segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Ascensão e queda da Camargo Corrêa: das grandes obras à Lava Jato, grupo é hoje sombra do que já foi, OESP

 

Foto do autor Ivo Ribeiro
Atualização: 

Em 2013, no seu auge, a Camargo Corrêa faturava quase R$ 20 bilhões por ano e empregava 65 mil pessoas. Era um dos maiores símbolos do capitalismo brasileiro, com presença nos setores mais diversificados - da construção ao vestuário, passando por energia e cimento. Então, veio a Operação Lava Jato, a crise financeira, e o império fundado por Sebastião Camargo em 1939 desmoronou.

No início deste mês, a Mover, nome atual da holding do grupo, fechou um acordo para a entrega de seus dois últimos grandes ativos para saldar dívidas de R$ 14 bilhões. No acordo, o grupo concordou em vender a participação de 15% na concessionária de infraestrutura Motiva (ex-CCR), considerada a joia da coroa, para pagar um dívida de mais de R$ 3 bilhões com o Bradesco. A cimenteira InterCement, que atua no Brasil e Argentina, por sua vez, será transferida aos grandes credores financeiros - Bradesco, um empresário argentino e detentores de títulos estrangeiros - para acabar com um débito de R$ 9,4 bilhões.

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Com isso, a companhia fundada por Sebastião Camargo e outros dois sócios há 86 anos praticamente sai de cena, ficando com apenas uma empresa operacional - a incorporadora de imóveis para baixa renda HM Engenharia, que fatura menos de R$ 500 milhões por ano. Além da HM, fica também com metade do estaleiro EAS (que está desde 2020 em recuperação judicial); passivos e ativos da construtora (desativada); e com uma fazenda no Pantanal sul-mato-grossense. Mesmo assim, pessoas ligadas ao grupo comemoraram: ele sai do processo sem dívidas, sem litígios com credores e ainda com R$ 1 bilhão no caixa.

“Assim como diversas outras organizações empresariais brasileiras, o Grupo Mover enfrentou, nos últimos anos, um cenário adverso que combinou fatores como o desmonte da engenharia nacional, os efeitos nocivos de um custo Brasil extremamente elevado e uma política monetária que culminou com as maiores taxas básicas de juros dos últimos 20 anos. Em função desse contexto, e com o compromisso de honrar suas obrigações com seus stakeholders, o Grupo Mover optou por vender parte de seus ativos. Esse processo foi levado adiante até a eliminação de seu endividamento, que ocorrerá com a conclusão do recente processo de reestruturação de sua operação de cimentos”, afirmou a Mover, em nota ao Estadão.

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O que sobrou não é, nem de longe, sombra do que foi a companhia no auge, em 2013, quando tinha o controle de mais de 30 empresas no Brasil e exterior e uma receita líquida de R$ 19,2 bilhões. Estava presente em 20 Estados brasileiros e em 22 países. Fizeram parte de seu portfólio, como controlador ou acionista, nomes como Alpargatas, CPFL Energia, Santista, Alcoa, Usiminas, Banco Geral do Comércio e Itaúsa, além das cimenteiras Loma Negra e Cimpor e da CCR. O grupo deixa para trás uma marca na engenharia e na construção nacional, mas também uma imagem abalada por escândalos na execução de grandes obras públicas - investigados nas operações Castelo de Areia e Lava Jato.

Pressionada pelo endividamento crescente e em divergências sobre o pagamento dos passivos, a Camargo Corrêa, no ano passado, aceitou vender a cimenteira, um dos últimos ativos de grande porte, mas resistiu o quanto pôde a se desfazer das ações na Motiva, que via como uma fonte futura de dividendos aos acionistas da Mover. Não teve sucesso em ambos os casos. No final de 2024, sem opções, o grupo não viu outra saída que não o pedido de recuperação judicial, agora em seus trâmites finais de homologações legais.

