sexta-feira, 26 de setembro de 2025

A Tatiana respondeu! E ela conta mais sobre a polilaminina, Suzana Herculano-Houzel - FSP

 Tatiana Sampaio, bióloga, professora da UFRJ e colaboradora da empresa farmacêutica brasileira Cristália, não tem descanso desde o anúncio do sucesso do tratamento que ela desenvolveu para promover a reconexão da medula espinal com uma única injeção de polilaminina no local da lesão. São vários emails por dia de pacientes paralisados se oferecendo como cobaias para novos estudos. No meio de tantos emails, os meus, pedindo para conversar com ela, se perderam —então eu usei este espaço na Folha para apelar, semana passada: Tatianaaaa, responde meus emails?

Eis o poder do jornal como veículo de comunicação, quando emails e redes sociais são rapidamente inundados: Tatiana respondeu no mesmo dia. Trocamos textos e áudios, depois conversamos até eu literalmente entrar no avião no dia seguinte. Eu queria saber o que as matérias na televisão, excelentes, ainda assim não contavam, que eram os bastidores da descoberta. De onde tinha vindo a ideia de usar polilaminina para reconectar neurônios dentro da medula?

A imagem mostra uma mulher com cabelo longo e liso, usando uma camisa clara com listras. Ela está sentada e olhando para o lado, com uma expressão pensativa. A mulher usa um brinco pendente e tem óculos pendurados no pescoço. O fundo da imagem é escuro, destacando a figura da mulher.
A pesquisadora Tatiana Sampaio, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) - Zanone Fraissat/Folhapress

A resposta é a já lendária mistura de acidente com uma mente preparada. Nos anos 1990, Tatiana estudava como macromoléculas —moléculas gigantescas, como os aglomerados de proteínas amilóides comuns em doenças degenerativas— se fazem e desfazem. A macromolécula que Tatiana estudava era a laminina, cujo processo de divisão em três subunidades menores ela tentava controlar no laboratório.

Sem querer, Tatiana descobriu que colocando a laminina em líquidos ácidos, ao contrário de se partir em subunidades, ela se auto-organizava em uma malha gigantesca: um tecido, mesmo, plano, na acepção literal da palavra "malha", formada de inúmeras pecinhas de laminina. Esta malha é o que Tatiana batizou de polilaminina.

E aqui entra a importância da mente preparada. Tatiana sabia que, dentro do corpo e do cérebro novinhos, ainda em desenvolvimento, tem a malha agora chamada de polilaminina por todo lado, formando inclusive verdadeiros tapetes ao longo dos vasos sanguíneos, que servem como guias para axônios se estenderem. Conforme o cérebro e a medula amadurecem, a polilaminina some —mas continua presente nos nervos, produzida pelas células de Schwann que os encapam. Quando um nervo do corpo é cortado, essas células produzem polilaminina de montão, à qual as fibras nervosas cortadas podem se agarrar e se estender de novo, como atletas em um muro de escalada.

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A pergunta seguinte, imediata, óbvia e inevitável, então era uma só: se Tatiana reintroduzisse a polilaminina no local de uma lesão na medula adulta, e ela se espalhasse formando uma malha que servisse como tapete ou agarras para axônios cortados e empacados no local, isso seria suficiente para que eles se estendessem ao outro lado da lesão e reestabelecessem a conexão?

A resposta em ratos foi um lindo e retumbante Sim, e Tatiana pediu imediatamente a patente para uso clínico, em 2007. Passar a estudos em humanos, no entanto, requeria investimento pesado que, sem a concessão da patente (que só saiu agora em 2025), as empresas farmacêuticas consultadas não queriam arriscar.

A história mudou em 2019, graças à visão e confiança em Tatiana do presidente da Cristália, Ogari de Castro Pacheco, que resolveu apoiá-la —e o resultado a gente agora conhece. A ciência precisa de mais pessoas como ele...

Referências:

Freire E, Coelho-Sampaio T (2000) Self-assembly of laminin induced by acidic pH. Journal of Biological Chemistry 275, 817-822.

Barroso MMSA, Freire E, Limaverde GSCS, Rocha GM, Batista EJO, Weissmuller G, Andrade LR, Coelho-Sampaio T (2008) Artificial laminin polymers assembled in acidic pH mimic basement membrane organization. Journal of Biological Chemistry 283, 11714-11720.

Menezes K, De Menezes JRL, Nascimento MA, Santos RS, Coelho-Sampaio T (2010) Polylaminin, a polymeric form of laminin, promotes regeneration after spinal cord injury. FASEB Journal 24, 4513-4522.


Lula, o very nice man, deve desconfiar da cantada de Trump, FSP

 Autocrata responsável pela "putinização" dos Estados Unidos, segundo o diagnóstico do ex-campeão de xadrez Garry Kasparov, bufão a exibir o ridículo de nossos tempos e sobretudo o dele próprio, Donald Trump não perdeu a chance de pendurar uma melancia no pescoço durante a Assembleia Geral da ONU.

Fez um discurso de charlatão de feira. Um espetáculo de arrogância, preconceito e isolacionismo, ataques às leis internacionais e negação às mudanças climáticas, embalado em linguagem idiotizada. Além das inverdades cabeludas que sem as quais Trump não é Trump.

