista aérea mostra leito de rio seco com solo rachado e áreas de vegetação verde nas margens. Faixas de diferentes tons de verde e marrom indicam variações no terreno e umidade.

Reservatório de Marimbondo, no interior de São Paulo, que opera com menos de 30% de sua capacidade - Joel Silva / Fotoarena/Agência O Globo

São Paulo

O prolongado período de estiagem que São Paulo enfrenta tem levado prefeituras paulistas a decretar emergência hídrica e buscar fontes alternativas de captação ante os baixos níveis dos reservatórios.

O problema atinge também represas de hidrelétricas da bacia do Rio Grande, responsável por 25% da energia produzida no subsistema Sudeste-Centro-Oeste do país. O ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) diz que monitora a situação.

Rio com grande extensão de leito exposto devido ao baixo nível de água, com áreas de lama e pouca água acumulada. Duas pequenas embarcações estão paradas na margem lamacenta, próximas a uma estrutura simples de abrigo. Vegetação verde circunda o rio, e ao fundo há uma linha de árvores sob céu claro.
Imagem de drone mostra a represa de Marimbondo, na cidade de Guaraci (SP) - Joel Silva/Fotoarena/Folhapress

Na região de Sorocaba, Mairinque obteve na terça-feira (21) outorga emergencial do governo paulista para captar água em um ribeirão ligado à represa de Itupararanga. A medida tem validade de 90 dias e busca minimizar a seca que atingiu o reservatório nos últimos meses.

A cidade de Várzea Paulista (na região de Jundiaí) também buscou fontes alternativas no mês passado após problemas no abastecimento.

A solução encontrada pela Sabesp, concessionária do município, envolveu a abertura de novos pontos de captação para reduzir oscilações na distribuição de água —em um comunicado, a companhia se desculpou com moradores por intermitências na rede. Em nota, disse que a situação já se normalizou.

Em Americana, o decreto de emergência hídrica publicado em 30 de setembro para combater problemas no abastecimento permanece vigente. O município é abastecido pelo rio Piracicaba e também enfrentou problemas na distribuição de água às residências, o que levou a cidade a lançar um projeto de combate a perdas.

Também editou decreto semelhante a cidade de Amparo. A gestão municipal afirma que a medida decorre "da redução de captação de água bruta e consequentemente da diminuição do volume de água potável à disposição da população". Na época, o rio Camanducaia estava com níveis críticos de vazão.

O município afirma promover investimentos recordes no sistema de saneamento e que aguarda liberação de R$ 40 milhões para construir uma Estação de Tratamento de Água.

Há locais antes críticos onde o abastecimento de água ganhou fôlego após chuvas registradas na metade de outubro.

É o caso de Bauru (SP), que enfrentava desde agosto um duro racionamento de água e viu a situação se normalizar somente após fortes chuvas na metade de outubro. O monitoramento do reservatório continua, diz a autarquia responsável pelo setor.

O período de estiagem impacta também reservatórios de hidrelétricas da bacia do Rio Grande, na divisa de São Paulo com Minas Gerais, que responde a 25% da produção hidráulica do Sudeste e Centro-Oeste. Quatro represas compõem o sistema, três das quais funcionam com volume inferior a 40%; dessas, duas estão abaixo de 30%.

O reservatório mais crítico é o de Água Vermelha, na divisa dos estados, que opera com 24,5% da capacidade. Na sequência vêm os de Marimbondo (29,11%) e Furnas (36,65%), ambos administrados pela Axia Energia (ex-Eletrobras). A companhia afirma que o volume está dentro do esperado para o final da estiagem e que iniciou projetos para recuperar áreas degradadas na região.

O Operador Nacional, por sua vez, diz que faz monitoramento contínuo do cenário e indica, quando necessário, "ações adicionais ao Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico".

Afirma ainda que o principal desafio para a transição do período seco ao chuvoso "é o atendimento à ponta de carga, horário em que a demanda atinge valores elevados".

O problema, afirma, é que isso pode implicar também no aumento de gastos. "Nesse cenário de seca prolongada, pode ser necessário o acionamento de maior quantidade de usinas termelétricas, o que tende a aumentar o custo da operação."

O ONS disse ainda que a diversificação da matriz energética "permite a utilização dos recursos das outras fontes disponíveis aproveitando ao máximo cada fonte" e que o Sistema Nacional Interligado tem "diversos reservatórios de regularização que permitem o armazenamento das afluências do período chuvoso para uso no período seco".

Na capital paulista e região metropolitana a situação é também delicada.