“A saída de uma empresa tradicional do setor de infraestrutura é motivo de preocupação para todo o país. Companhias desse porte e trajetória constituem importantes ativos nacionais, pois geram empregos, estimulam o desenvolvimento regional, promovem inovação tecnológica e acumulam know-how fundamental para a execução de projetos complexos e estratégicos”, diz Humberto Rangel, diretor executivo do Sinicon (Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada - Infraestrutura).

O episódio, acrescenta o executivo, reforça a importância de um ambiente de negócios estável, com segurança jurídica, previsibilidade regulatória e políticas públicas que incentivem a permanência e o fortalecimento das empresas nacionais. “O Sinicon defende que o Brasil, que já teve 5% do mercado mundial de engenharia e construção e hoje tem menos de 1%, necessita de um setor de infraestrutura sólido, dinâmico e competitivo.”

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A terceira geração de herdeiros da família dona do grupo Camargo Corrêa, que assumiu o comando em 2015 no lugar dos pais, tentou, mas não conseguiu, mesmo com o suporte de profissionais do mercado, estancar a crise financeira do conglomerado, que havia expandido nos cinco anos anteriores. De lá para cá, a situação só se agravou, ano a ano, levando a pique o conglomerado fundado pelo avô a partir de uma pequena empresa de obras rodoviárias que atuava no interior de São Paulo.

O ano de 2013 foi o último em que o grupo registrou lucro líquido consolidado. A partir daí, com a exceção de R$ 131 milhões em 2019, os resultados negativos foram constantes e crescentes nos balanços da companhia. O montante acumulado de prejuízos até 2023, último ano de publicação das demonstrações financeiras, foi de mais de R$ 12 bilhões.

Início com 200 contos de réis

A construtora Camargo Corrêa chegou a ser a segunda maior empreiteira de grandes obras públicas no País, atrás da Odebrecht e à frente de colossos como Andrade GutierrezQueiroz GalvãoOAS e outras que dominaram esse setor no País por décadas, a partir do fim dos anos de 1950. Foi a empresa por trás de grandes obras que se tornaram símbolos do “milagre brasileiro”, como hidrelétricas, aeroportos e metrôs.

A companhia foi criada como uma construtora, com investimento inicial de 200 contos de réis, em uma sala no centro da cidade de São Paulo. À frente do leme sempre estava a figura de Sebastião Camargo, nascido em Jaú, interior de São Paulo, em 1909 (o empresário morreu em 1994). Era um empreendedor nato, que começou a trabalhar ainda adolescente. Aos poucos, cresceu na atividade, mas começou a ganhar destaque mesmo com o início da construção de Brasília.

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Naquela época, Camargo começou a transitar pelos bastidores da nova capital brasileira. Fez amizade com ministros e com presidentes da República, civis e militares, o que garantiu à sua construtora presença na maioria dos grandes projetos governamentais.

Um dos maiores exemplos disso foi a obra da hidrelétrica de Itaipu, um megaprojeto do Brasil e do Paraguai. A Camargo Corrêa ficou de fora do consórcio de empreiteiras montado para tocar o empreendimento, iniciado em 1974. Mas Sebastião Camargo recorreu às suas relações com o ditador paraguaio Alfredo Stroessner, que governou o país por 35 anos, e daí um pedido especial chegou ao governo brasileiro para a Camargo compor o grupo de empreiteiras. Mais tarde, já no governo de João Batista Figueiredo (1979-1985), a empresa foi escolhida para a construção da hidrelétrica de Tucuruí.

A expansão da Camargo na área de engenharia e construção teve grande salto exatamente durante esse período do chamado “milagre econômico” brasileiro, nos anos 1970, quando o governo militar lançou uma série de grandes obras: Itaipu, aeroporto de Guarulhos e Ponte Rio-Niterói. As hidrelétricas de Jupiá e Ilha Solteira, no Rio Paraná, foram as primeiras grandes obras da Camargo Corrêa no País. Ao mesmo tempo, também começou a ganhar projeção em países da América do Sul e África.

Além da construção, esse império ficou mais robusto a partir do final dos anos 1960, com a diversificação de negócios, a começar pela fabricação de cimento. Sebastião Camargo descobriu, durante obras rodoviárias, que havia grandes jazidas de calcário na região de Apiaí (SP). Lá ele montou sua primeira cimenteira.

