terça-feira, 21 de outubro de 2025

Sarkozy ficará isolado em prisão que já abrigou Chacal e Noriega; saiba mais sobre La Santé, FSP

 Layli Foroudi

Juliette Jabkhiro
Paris | Reuters

O ex-presidente da França Nicolas Sarkozy se apresentou à penitenciária de La Santé, em Paris, nesta terça-feira (21) para cumprir uma pena de cinco anos de prisão. Ele foi condenado por conspiração criminosa em um caso relacionado à tentativa de obter financiamento ilegal para sua campanha presidencial de 2007 com dinheiro da ditadura de Muammar Gaddafi (1942-2011), na Líbia.

O primeiro ex-mandatário francês a ser preso vai ficar em uma cela de nove metros quadrados, em um pavilhão isolado, por questão de segurança.

Grupo de policiais nacionais em uniforme preto reunidos ao lado de uma van preta da polícia, estacionada próxima a um muro alto de pedra em área urbana durante o dia.
Polícia francesa patrulha área da prisão de La Santé, em Paris - Abdul Saboor/Reuters

POR QUE LA SANTÉ?

Inaugurada em 1867, a prisão de La Santé é a única localizada dentro dos limites da cidade de Paris. Ao longo de sua história, já abrigou detentos ilustres, como o militar judeu Alfred Dreyfus ( 1859-1935), vítima de um erro judicial motivado por antissemitismo no final do século 19; o colaborador do regime nazista Maurice Papon (1910-2007); e Ahmed Ben Bella (1916-2012) , herói da independência da Argélia.

Em 1911, o poeta Guillaume Apollinaire (1880-1918) passou uma semana preso em La Santé, acusado erroneamente de envolvimento no roubo da "Mona Lisa", do Museu do Louvre. Também esteve ali o criminoso venezuelano Ilich Ramírez Sánchez, mais conhecido como Carlos, o Chacal.

Nicolas Sarkozy não é o primeiro chefe de Estado a ser detido em La Santé — antes dele, o ex-ditador do Panamá Manuel Noriega (1934-2017) também foi encarcerado no local.

Sarkozy será mantido na ala de isolamento da prisão —uma das mais seguras da França— o que significa que ficará sozinho em sua cela, no pátio e na sala de atividades, disse o diretor da administração prisional, Sébastien Cauwel, à rádio RTL nesta terça-feira.

O ex-assessor de Sarkozy Claude Guéant, um dos condenados na quinta-feira (16), cumprirá sua pena em uma ala especial para "pessoas vulneráveis" —os chamados "bairros VIP", onde figuras políticas proeminentes foram encarceradas no passado.

O Ministério da Justiça francês e a administração da prisão de Paris-La-Santé não responderam às perguntas da Reuters sobre onde exatamente Sarkozy será mantido.

A localização de La Santé, na capital, facilitará as visitas de amigos e familiares a Sarkozy. O ministro da Justiça, Gérald Darmanin, protegido político de Sarkozy e atualmente responsável pelo sistema prisional, disse na segunda-feira que visitaria o ex-presidente atrás das grades.

COMO SÃO AS CONDIÇÕES?

Os presos na ala "VIP" ficam em celas individuais —não nas unidades habituais de três pessoas— e são mantidos sozinhos durante as atividades ao ar livre, por razões de segurança, explicou o representante sindical dos guardas prisionais Wilfried Fonck à Reuters.

Fora isso, segundo Fonck, as condições não são melhores do que nas demais partes da prisão, onde as celas têm, em média, de nove a 12 metros quadrados.

As celas de isolamento, em uma ala separada, medem nove metros quadrados e possuem janelas com coberturas projetadas para limitar a comunicação entre os detentos, de acordo com um relatório de 2020 do Supervisor-Geral dos Locais de Privação de Liberdade.

La Santé foi recentemente reformada e, portanto, apresenta condições melhores do que muitas outras prisões, segundo Julien Fischmeister, da seção francesa do Observatório Internacional das Prisões.

Todas as celas agora contam com chuveiro privativo e telefone fixo. Sarkozy também teria acesso a uma televisão, mas precisaria pagar € 14 (R$ 87) por mês pelo serviço.

