domingo, 19 de outubro de 2025

As crenças no centro das transições críticas, Marcus André Melo, FSP

 O prêmio Nobel de Economia 2025, Joel Mokyr, mostrou como o conhecimento, modelos mentais e crenças impactam o desenvolvimento econômico. Como argumentou, a Revolução Industrial surgiu da "grande sinergia do Iluminismo: a combinação do programa baconiano centrado no conhecimento útil" —aplicado, não só teórico— "e o reconhecimento que instituições melhores criavam incentivos melhores".


Em outras palavras, ideias, crenças e valores importam para o desenvolvimento de longo prazo; não são apenas os incentivos materiais, mas a capacidade do "empreendedor cultural" de remodelar os modelos mentais que determina se as instituições evoluem de forma produtiva. Isto explica porque aquela revolução aconteceu na Grã-Bretanha e não na China (a análise recente de Bernardo Mueller aqui é primorosa).

Joel Mokyr, professor da Universidade Northwestern que ganhou o prêmio Nobel de Economia junto com Peter Howitt da Universidade Brown e Philippe Aghion do College de France, INSEAD e da London School of Economics and Political Science, no campus em Evanston, Illinois, EUA - Jim Vondruska - 13.out.25/Reuters

Lee Alston, Bernardo Mueller, Carlos Pereira e este colunista exploram estas questões em "Brazil in Transition: beliefs, leadership and institutional change". O livro é parte de uma série da Princeton Press dirigida por Mokyr, que organizou um workshop em Chicago para discutir nosso manuscrito.

O livro oferece um quadro conceitual baseado na experiência brasileira, com foco na transformação institucional dos anos 1980 e 1990, enfatizando que as transições não dependem apenas de choques e interesses, mas de crenças. Essas são os mapas cognitivos que orientam as instituições, moldando o que os atores veem como possível, legítimo ou desejável.

Quando os resultados divergem fortemente das expectativas, essas crenças tornam-se maleáveis. É nesse momento que a liderança se torna crucial: líderes atuam como intérpretes dos choques, persuadindo a rede dominante composta por Executivo, empresariado, sociedade civil, Judiciário e Legislativo que novos arranjos institucionais são necessários.

O quadro proposto converge com a ênfase de Mokyr de que as ideias em si impulsionam a evolução institucional. A guinada brasileira em direção à estabilidade macroeconômica e à inclusão social nos anos 1990 não foi simplesmente um produto de constrangimentos estruturais. Refletiu entendimentos compartilhados de que o controle inflacionário e a política social eram pré-condições para a prosperidade. Mas a transição permaneceu incompleta.

Crises —hiperinflação, escândalos de corrupção, choques fiscais— criam janelas de oportunidade. Se serão aproveitadas depende de como a rede dominante as interpreta. As instituições então cristalizam crenças em regras e incentivos duradouros. Os resultados fornecem retroalimentação: o sucesso reforça crenças, enquanto o fracasso reabre o debate.

As crenças não são meras condições de fundo: elas são disputadas, reinterpretadas e defendidas retoricamente. Determinam se os choques são vistos como aberrações ou como mandatos para reforma.

A lição é mais ampla: transições críticas exigem mudanças nos modelos mentais coletivos tanto quanto no desenho institucional. Os interesses, por si só, não explicam por que alguns países sustentam a abertura enquanto outros regridem.

Como lembra Mokyr, o desenvolvimento é uma batalha de ideias tanto quanto de recursos. Países presos em ciclos de crise, o verdadeiro desafio não é apenas elaborar melhores políticas, mas cultivar os sistemas de crenças que tornam possível a mudança institucional.

Aliados de Bolsonaro veem Lula em alta e tentam frear pressão por escolha de sucessor, FSP

 Aliados de Jair Bolsonaro (PL) veem o presidente Lula (PT) lucrando politicamente com o avanço das conversas com Donald Trump. Eles acreditam que haverá uma redução de parte das taxas comerciais impostas a produtos brasileiros de determinados setores, como o café.

Mesmo sem conseguir a redução imediata das tarifas, integrantes do governo brasileiro avaliam que a reunião presencial entre o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, na quinta-feira (16), representou a largada para uma negociação séria para a reversão das sobretaxas.

Este foi o primeiro encontro dos chefes da diplomacia dos países desde que os presidentes Donald Trump e Lula (PT) iniciaram contatos, no mês passado.

Um homem está em pé, com os braços cruzados e a mão na boca, aparentando estar pensativo. Ele usa uma camisa verde e um relógio no pulso. Ao fundo, há janelas com cortinas que filtram a luz.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em sua casa em Brasília, onde cumpre prisão domiciliar. - Pedro Ladeira-11.set.2025/Folhapress

O avanço das conversas tende a ter um resultado positivo para o governo petista, que já vem numa sequência de boas notícias e resultados favoráveis em pesquisas. A expectativa, mesmo na oposição, é de que a negociação avance até o fim do ano.

O cenário amplia a pressão de setores do empresariado ao entorno do ex-presidente e a dirigentes de partidos do centrão e da direita para que o anúncio de um eventual sucessor de Bolsonaro seja feito ainda neste ano.

Inelegível, o ex-presidente foi condenado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) a 27 anos e três meses de prisão por liderar a trama golpista em 2022. Ele também está em prisão domiciliar desde 4 de agosto.

Na avaliação de empresários com acesso a esses dirigentes partidários, se não houver uma união da direita em torno de um nome com viabilidade nas pesquisas, será difícil reverter a preferência do eleitorado a Lula.