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Depois veio a internacionalização na construção pesada, carro-chefe do grupo. A primeira grande obra fora do País foi a construção da hidrelétrica de Guri, na Venezuela, uma gigante de 10 GW, em 1986. No cimento, o primeiro grande passo fora do Brasil se deu em 2005, na Argentina, pagando US$ 1 bilhão pela icônica cimenteira Loma Negra.

Alguns anos mais tarde, a empresa fez uma grande aposta na Europa e na África. Em 2012, tornou-se a dona da portuguesa Cimpor, um negócio de cerca de € 3 bilhões — o que acabou elevando de forma acelerada o endividamento do grupo.

Castelo de Areia, Lava Jato e um grande negócio

Naquele momento, a Camargo Corrêa já havia passado por uma grande turbulência. Em 2009, a construtora do grupo tinha sido alvo da Operação Castelo de Areia, que investigava supostos crimes financeiros e lavagem de dinheiro em obras da linha 4 do Metrô de São Paulo e do Rodoanel, além de doações ilegais a sete partidos políticos. Um dos genros de Sebastião Camargo chegou a ser indiciado. A operação acabou sendo anulada pelo Superior Tribunal de Justiça em 2011, com a invalidação das provas. Mas a imagem do grupo ficou arranhada.

Segundo relatos de pessoas próximas à empresa, à época, as herdeiras de Sebastião Camargo manifestaram o desejo de sair totalmente da atividade de construção pesada, em especial de obras públicas. Foi um sinal à terceira geração, que já galgava postos no grupo. Isso efetivamente viria a ocorrer mais à frente — mas por conta de uma outra investigação da Polícia Federal, sobre o pagamento de propinas em obras da Petrobras: a Operação Lava Jato.

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A Lava Jato, iniciada em 2014, foi um divisor de águas no setor da construção pesada de obras públicas, por ter envolvido praticamente todas as grandes empreiteiras. De uma hora para a outra, as obras sumiram ou as empresas, envolvidas em atos de corrupção, foram impedidas de participar das licitações. Empresários e executivos foram presos e as construtoras tiveram de firmar acordos de leniência com as autoridades.

Cláudio Frischtak, economista e sócio da consultoria em infraestrutura Inter.B, porém, defende que a desorganização do setor de engenharia nacional não foi decorrência direta da operação Lava Jato. “É incorreto dizer isso. O fato é que a nossa legislação dificulta a separação entre o controlador/acionista e companhia em questão. O certo era o acionista ser afastado e a empresa continuar operando com todos seus ativos”, afirma.

As ações da empresa seriam colocadas numa “scrow” (conta intermediária, mantida por agente de custódia) e seriam usadas para indenizar os eventuais danos, afirma. “A legislação deveria permitir a separação para não penalizar as empresas. Para elas continuarem operando”. O problema reputacional, diz, é um crime do controlador e alguns gestores. “Todos teriam de ser afastados e definida nova estrutura de gestão e governança. Isso teria evitado a desintegração do setor que vimos”.

Dívida alta, faturamento baixo

Nesse período, as dívidas da Camargo Corrêa, que foi a primeira a firmar acordo de leniência, cresceram e o faturamento emagreceu. A primeira saída encontrada pela direção à época foi vender ativos para poder acalmar a situação com credores.

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O setor nunca mais se reergueu ou voltou a ser o que era até 2014. A Camargo ainda tentou continuar na construção pesada até poucos anos atrás, mas teve de jogar a toalha por desmantelamento das equipes, processos judiciais no Brasil e exterior, dificuldades nas licitações e falta de capital. Desativou também a CCDI, incorporadora de imóveis de médio e alto padrão.

Após a venda de vários ativos em 2015 e 2016, levantando quase R$ 10 bilhões que foram usados para abater o endividamento, o grupo tentou mudar seu perfil. Procurou se tornar uma gestora de ativos, e não mais uma companhia operacional. A primeira inciativa foi mudar o nome da holding Camargo Corrêa S/A para Mover Participações, em 2018, também numa forma de minimizar a imagem arranhada pelos escândalos. Outra empresas do setor também adotaram a mesma linha: a Odebrecht, por exemplo, virou Novonor.