Fischmeister afirmou que Sarkozy receberia as refeições em sua cela e que a prisão também permite que os detentos comprem produtos para preparar suas próprias refeições.

O QUE SARKOZY DISSE SOBRE A PRISÃO?

O ex-presidente disse no domingo que não tem medo de ir para a prisão e que planeja aproveitar o tempo para escrever um livro.

Ainda assim, a experiência pode ser perturbadora para um líder conhecido por sua postura dura em relação ao crime —ele chegou a se referir aos jovens revoltosos dos subúrbios como "escória" e ameaçou "varrê-los" com jatos d’água de alta pressão.

Como muitas prisões francesas, La Santé está superlotada —embora Sarkozy seja mantido separado dos outros presos. Em agosto, havia 1.243 detentos na unidade, que foi projetada para abrigar 657, segundo dados do Ministério da Justiça.

A França tem o terceiro sistema prisional mais superlotado da Europa, atrás apenas da Eslovênia e de Chipre, de acordo com dados do Conselho da Europa de 2024.

O QUE ESTÁ ACONTECENDO NAS PRISÕES FRANCESAS?

Darmanin tem liderado um esforço do governo para endurecer as condições dos presos perigosos em todo o país.

A polícia afirma que alguns detentos comandam o tráfico de drogas por meio de celulares contrabandeados e usam os aparelhos para ordenar ataques a rivais. Alguns foram flagrados em vídeo pedindo kebabs e sushi, entregues às celas por drones.

No início deste ano, houve uma série de ataques contra prisões em toda a França. As autoridades dizem que eles foram organizados por membros de um grupo no Telegram chamado French Prisoner Rights, que buscava chamar a atenção para as condições enfrentadas pelos presos.

Decreto cria metas de reciclagem para a indústria que usa plástico, FSP

 

São Paulo

Após três anos de debates, o governo federal lançou nesta terça (27) o decreto federal do plástico (12.688/2025) que define regras para a logística reversa deste material no Brasil ao regulamentar a Política Nacional de Resíduos Sólidos (12.305/2010). O texto estabelece metas de reciclagem para indústrias cujos produtos geram resíduos plásticos após o consumo e também cria metas de uso de plástico reciclado na composição de novos produtos e embalagens.

Segundo a campanha da ONU sobre plástico, todos os dias o equivalente a 2.000 caminhões de lixo cheios de resíduos plásticos são despejados em rios e nos mares do planeta. No atual ritmo de descarte, em 2050 deve haver mais plástico do que peixe nos oceanos. E, no Brasil, estudo mostra que hoje mais plástico vai para os mares do que para a reciclagem.

Assinado pelo presidente Lula e pela ministra Marina Silva, o texto estabelece regras que pretendem movimentar gigantes como a indústria do plástico, de alimentos e de higiene pessoal, além da própria indústria recicladora, que foram implicados no processo.

A imagem mostra uma grande pilha de plásticos recicláveis, incluindo garrafas e sacolas de diversas cores, como azul, verde, rosa, roxo e branco. Os plásticos estão organizados em uma estrutura de malha, evidenciando a variedade de tipos e cores dos materiais recicláveis.
Material plástico separado para reciclagem em cooperativa em São Paulo. - Luden Viana/Folhapress

Todas elas, junto a movimentos sociais ambientalistas e de catadores, acompanham há dois anos o vaivém do texto entre o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.

"Estamos falando de quase todo o mercado. No ano passado, só de resíduo domiciliar urbano foram 13 milhões de toneladas de plástico no Brasil. Temos um potencial de recuperação, valorização e reutilização enorme", afirma Carlos da Silva Filho, consultor da ONU para resíduos sólidos.

"O setor é gigantesco, e há interesse da indústria de alimentos, de cosméticos, de tintas… Cerca de 25% das embalagens são plásticas, e o governo ouviu as várias partes envolvidas na busca por acomodar todo mundo", afirma Paulo Teixeira, presidente da Abiplast ( Associação Brasileira da Indústria Plástica).

O texto, que foi a consulta pública ainda em 2022, no governo de Jair Bolsonaro (PL), circulou também pela Casa Civil e pela Secretaria da Presidência da República, onde está o Comitê Interministerial para a Inclusão Social dos Catadores, criado por Lula depois que a catadora Aline Sousa lhe passou a faixa presidencial na cerimônia de posse.