A SP Águas, agência reguladora do estado, editou no final de setembro decreto de escassez hídrica que suspendeu novas outorgas nas bacias do Alto Tietê e do Rio Piracicaba. A medida veio na esteira de um anúncio feito pela Sabesp de redução na vazão de água durante o período noturno.

Em nota, o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou que menor pressão à noite evitou o consumo de 25 bilhões de litros d’água, "volume equivalente ao consumo somado de Santo André, São Bernardo, Diadema e Mauá durante dois meses".

O Sistema Integrado Metropolitano, gerenciado pela Sabesp e que reúne os sete mananciais que abastecem a capital paulista e arredores, operava nesta quarta-feira (22) com 29,1% da capacidade.

O baixo volume é puxado pelos baixos níveis em que se encontram os sistemas Alto Tietê e Cantareira, maiores reservatórios do complexo. O primeiro registrava nesta quarta 23,1% de reservação, o menor volume desde dezembro de 2015. O segundo, cuja vazão está reduzida desde o decreto de escassez hídrica, com 24,6%.

O estado afirmou que atua para viabilizar investimentos estruturantes para reforçar a segurança hídrica na Grande São Paulo, incluindo novas interligações e a ampliação do Sistema Integrado Metropolitano.

Gerente nacional de águas da ONG (Organização Não Governamental) The Nature Conservancy Brasil, o biólogo Samuel Barreto diz que municípios, com apoio de demais entes federativos, devem buscar projetos de captação alternativa de forma preventiva, e não emergencial. "Não dá para ficar rezando para São Pedro quando vem a crise", afirma.

Monitoramento no home office: entre a produtividade e a privacidade, FSP

 Filipe Gustavo Potzmann Pereira

sócio do Granadeiro Guimarães Advogados

O avanço do home office trouxe flexibilidade, mas também gerou debate sobre até onde a empresa pode controlar a produtividade sem invadir a vida privada do trabalhador. Fala-se no uso de softwares que registram tempo de conexão, aplicativos que capturam telas e a exigência de câmeras ligadas durante a jornada. A legislação prevê o teletrabalho, mas não define com clareza os limites do monitoramento, resultando em incertezas, decisões judiciais divergentes e necessidade de se fixar balizas mais claras.

Embora muitas vezes usados como sinônimos, teletrabalho e home office não são iguais. O teletrabalho é a expressão adotada pela CLT ( Consolidação das Leis do Trabalho ), com previsão legal e regras específicas sobre jornada e fornecimento de equipamentos. Já o home office é um termo popular, que designa de forma mais ampla o trabalho feito de casa, seja em tempo integral, híbrido ou apenas em alguns dias da semana.

A imagem mostra um ambiente de escritório moderno, com várias estações de trabalho organizadas em cubículos. As paredes dos cubículos são de cor azul clara, e há computadores em cada estação. O espaço é bem iluminado, com janelas grandes que permitem a entrada de luz natural. No fundo, é possível ver mais cubículos e uma área de trabalho vazia.
Imagem de uma das sedes do Ministério da Fazenda, que tem o número de servidores em teletrabalho no governo federal - Folhapress

A CLT passou a disciplinar o teletrabalho em 2017, e foi atualizada em 2022, após a publicação da Lei nº 14.442/22. A legislação assegura às empresas o direito de acompanhar a prestação de serviços, inclusive quanto à jornada, quando pactuada. Mas há limites. Não se permite qualquer prática que afronte direitos fundamentais, como intimidade e vida privada. Controles de login, acesso a sistemas e acompanhamento de tarefas costumam ser aceitos, enquanto medidas invasivas, como a vigilância contínua por câmera, geram forte controvérsia.

O teletrabalho pode ser definido tanto em contrato individual quanto em acordo ou convenção coletiva. No contrato, a CLT exige que sejam descritas condições da atividade, responsabilidades sobre equipamentos e reembolso de despesas. Já a negociação coletiva abre espaço para sindicatos e empresas estabelecerem regras sobre jornada, ergonomia e até o chamado direito à desconexão. Para ambos os casos, o STF já decidiu que o negociado pode prevalecer sobre o legislado, mas não pode afastar direitos indisponíveis, como saúde, segurança, dignidade e privacidade.

O Judiciário ainda não consolidou uma linha única. Há decisões que validam softwares de rastreamento quando usados de forma proporcional, transparente e previamente comunicada ao empregado. Outras consideram abusivas práticas como exigir câmeras ligadas durante toda a jornada, por atentarem contra a dignidade. Além disso, os Tribunais Regionais do Trabalho e o TST têm reconhecido que, quando há mecanismos efetivos de controle da jornada, podem surgir discussões sobre o pagamento de horas extras, mesmo em contratos formalmente enquadrados como teletrabalho.

