domingo, 24 de agosto de 2025

Do Planalto à cadeirada, PSDB some da política, sem identidade e lideranças, \fsp

 Gustavo Zeitel

SÃO PAULO

O governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, disse que o Brasil mudou. A sentença, proferida em discurso no início da semana, lhe serviu como justificativa para trocar o PSDB, onde permaneceu por duas décadas, pelo PP, agora numa federação com o União Brasil. Riedel era o último tucano na liderança de um estado. Desde 2022, o PSDB perdeu, um a um, seus governadores eleitos: Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, e Raquel Lyra, de Pernambuco, já haviam migrado para o PSD.

É um quadro bem representativo da perda de relevância política do partido. Em quase quatro décadas de existência, a legenda viveu seu auge na presidência do tucano Fernando Henrique Cardoso e entrou em decadência, depois da derrota de Aécio Neves na disputa contra Dilma Rousseff (PT), em 2014. Uma série de fatores contribuiu para tanto: a ausência de identidade marcante, a falta de novos quadros, a Lava Jato, além das disputas internas e da ascensão do bolsonarismo como força antipetista.

A imagem mostra dois homens em um debate, aparentemente em um momento de conflito. Um dos homens está tentando puxar um objeto, enquanto o outro tenta segurá-lo. O ambiente parece ser um estúdio de televisão, com um cronômetro visível na parte inferior da imagem, marcando 00:07. Há elementos gráficos ao redor, indicando que se trata de um debate sobre eleições municipais.
José Luiz Datena, candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo em 2024, dá uma cadeirada em seu concorrente, Pablo Marçal (PRTB), durante o debate da TV Cultura - Reprodução

"Quando apareceu um líder que falava com a alma profunda do eleitorado do PSDB, o voto foi para Bolsonaro", afirma Aloysio Nunes, que compôs o ministério do governo FHC e exerceu três mandatos como deputado federal e um como senador até pedir, no ano passado, para ser desfiliado da sigla.

Ele afirma que os partidos de direita estão se "coagulando" e têm o desafio de escapar do bolsonarismo. "Existe uma facilitação, estamos vendo o final da vida política de Jair Bolsonaro (PL), que entrou como leão no Supremo Tribunal Federal (STF), mas saiu como cão sarnento e desdentado", diz, lembrando o depoimento do ex-presidente, em junho, sobre a trama golpista.

No passado recente, Aloysio credita à Operação Lava Jato o aumento da impopularidade do PSDB. Ele próprio foi investigado pela Polícia Federal, suspeito de se envolver no esquema de corrupção da Odebrecht. Assim como aconteceu com outros então tucanos, como José Serra e o agora vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), o processo foi arquivado. À época, o PSDB usava o discurso anticorrupção para fazer frente ao PT e acabou ficando sem retórica quando seus integrantes figuraram em delações.

Pouco a pouco, o eleitorado migrou para Bolsonaro, que despontava como candidato à presidência nas eleições de 2018. "Aí o estrago já estava feito", afirma Aloysio. Professor de ciências políticas da FGV, Marco Antonio Teixeira conta que o bolsonarismo já se camuflava no tucanato, em especial por causa do discurso anticorrupção, uma prévia do sentimento antissistema. A transmissão do capital político do PSDB para Bolsonaro, afirma Teixeira, foi pavimentada por organizações da sociedade civil, como o MBL (Movimento Brasil Livre), que atuou pelo impeachment de Dilma, em 2016.

"O bolsonarismo corroeu a base política tucana", afirma Teixeira, acrescentando que o PSDB não foi capaz de produzir novas lideranças e sucumbiu a disputas internas. Em 2018, por exemplo, João Doria conseguiu se eleger governador de São Paulo, apoiando Bolsonaro à presidência, numa estratégia conhecida como "BolsoDoria".

Alckmin, naquele momento no PSDB e opositor de Bolsonaro na corrida eleitoral, considerou o movimento de Doria uma traição e resolveu apoiar Márcio França (PSB) ao governo paulista. "Doria foi o coveiro do PSDB", diz Teixeira. "Ele criou uma grande confusão e saiu da vida pública. Não era um projeto do PSDB, era um projeto do Doria, que puxou o tapete do agora vice-presidente."