Para eles, o nome com maior viabilidade é o do governador de São PauloTarcísio de Freitas (Republicanos), que nega interesse em se candidatar ao Palácio do Planalto.

Aliados de Bolsonaro vêm buscando nas últimas semanas segurar as pressões de todos os lados para que ele anuncie logo um sucessor. Eles dizem que o empresariado não entende o timing da política e que não há urgência no anúncio.

Primeiro, porque isso reforça o sentimento no clã de abandono e oportunismo —e eles reagem na mesma proporção nas redes sociais.

Segundo, porque o ex-presidente ainda tem recursos pendentes no STF e ele não tomará qualquer decisão enquanto não estiver sacramentado seu destino no Judiciário e no Congresso, onde seus aliados buscam aprovar uma anistia.

O projeto de lei que poderia livrar da cadeia Bolsonaro e condenados dos ataques golpistas de 8 de Janeiro enfrenta resistência entre os parlamentares. A maior probabilidade é de que seja votado um texto de redução de penas, com apoio da cúpula do Congresso.

Além disso, aliados de Bolsonaro dizem que ele está com quadro de saúde debilitado e crises de soluço constantes. Os que conseguem autorização de Alexandre de Moraes, do STF, para visitá-lo dizem que não há clima para discutir seu futuro político abertamente, em respeito à situação. Todos os relatos dão conta de um ex-presidente abatido e inconformado com sua prisão.

Ainda assim, Bolsonaro tem mantido conversas sobre política, ainda que não no ritmo anterior. Ele recebeu nas últimas semanas pré-candidatos ao Senado, como Esperidião Amin (PP-SC) e a deputada Carol de Toni (PL-SC).

Conversou brevemente também com Márcio Bittar (PL-AC) sobre a eleição no estado, para a qual o parlamentar tentará se reeleger ao Senado. Dele também ouviu que Jorge Messias, AGU (Advogado-Geral da União) escolhido por Lula para a vaga no STF, não terá o seu voto.

O tema da sucessão à Presidência em si é visto quase como um tabu no bolsonarismo, e tratado com muitas ressalvas.

Na sua última visita a Bolsonaro, Tarcísio tratou de candidaturas ao Senado pelo estado, num contexto em que ele é candidato à reeleição.

O desânimo do governador de São Paulo com a empreitada a que segmentos do empresariado e do mundo político gostariam que ele enfrentasse também contamina interlocutores de Bolsonaro.

Há alguns meses o prazo imaginário para o ex-presidente conceder a algum aliado a sua benção para concorrer ao Palácio do Planalto era dezembro. Agora, já se fala em fevereiro, março e até abril –quando se encerrará a janela partidária e o prazo de desincompatibilização.

Dentre aliados do ex-presidente, há mesmo quem diga que não bastará o fim dos embargos e a votação da anistia (ou redução de penas) no Congresso.

Para estes, o ex-presidente seguirá como candidato, ainda que inelegível, até o registro de candidatura no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no meio do ano que vem —que será negado, uma vez que ele está inelegível.

‘Pobreza não é fracasso pessoal’, Ana Cristina Rosa, FSP

 A pobreza não é um fracasso pessoal, é uma falha sistêmica, uma negação da dignidade e dos direitos humanos. A afirmação feita pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, no Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza (17/10), diz muito sobre a realidade do povo brasileiro.

Pessoas negras (pretos e pardos) representam a maioria dos que se encontram em situação de pobreza no nosso país. Para se ter uma ideia, entre 2012 e 2023, mais de 60% dos negros tinham renda de no máximo um salário mínimo. Nesse período, a renda média nos domicílios com pretos e pardos foi menos da metade da auferida nos domicílios sem negros (Cedra).

Um homem de terno escuro e gravata, com cabelo grisalho, está falando em um púlpito na Assembleia Geral da ONU. Ao fundo, há uma parede de pedra verde e o logotipo da ONU está visível na frente do púlpito. O homem parece estar enfatizando um ponto durante seu discurso.
O secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres, na 80ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York - Mike Segar - 23.set.25/Reuters

No Brasil, a expectativa de vida de mulheres e homens negros chega a ser seis anos menor do que a dos brancos em razão de fatores decorrentes da pobreza, que expõe os mais pobres a doenças ligadas à falta de saneamento básico, à alimentação inadequada e à violência urbana.

Quem vive em situação de pobreza experimenta múltiplas privações que se conectam reforçando as carências e dificultando o acesso efetivo a direitos e garantias constitucionais. Um rol exemplificativo inclui o direito à moradia digna, nutrição adequada, trabalho decente, inclusão social, educação de qualidade e saúde.

Verdade que o país entrou num ciclo de redução da pobreza e da desigualdade nos últimos quatro anos, o que permitiu que quase 9 milhões de pessoas deixassem a chamada linha da pobreza (IBGE). Mas é muito importante lembrar que a pobreza é dinâmica, ou seja, as famílias muitas vezes entram e saem dessa condição de maneira cíclica.

Nesse sentido, impedir que as pessoas voltem para a pobreza é tão importante quanto tirá-las dessa condição.

E é aí que entram programas sociais de transferência de renda e políticas públicas de redução das desigualdades. O combate à pobreza abrange a promoção da equidade racial, o acesso à justiça e a inclusão racial. Afinal de contas, pobreza não é um fracasso pessoal.