O problema é que a Mover ainda continuava dona de uma grande empresa, a InterCement, com operações de cimento e concreto em Portugal, África, Brasil, Paraguai e Argentina. Afogada em uma dívida enorme, com alto custo e em dólar, a empresa enfrentava em seu principal mercado, o brasileiro, uma crise de demanda histórica por conta da crise econômica do País. Em quatro anos, a contar de 2015, as vendas de cimento tiveram recuo de quase 30%.

De 2016 em diante, o faturamento do grupo ficou praticamente concentrado na cimenteira. O foco, a partir de 2017, foi a reestruturação da dívida financeira da InterCement. Para isso, foram vendidas as operações em Portugal e Cabo Verde, por US$ 800 milhões. Em 2017 ocorreu a abertura do capital da argentina Loma Negra em Nova York e Buenos Aires, que rendeu US$ 1,1 bilhão, com a colocação em bolsa de 48% do capital da empresa.

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Esses movimentos garantiram fôlego para cinco anos. Em 2023, após insucesso em abrir o capital da InterCement Brasil em meados de 2021, o grupo teve de buscar outras soluções. A InterCement foi colocada à venda e o dono da CSNBenjamin Steinbruch, quase a comprou em fevereiro de 2023. Segundo informação obtida pelo Estadão, Steinbruch se dispôs a pagar R$ 9,5 bilhões, incluindo os ativos da África, que foram vendidos separadamente, alguns meses depois, por R$ 1,12 bilhão.

Em julho deste ano, com dívidas de R$ 9,9 bilhões, a empresa chegou a um acordo de transferência de suas ações com os credores nacionais e estrangeiros, com a Mover saindo definitivamente do setor.

Sem o “China”, divergências entre herdeiros

Sebastião Camargo, que era conhecido como “China”, por sua aparência asiática, faleceu em 1994, aos 85 anos. O império erguido por ele ficou em mãos da esposa, Dirce, das três filhas - Regina, Rosana e Renata -, e dos três genros, que passaram a fazer a gestão junto com executivos que eram de confiança do fundador. Em 1996, ao se criar a holding Camargo Corrêa S/A, foi dado um passo relevante para profissionalizar o comando da companhia.

Nos anos seguintes, o grupo entrou em vários negócios e se desfez de outros tantos, os quais avaliou como fora do foco estratégico delineado pelos novos gestores e pela família: construção e engenharia, cimento, concessões de energia, vestuário e calçados e concessões de transporte.

Para avançar em terras raras, Brasil deve se unir à China, defende acadêmico, FSP

 Desde que os Estados Unidos anunciaram o interesse em minerais estratégicos do Brasil, e mais ainda quando o governo sinalizou disposição em incluir o setor num acordo para atenuar a guerra tarifária imposta pelos americanos, o químico Gilberto Fernandes de Sá não tem conseguido dormir direito.

Há décadas um dos principais pesquisadores do país em terras raras –conjunto de 17 elementos químicos de difícil extração e refino usados para produzir ímãs essenciais à fabricação de carros elétricos, turbinas eólicas e outros produtos tecnológicos relacionados à transição energética e à defesa–, Sá critica a estratégia brasileira para o setor.

Para ele e outros acadêmicos que também dedicaram a vida a esse tema, como Osvaldo Serra (USP) e Oscar Malta (UFPE), o país negligenciou as terras raras desde os anos 1960 e deveria, em vez de negociar com os EUA, buscar uma parceria com a China, mais desenvolvida na área e única que domina a tecnologia de separação e refino de terras raras.