As controvérsias abordam: o pagamento de horas extras quando a jornada é monitorada, mas não remunerada; a privacidade, em ações que buscam indenização por monitoramento abusivo; e os custos de infraestrutura, em disputas sobre quem deve arcar com softwares, equipamentos e outras despesas necessárias.

O formato ainda gera debates e disputas judiciais. O desafio é equilibrar gestão e privacidade: monitorar é legítimo; vigiar a vida, não. Transparência, proporcionalidade e diálogo são o caminho para uma jurisprudência clara, que dê segurança às empresas e preserve direitos, tornando o trabalho remoto um modelo sustentável.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço Políticas e Justiça da Folha de S. Paulo sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Filipe Gustavo Potzmann Pereira foi "Winds of Change", de Scorpions.


'Lula escolhe quem ele quiser', Conrado Hübner Mendes, FSP

 Lula está para nomear seu 11º ministro ao STF. O indicado não destoará do padrão de homogeneidade das dez nomeações anteriores.

Ao longo de três mandatos, nomeou nove homens e uma mulher. Entre os homens, um negro. Trajetórias e origens pouco variadas. Dos dez, seis já não estão: Peluso (por 9 anos), Ayres Britto (9 anos), Barbosa (11 anos), Grau (6 anos), Lewandowski (17 anos) e Menezes Direito (2 anos). Quatro estão lá: Cármen Lúcia (há 19 anos), Dias Toffoli (há 16 anos), Zanin (há 2 anos) e Dino (há um ano e meio).

Dois homens de terno, um mais velho com cabelo e barba grisalhos e outro mais jovem com cabelo escuro, sentados lado a lado em mesa com documentos e copo de água. Ao fundo, brasão da República Federativa do Brasil em destaque.
O presidente Lula conversa com o ministro-chefe da AGU (Advocacia-Geral da União), Jorge Messias - Rafa Neddermeyer/Agência Brasil/Rafa Neddermeyer/Agência Brasi

O movimento por diversidade no STF ainda não descobriu o caminho do coração de Lula. Nem maneira de penetrar seu círculo masculino de lealdades político-jurídicas. Esse círculo fechado trabalha por nomeações em tempo integral, não apenas quando surge uma cadeira. Não subestime a dificuldade de competir com o estamento do centrão magistocrático e sua tecnologia de caça de poder e renda.

O argumento por diversidade se inspira na ideia de representação. Não a representação eleitoral, instrumento chave da mediação democrática, por meio do qual votamos num candidato e o identificamos como mandatário de interesses, mas representação simbólica de uma sociedade diversa e desigual. Não por apreço estético, mas por ganho em competência e legitimidade. Não um tribunal mais bonito, mas tribunal melhor.

O argumento por diversidade racial e regional, intelectual e de gênero não dispensa competência e integridade, "notório saber jurídico" e "reputação ilibada". Apenas propõe um critério a mais para desempatar.

E pede à esfera pública não normalizar que até ministro do STF possa dizer, sem consequência, que a "Corte precisa de pessoas corajosas e preparadas juridicamente, o senador Pacheco é o nosso candidato, o STF é jogo para adultos." Um recado indecoroso que faz explodir o índice de degradação do processo de nomeação ao tribunal.

A quem exerce o direito de defender toda nomeação judicial de Lula, pede-se apenas evitar argumentos abaixo da linha da inteligência, da honestidade e do decoro.

Há muitos exemplos. Como aqueles que, para confundir a discussão, dizem o óbvio do qual ninguém jamais discordou: "Lula tem prerrogativa para fazer a nomeação e escolhe quem ele quiser"; "O STF precisa de gente competente que defenda a Constituição e os direitos humanos."

Ou aqueles que apelam ao nonsense: "Pessoa negra? E o Joaquim Barbosa no mensalão? Mulher? E a Rosa Weber na Lava Jato?" "Por que não cobrou de Bolsonaro?".

Ou os argumentos que, levados ao limite, justificariam até o fim do sufrágio feminino: "Mulheres já são beneficiadas por políticas de Lula". Finalmente, os argumentos empiricamente falsos: "Lula já nomeou muitas mulheres aos tribunais."

Sobram três argumentos dignos de debate: "diversidade não importa", "pragmatismo político exige", "competência e integridade do indicado são inigualáveis na avaliação do presidente". Dão mais trabalho, pois exigem explicar e sustentar a irrelevância da diversidade, o sensor do pragmatismo na conjuntura, as noções de competência e integridade acima de qualquer alternativa.

Nada disso é trivial. Ainda menos numa era política em que cortes supremas viraram alvo primário do extremismo.