O decreto define o que é embalagem plástica e abarca os chamados plásticos primários, secundários e terciários, mexendo com ainda mais setores da economia. Além do plástico primário, que é a embalagem do produto em si, há o plástico o secundário (que envolve grupos de embalagens primárias) e o terciário, que mantém unidos os grupos de embalagens para fins de transporte.

Ele define metas de reciclagem e estabelece que novos produtos plásticos precisam utilizar materiais reciclados em sua composição, num modelo que busca incentivar a valorização deste material no mercado de reciclagem.

"O decreto muda a perspectiva atual da necessidade de fazer embalagens recicláveis para a demanda por conteúdo reciclado em novos produtos, ou seja, matéria-prima que tem como fonte o resíduo sólido", explica Silva Filho, que é sócio da consultoria S2FPartners.

"É importante porque traz as metas do Planares [Plano Nacional de Resíduos Sólidos], mas sobe o intervalo de mudança das metas de dois a três anos para uma ano a ano, de modo a estimular o mercado de reciclagem e logística reversa", avalia Jessica Doumit, diretora de governança da Eureciclo e diretora-presidente do Instituto Giro.

Segundo ela, a determinação do uso de conteúdo reciclado em novas embalagens tem grande potencial de movimentar o setor. "Vai ter redução da poluição porque geramos incentivos para a cadeia trabalhar com coleta e envio para reciclagem de plástico. Isso deve gerar muitos incentivos para toda a cadeia do plástico."

Enquanto as indústrias não são obrigadas a recuperar as embalagens que colocam no mercado nem utilizar matéria-prima reciclada, um dos mecanismos que utilizados para cumprir metas de reciclagem é a compra de créditos de reciclagem.

Com o decreto, elas precisarão comprovar a logística reversa de seus produtos, ou seja, sua recuperação para reciclagem. As empresas poderão comprovar o cumprimento das metas de forma individual ou por meio de entidades gestoras coletivas, que deverão relatar seus resultados anualmente ao governo.

"Acompanhamos os movimentos da Europa e nos antecipamos no Brasil para criarmos uma plataforma junto com o governo federal que pode comprovar o caminho do resíduo, da coleta até o usuário final do material reciclado", explica Teixeira, referindo-se ao Recircula Brasil, plataforma que verifica e conecta notas fiscais eletrônicas, desde a compra dos materiais recicláveis até a venda de produtos finais com conteúdo reciclado, atestando a origem de parte da matéria-prima reutilizada em novos produtos.

"Ela está à disposição do governo. A ideia é ter o máximo de informação possível para mostrar para o governo e para a sociedade o quanto conseguimos reciclar de plástico. Isso dá segurança jurídica e efetividade ao decreto", diz o presidente da Abiplast.

O plástico é um derivado do petróleo que passa pela industria química e sua produção dobrou nos últimos 20 anos no mundo, assim como a geração de lixo. Parte dele vaza para o ambiente e desconhece fronteiras —fragmentos minúsculos já foram encontrados em diversas partes do corpo humano.

De acordo com estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), mais lixo plástico escapa para o meio ambiente (22%) do que é coletado para reciclagem (15%). Na prática, apenas 9% dos resíduos plásticos são reciclados no mundo.

Embalagens representam 40% de todos os resíduos plásticos. Hoje metade do mercado de embalagens é do plástico, a maior parte delas vira descarte, e não vão para reutilização ou reciclagem.

"Hoje temos um decreto parecido para o vidro. Existe uma tensão no ar que é justamente porque escolher o plástico e não fazer algo geral para todas as embalagens, como de papel e papelão e metal", questiona Silva Filho. "Quando você traz essa nova disciplina, que é muito positiva, acaba desbalanceado um material em relação a outro. Outros materiais vão aumentar seu marketshare."

O plástico é objeto de um tratado internacional apelidado de "Acordo de Paris do plástico", que terá sua última rodada de negociações em agosto em Genebra, na Suíça, e pretende criar regras globais juridicamente vinculantes para reduzir a poluição.