Homem idoso usando boné cinza e camisa preta com estampa branca está sentado à mesa branca. À esquerda, há um grande cacto verde e, ao fundo, uma parede branca com quadro colorido emoldurado.
Gilberto Fernandes de Sá, professor emérito da UFPE, durante entrevista em seu apartamento na região metropolitana do Recife - Fabio Victor/Folhapress

Professor emérito da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), Gilberto Sá foi um dos fundadores do Departamento de Química Fundamental daquela instituição, na qual criou, em 1973, o laboratório de terras raras BSTR. Foi secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência e Tecnologia na gestão de Roberto Amaral (governo Lula 1).

Com atuação em universidades da Europa, dos EUA e da China, trabalhou com alguns dos maiores nomes da química no Brasil, como Ernesto Giesbrecht, Ricardo Ferreira e o polonês naturalizado brasileiro Pawel Krumholz, pioneiro na tecnologia de separação de terras raras na empresa Orquima. "Era um gênio, está esquecido."

O Brasil já foi bem mais desenvolvido em terras raras do que hoje. O que houve?
O grande problema é que foi feita a encampação da empresa Orquima pelo Estado, e o [Pawel] Krumholz evidentemente ficou fulo, não negociou as suas patentes de separação de terras raras, deixou no cofre.

Naquele tempo nós tínhamos a coisa mais importante, que era a tecnologia de separação das terras raras, que ninguém tem hoje ainda. Nem o Brasil, nem os Estados Unidos. Quem tem é só a China.

Por que o sr. diz que o Krumholz foi um visionário e que está esquecido nesse momento em que se fala tanto em terras raras?
Ele foi a pessoa que desenvolveu a tecnologia de separação de terras raras.

No mundo?
No mundo! Todos os pesquisadores do mundo recebiam dele as amostras, em pequenas quantidades, para fazer pesquisa. Isso na Suíça, na Europa toda, nos Estados Unidos. Ele conseguiu separar, produzir uma quantidade significativa de európio [um dos 17 elementos chamados de terras raras] de alta pureza, que foi usado nos primeiros reatores americanos, tudo produzido aqui no Brasil.

Isso nos anos 1950?
1950, 1960.

Aí quero pular para os dias de hoje. O sr. comentou que não tem dormido direito desde o anúncio de que o Trump tem interesse nas terras raras do Brasil e que isso pode entrar numa negociação com os americanos. Por que isso está lhe tirando o sono?
Primeiro porque, do ponto de vista pessoal, as terras raras são uma coisa extremamente importante, a minha vida toda foi essa. Há mais de 50 anos que eu trabalho… eu só penso sobre isso, certo?

Agora, estrategicamente, é realmente o futuro, quer dizer, cada vez mais está se vendo a importância. Não é por acaso que o Trump está querendo tomar as terras raras na Ucrânia, na Groenlândia, está fazendo aquela confusão. E agora é aqui. A embaixada [dos EUA] já explicitou o interesse, e houve resposta positiva, primeiro do Haddad e agora do Lula, dizendo que isso poderia estar nas cartas de negociação.

A frase do Lula sobre as terras raras foi a seguinte [em entrevista coletiva em Nova York]: "Queremos que empresas que querem explorar vão ao Brasil explorar. O que não queremos é ser apenas exportador de minérios. [...] Estou estudando muito sobre minerais críticos e terras raras que é para ninguém me enganar. O Brasil não quer ser isolado do mundo. Se estabelecermos acordo com empresas, serão bem-vindos parceiros de qualquer parte do mundo".
Isso é uma bobagem, porque o que está sendo feito até agora não aponta nesse sentido. Se nós quiséssemos realmente acelerar esse processo, faríamos uma parceria com a China, que eles desenvolveram uma tecnologia que nem os americanos nem os outros têm. Ninguém sabe nem que solvente eles estão usando.

Então o certo seria —é uma coisa que eu já disse ao Lula no primeiro governo dele— organizar um programa, levantar todos esses dados com parcerias internacionais, para acelerar esse processo. Não levaram a sério.

Cheguei a propor ao ministro [de Ciência e Tecnologia do governo Dilma] Marco Antonio Raupp, ao Sérgio Rezende [titular da pasta nos governos Lula 1 e 2 e conselheiro do petista na área]… todo mundo é meu amigo.