O Partido da Social Democracia Brasileira foi fundado em 1988, em um contexto de redemocratização. Seus fundadores, entre eles o primeiro presidente da sigla, Franco Montoro, eram dissidentes do PMDB, que abrigava políticos mais conservadores.

No evento de lançamento do partido, Montoro discursou diante de uma réplica do tucano. Como ainda não havia sido definido o nome da legenda, a imprensa passou a chamá-la de "partido dos tucanos", criando uma mascote antes mesmo da denominação.

Não tardaria para que o partido tivesse expressão nacional. Em 1994, o tucano Fernando Henrique Cardoso venceu as eleições presidenciais após notabilizar-se por implementar o Plano Real como ministro da Fazenda de Itamar Franco.

Em seu primeiro governo, FHC fez uma série de reformas, enxugou o Estado brasileiro e privatizou estatais, como a Vale do Rio Doce.

Um dos escândalos que mais desgastaram sua imagem esteve ligado à emenda que o beneficiou, autorizando a sua reeleição. Em 1997, uma reportagem da Folha revelou que deputados do extinto PFL negociaram seus votos a favor da proposta por R$ 200 mil. Na época, a cúpula da Câmara impediu a instalação de uma CPI.

Finda a era FHC, o PSDB tornou-se sinônimo de oposição ao PT e construiu sua força eleitoral em Minas Gerais, estado que governou por quatro mandatos, e em São Paulo, onde chefiou o governo estadual por 28 anos até Rodrigo Garcia (PSDB) ficar de fora do segundo turno, em 2022. Professor da FespSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), Henrique Curi identifica um momento determinante para o ocaso do partido.

A imagem mostra um grupo de pessoas em um evento, todas usando bonés amarelos e azuis. No centro, um homem de camiseta branca está falando e gesticulando. Ao redor dele, há várias pessoas, incluindo homens e mulheres, algumas com expressões sorridentes. O fundo é uma tela com cores azul e verde, possivelmente representando uma marca ou evento. Uma mulher idosa está sentada à esquerda, enquanto outros participantes estão em pé, formando um círculo em torno do orador.
Líder do PSDB na Câmara, deputado Adolfo Viana discursa ao lado de Aécio Neves e Marconi Perillo na convenção que aprovou a fusão com o Podemos - Alexssandro Loyola/Divulgação

Em 2014, o PSDB entrou com um pedido no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para verificar a lisura da eleição presidencial. Aécio perdera o pleito para Dilma por uma margem apertada —51% a 48%. "Contestar as urnas significou a abertura do partido à antipolítica e não mais se diferenciou da política baseada em radicalizações", diz Curi. Aloysio Nunes, porém, tem uma versão diferente do ocorrido.

Ele afirma que viu Aécio ligar para Dilma e reconhecer a derrota. Diz também que o pedido no TSE era evitar que houvesse um sentimento de fraude, e não uma demanda por recontagem de votos. De toda forma, o episódio, na visão de Curi, aprofundou sua noção de que o partido nunca conseguiu construir uma identidade própria, além da oposição ao PT.

Os números, afinal, mostram que a decadência do PSDB se iniciou depois de 2014. Nas eleições passadas, o partido elegeu apenas 13 deputados federais e três senadores. Em 1998, conseguiu eleger 99 deputados federais e 16 senadores. A decadência do PSDB foi consumada com o episódio da cadeirada de José Luiz Datena, candidato tucano à Prefeitura de São Paulo, em Pablo Marçal (PRTB), seu adversário, em um debate nas eleições de 2024.

Em junho deste ano, a convenção nacional do PSDB aprovou a fusão do partido com o Podemos. Dias depois, porém, as siglas desistiram do acordo por divergências sobre quem assumiria a presidência.

"O episódio da cadeirada mostrou como a sigla não conseguia mais controlar os valores de sua fundação", diz Curi. "A fusão só poderia funcionar se não parecesse um ajuntamento cartorial."