O presidente americano —que vê o Brasil como a república das bananas que ele quer instalar nos EUA— voltou a dizer que aqui ocorrem violações de direitos humanos. Uma mentira usada para sustentar a chantagem econômica, quase um embargo, com a qual tentou interferir no julgamento de Bolsonaro. Mesmo após a condenação, municiado pelo filho 03 e o escritório de traidores com acesso à Casa Branca, ele continua tentando, com ameaças de novas sanções a autoridades e a revogação do visto de Tomás Paiva, o comandante do Exército. A justificativa absurda é que o general trabalha para Alexandre de Moraes.

Ao esbarrar em Lula na ONU, Trump jogou uma cantada: "Eu gostei dele e ele de mim. Por pelo menos 39 segundos nós tivemos uma química excelente". A expectativa da conversa entre os dois políticos frustra os bolsonaristas —que estão acumulando derrota atrás de derrota— e abre a possibilidade de interromper o momento mais crítico de uma relação binacional que, à exceção do golpe militar de 1964, sempre correu sem maiores sobressaltos.

Existe o temor de que Trump transforme a conversa em uma armadilha, um show sensacionalista, emparedando Lula com temas não comerciais: a aprovação de anistia para os golpistas, um liberou geral para o funcionamento das redes ou a classificação de facções criminosas como células terroristas, permitindo que os EUA façam operações militares no Brasil. Se acontecer, o clima de flerte acaba na hora.

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Paulo Rangel Brasil e Portugal: 200 anos de perfeita amizade, \fsp

 Há 200 anos, a 29 de agosto de 1825, Brasil e Portugal concluíram o Tratado do Rio Janeiro —Tratado de Paz, Amizade e Aliança—, em que Portugal reconhece a Independência do Brasil, três anos depois do "Grito do Ipiranga".

Ali foi proclamada "a mais perfeita amizade", que viria a consubstanciar o código genético desta relação entre irmãos, do novo vínculo entre iguais. A ligação entre os dois povos e as duas nações é tão profunda que Portugal não seria Portugal sem o Brasil e o Brasil não seria o Brasil sem Portugal. A relação de Portugal com o Brasil e do Brasil com Portugal é um dos traços da identidade essencial de cada um dos povos —embora obviamente seja apenas "um dos" traços, entre muitos outros, dessa identidade.

Paulo rangel, ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros de Portugal - Valentyn Ogirenko - 14.mar.2025/Reuters

Isso diz tudo sobre a "perfeita amizade" que está sempre em vias de se renovar e aprofundar, porque a capacidade de essa amizade se aperfeiçoar faz parte do âmago do conceito de "perfeita amizade". Na verdade, e jogando com a "intenção objetiva" das palavras, uma "perfeita amizade" não é uma "amizade perfeita". A amizade perfeita está concluída, está perfeita, pode ser perene mas tem uma conotação estática.

A perfeita amizade é "aberta ao tempo", incorpora um sentido dinâmico, encontra-se em constante devir, em aperfeiçoamento incessante e permanente. A amizade perfeita perfez-se; a perfeita amizade está sempre a refazer-se.

A primeira dimensão dessa amizade é naturalmente a dimensão humana, logo traduzida no intercâmbio "demográfico" entre os dois povos, quase a dizer-nos que a amizade "virou" atração, atração física. Nunca tantos portugueses viveram no Brasil e tantos brasileiros viveram em Portugal; nunca tantos portugueses visitaram o Brasil e tantos brasileiros visitaram Portugal; nunca houve tantos duplos nacionais. Essas realidades demográficas são o espelho da proximidade funda entre os dois povos e ambas as comunidades têm um enorme reflexo cultural e econômico, que pode ainda ser largamente potenciado.

Outra dimensão intimamente ligada a esta vem a ser a da língua portuguesa, cultivada na literatura, na música, no teatro e no cinema, mas também na projeção global, inclusive política. A aposta estratégica na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e na relação com todos os povos lusófonos é disso o melhor exemplo.

Neste júbilo dos 200 anos, marca-se também os 50 anos da independência dos países africanos lusófonos; com eles, estima-se que a nossa língua comum possa atingir os 600 milhões de falantes no final do século. O português é língua oficial da Iberoamérica, do Mercosul, da União Europeia, da União Africana. A decisão, tomada na cúpula bilateral de Brasília de 2025, de avançar para a sua introdução gradual na ONU, com vista a chegar a língua oficial, é a prova dessa aposta conjunta.

No palco mundial, a defesa intransigente do multilateralismo e dos valores da Carta da ONU, bem como a luta contra as alterações climáticas são desígnios partilhados. Como já várias vezes afirmei, o Brasil é uma "superpotência climática" e, por isso, Portugal saúda a organização da COP30, em Belém, que terá de ser um novo marco da proteção da biodiversidade, dos oceanos e dos direitos inalienáveis das gerações futuras.

As relações econômicas e científico-acadêmicas têm conhecido um notável desempenho e são basicamente o resultado do cruzamento espontâneo das sociedades civis. Há ainda laços da nossa imbricação em que os Estados têm tido um papel catalisador. Pense-se no fluxo crescente de estudantes e investigadores, na abertura do escritório da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) em Lisboa, na ponte aérea diária para as mais diversas cidades do Brasil assegurada pela TAP ou no projeto exemplar da participação portuguesa na construção do avião KC-390 da Embraer.

Há 200 anos como agora, prevalecem as mágicas palavras que, desde 2021, cantam Caetano Veloso e Carminho na canção "Você-Você": "Requer de nós grande arte/ Criar novo mundo louco/ É muito e inda é pouco/ Que aprendas a conjugar-te".

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