Você dizia exatamente o quê, qual era a sugestão?
Minha sugestão era que se criasse grupos de articulação nacional, com visão internacional, para acelerar o processo de dominação da tecnologia, para voltar a fazer o processo de separação.

E nunca foi levado a sério?
Não. Aliás, eu cheguei a propor ao meu amigo professor Carlos Alberto Aragão, que foi presidente do CNPq em 2010 e em seguida foi contratado pela Vale, onde deveria estimular pesquisas na área de terras raras. A Vale, no entanto, continuou com atividades periféricas na área.

Desde quando vem o desdém com o setor?
A atuação dos governos federais a partir da década de 1960 em relação às terras raras é caracterizada por ineficiência administrativa, descaso institucional e limitada preocupação com a soberania nacional. Além disso, sob a justificativa de atender ao interesse público, promoveu-se o enfraquecimento de uma estratégia essencial ao país, ao mesmo tempo em que se incorreu em práticas de prevaricação, privilegiando posicionamentos individuais em detrimento da proteção e valorização do patrimônio nacional.

Então o sr. acha que a estratégia brasileira está errada, ou seja, defende que nem se deve abrir conversa com os EUA?
Precisamos acelerar o nosso processo, já que estamos atrasados. Como é que a gente acelera? Buscando quem tem a tecnologia.

E o sr. acha que a China teria interesse e disposição para isso?
Acho que teria. Eu tive um grande amigo, o Su Qiang [um dos pioneiros na pesquisa de terras raras na China, morto em 2017]. Estive em seus laboratórios de terras raras, interagindo com estudantes de pós, ministrando seminários e publicando um paper em uma revista chinesa. Su também nos visitou, ministrando seminários, discutindo com estudantes e colaborando em experimentos em nossos laboratórios. Consegui levá-lo para o Carnaval em Olinda…

Existe a sua posição de pesquisador e a de homem de esquerda, ex-militante do PC do B. Essa avaliação é essencialmente técnica, ou também política?
Eu sempre tive uma posição de autonomia, de pensar no que é melhor para o Brasil. Sempre tive problemas com políticos exatamente por isso. Porque eu sempre quis que fosse feito melhor, independente de qualquer coisa.

O nosso princípio, meu e de colegas pesquisadores da área, é: colaboração ampla, interesse nacional inegociável. O Brasil deve estar aberto a colaborações de quem quiser desenvolver aqui a cadeia completa –dos EUA, da Europa e da China– desde que com transferência e codesenvolvimento de tecnologia, metas de conteúdo local, capacitação de pessoal e produção industrial no território brasileiro. Esse é o padrão mínimo para qualquer parceria estratégica.

E por que defender a parceria com a China? Porque é com a China que podemos aprender mais, melhor e mais rápido na etapa mais crítica —a separação e a metalurgia fina—, são eles que detêm o maior know-how nisso, industrial e escala. Isso não significa fechar portas a ninguém, nem subordinar a soberania. O interesse nacional vem acima de tudo.

O sr. tentou agora falar com alguém do governo federal?
Tentei conversar com pessoas que falam com Lula. Foi frustrante, porque nem o Sérgio Rezende me respondeu.

única mineradora de terras raras no Brasil, Serra Verde, tem capital americano e britânico, e ela exporta tudo. Como vê a situação?
É ruim, porque estão exportando o agregado de terra rara. E nós vamos ficar com o quê? O agregado você ainda precisa fazer a separação. Dependendo do produto, eles podem pegar um pouco de agregado, mas na maioria de tecnologia com mais precisão, quando você vai falar em chips, em equipamentos bélicos, você tem que fazer muito claramente a separação das terras. Aí entra a complicação.



RAIO-X | Gilberto Sá, 83
1942, São Miguel (RN)

Formou-se em química na UFC (Universidade Federal do Ceará), fez doutorado na USP, com sanduíche na Universidade de Minnesota (EUA). É pesquisador desde os anos 1970 na interface entre física e química, nas áreas de complexos de lantanídeos com bases de Schiff e espectroscopia eletrônica de terras raras em sólidos hospedeiros. Professor emérito da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), onde criou o laboratório de terras raras. Professor e pesquisador visitante em universidades da Europa, dos EUA e da China. Membro da Academia Brasileira de Ciências. Foi secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência e Tecnologia na gestão de Roberto Amaral (governo Lula 1).

