Tatiana Sampaio, bióloga, professora da UFRJ e colaboradora da empresa farmacêutica brasileira Cristália, não tem descanso desde o anúncio do sucesso do tratamento que ela desenvolveu para promover a reconexão da medula espinal com uma única injeção de polilaminina no local da lesão. São vários emails por dia de pacientes paralisados se oferecendo como cobaias para novos estudos. No meio de tantos emails, os meus, pedindo para conversar com ela, se perderam —então eu usei este espaço na Folha para apelar, semana passada: Tatianaaaa, responde meus emails?
Eis o poder do jornal como veículo de comunicação, quando emails e redes sociais são rapidamente inundados: Tatiana respondeu no mesmo dia. Trocamos textos e áudios, depois conversamos até eu literalmente entrar no avião no dia seguinte. Eu queria saber o que as matérias na televisão, excelentes, ainda assim não contavam, que eram os bastidores da descoberta. De onde tinha vindo a ideia de usar polilaminina para reconectar neurônios dentro da medula?
A resposta é a já lendária mistura de acidente com uma mente preparada. Nos anos 1990, Tatiana estudava como macromoléculas —moléculas gigantescas, como os aglomerados de proteínas amilóides comuns em doenças degenerativas— se fazem e desfazem. A macromolécula que Tatiana estudava era a laminina, cujo processo de divisão em três subunidades menores ela tentava controlar no laboratório.
Sem querer, Tatiana descobriu que colocando a laminina em líquidos ácidos, ao contrário de se partir em subunidades, ela se auto-organizava em uma malha gigantesca: um tecido, mesmo, plano, na acepção literal da palavra "malha", formada de inúmeras pecinhas de laminina. Esta malha é o que Tatiana batizou de polilaminina.
E aqui entra a importância da mente preparada. Tatiana sabia que, dentro do corpo e do cérebro novinhos, ainda em desenvolvimento, tem a malha agora chamada de polilaminina por todo lado, formando inclusive verdadeiros tapetes ao longo dos vasos sanguíneos, que servem como guias para axônios se estenderem. Conforme o cérebro e a medula amadurecem, a polilaminina some —mas continua presente nos nervos, produzida pelas células de Schwann que os encapam. Quando um nervo do corpo é cortado, essas células produzem polilaminina de montão, à qual as fibras nervosas cortadas podem se agarrar e se estender de novo, como atletas em um muro de escalada.
A pergunta seguinte, imediata, óbvia e inevitável, então era uma só: se Tatiana reintroduzisse a polilaminina no local de uma lesão na medula adulta, e ela se espalhasse formando uma malha que servisse como tapete ou agarras para axônios cortados e empacados no local, isso seria suficiente para que eles se estendessem ao outro lado da lesão e reestabelecessem a conexão?
A resposta em ratos foi um lindo e retumbante Sim, e Tatiana pediu imediatamente a patente para uso clínico, em 2007. Passar a estudos em humanos, no entanto, requeria investimento pesado que, sem a concessão da patente (que só saiu agora em 2025), as empresas farmacêuticas consultadas não queriam arriscar.
A história mudou em 2019, graças à visão e confiança em Tatiana do presidente da Cristália, Ogari de Castro Pacheco, que resolveu apoiá-la —e o resultado a gente agora conhece. A ciência precisa de mais pessoas como ele...
Referências:
Freire E, Coelho-Sampaio T (2000) Self-assembly of laminin induced by acidic pH. Journal of Biological Chemistry 275, 817-822.
Barroso MMSA, Freire E, Limaverde GSCS, Rocha GM, Batista EJO, Weissmuller G, Andrade LR, Coelho-Sampaio T (2008) Artificial laminin polymers assembled in acidic pH mimic basement membrane organization. Journal of Biological Chemistry 283, 11714-11720.
Menezes K, De Menezes JRL, Nascimento MA, Santos RS, Coelho-Sampaio T (2010) Polylaminin, a polymeric form of laminin, promotes regeneration after spinal cord injury. FASEB Journal 24, 4513-4522.
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