Entre o Planalto e o plenário, Lara Mesquita - FSP

 Em abril deste ano, quando Juscelino Filho, deputado federal eleito pelo União Brasil no Maranhão, anunciou a saída do Ministério das Comunicações, o também maranhense Pedro Lucas Fernandes, deputado do mesmo partido em seu segundo mandato, alegou que sua contribuição com o país seria maior na liderança da bancada do União Brasil na Câmara dos Deputados do que como ministro.

recusa do deputado resultou na apressada conclusão de que o Executivo não tinha mais o que oferecer para fazer frente aos benefícios já controlados pelo Legislativo, e que ocupar uma cadeira na Esplanada dos Ministérios seria menos vantajoso do que permanecer na Câmara.

Um homem com cabelo escuro e barba, vestido com um terno azul escuro e uma gravata roxa, está segurando documentos em uma mão. Ele parece estar em um ambiente externo, com uma estrutura de concreto ao fundo. Ao lado dele, há outro homem vestido de forma semelhante, com um crachá visível. O homem à esquerda parece estar em uma conversa ou prestando atenção em algo.
O deputado federal Pedro Lucas, líder do União Brasil, que recusou posto de ministro das Comunicações - Pedro Ladeira - 23.abr.25/Folhapress

Esse diagnóstico de perda de apelo do Executivo dominou o debate político até a última semana, quando o correligionário de Pedro Lucas, Celso Sabino (Turismo) e André Fufuca (Esportes), seu conterrâneo, se recusaram a deixar seus postos de ministros e reassumir suas posições como deputados, mesmo sob ameaças de perderem o controle dos diretórios estaduais de seus partidos.

Fala-se do peso da votação do presidente Lula nos estados de origem de Fufuca e Sabino em 2022, do controle orçamentário de que os ministros teriam que abrir mão, e do volume de emendas alocadas nessas pastas. Considerando os orçamentos de 2024 e 2025 e a proposta orçamentária de 2026, o orçamento sob responsabilidade de cada um dos dois ministros que agora ficaram no governo é aproximadamente a metade do orçamento do Ministério das Comunicações, recusado em abril.

Em apenas seis meses, algo mudou. Ocupar um posto na Esplanada dos Ministérios garante acesso a outros benefícios além da proximidade com o presidente: recursos, distribuição de cargos e visibilidade política, por exemplo.

Atribuir a mudança de posição exclusivamente à popularidade do presidente é uma leitura apressada. Avaliar o poder do Executivo apenas pelo humor das pesquisas é um erro.

Ainda que a popularidade de Lula estivesse baixa em abril, minimizar os benefícios de fazer parte do executivo foi precipitado. É pouco plausível que deputados dispostos a apoiar medidas impopulares, como a PEC da Blindagem, para ficar em um exemplo recente, se guiem apenas, ou sobretudo, por índices de aprovação em pesquisas de opinião.

Além disso, os primeiros indícios de recuperação da economia já despontavam. O mercado de trabalho já dava sinais de bons resultados, e estatísticas indicavam que a recuperação da economia estava em curso. Capa desta Folha em 16 de março noticiava que a renda dos mais pobres superava a inflação dos alimentos. Ao mesmo tempo, avançava o processo de responsabilização do ex-presidente Jair Bolsonaro pelos atos de 8 de janeiro, e ele já havia sido declarado inelegível.

Parcela dos formadores de opinião anseia por decretar a morte do sistema de governo vigente no país e reivindicar sua substituição pelo parlamentarismo. O parlamentarismo, como num passe de mágica, corrigiria todos os vícios da política brasileira. Que este episódio sirva para nos inspirar cautela no futuro ao interpretar o funcionamento do sistema político brasileiro e o equilíbrio de forças entre os Poderes.