Julgamento de Bolsonaro trará novidades, Elio Gaspari- FSP

 

Agosto começará em setembro, com o julgamento de Jair Bolsonaro e do estado-maior da trama golpista de 2022/23. Correndo por fora, poderá vir o início dos trabalhos da CPI da roubalheira dos aposentados.

A divulgação, pela Polícia Federal, de diálogos e documentos dos Bolsonaro apimentou o caso, trazendo para o debate a trama que influenciou o comportamento do governo de Donald Trump. No dia 9 de julho, ele exigiu que o processo contra o ex-presidente fosse extinto "IMEDIATAMENTE" (ênfase dele). Foram palavras ao vento, desmoralizadas pela revelação dos diálogos do deputado Eduardo Bolsonaro com seu pai.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deixa o hospital DF Star, onde foi realizar exames. Apoiadores foram ao local para apoiar Bolsonaro - Pedro Ladeira/Folhapress

A diplomacia destrambelhada de Trump e de Marco Rubio, seu secretário de Estado, entrou num beco com poucas saídas. A tese segundo a qual o Brasil desrespeita os direitos humanos de seus cidadãos não fica em pé, mesmo para advogados americanos. O deputado Jim McGovern, autor da Lei Magnitsky, usada para sancionar o ministro Alexandre de Moraesclassificou o gesto de "vergonhoso".

Depois de uma condenação de Bolsonaro, uma eventual persistência de Trump carregará um peso adicional. O Brasil nunca teve um contencioso de tão baixa qualidade com os Estados Unidos, capaz de contaminar outros itens da agenda da Casa Branca.

Falando em nome do governo americano (sem mandato para isso), Bolsonaro disse a Silas Malafaia: "Se não começar votando a anistia não tem negociação sobre tarifa". Referia-se à própria anistia. Seu filho, acampado em Washington, era mais cauteloso, tremendo que uma "anistia light" deixasse o pai de fora e desarticulasse duas armações.

Quem acompanha essa crise tem um palpite. Depois da condenação de Bolsonaro e seu estado-maior golpista, o Congresso poderá aprovar a "anistia light" temida pelo deputado.

Tratando da divulgação, pela Polícia Federal, das conversas de Eduardo Bolsonaro com seu pai, o governador de São PauloTarcísio de Freitas, reclamou, perguntando "onde o Brasil vai parar" com esse tipo de conduta (da PF).

Errou o alvo. Deveria ter perguntado a que ponto se chegou com um deputado tratando de assuntos de Estado com linguagem de gafieira com um ex-presidente da República.

Tarcísio precisa calcular até onde levará sua gratidão a Bolsonaro.

O governador Tarcisio de Freitas (Republicanos) no palco da Igreja Lagoinha durante evento em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

A ASTÚCIA DE BRAGA NETTO

O general Walter Braga Netto chegou à quarta estrela e ocupou o Ministério da Defesa. Com tamanho desempenho, seria o caso de pensar que soubesse cuidar da sua segurança.

No dia 9 de fevereiro de 2024, quando Alexandre de Moraes havia proibido que os dois se comunicassem. O general da reserva mandou a seguinte mensagem a Bolsonaro:

"Estou com este número pré pago para qualquer emergência. Não tem zap."

Esperto, Braga Netto desconsiderou a possibilidade da apreensão do celular de Bolsonaro.

Ex-interventor na segurança do Rio de Janeiro, o general não aprendeu nada.

Eduardo Riedel, governador de Mato Grosso do Sul, deixou o PSDB e se aninhou no PP.

homem de azul ao centro do palco com pessoas; ao lado, mulher de branco fala ao microfone
Eduardo Riedel, então no PSDB, durante campanha ao Governo de Mato Grosso do Sul, ao lado da ex-ministra Tereza Cristina (PP) - Eduardo Riedel no Facebook

O partido de Fernando Henrique Cardoso, Franco Montoro e Mário Covas, exauriu-se. Acabou-se muito mais pelas suas virtudes do que pelos defeitos. No seu esplendor, teve 1,3 milhão de filiados e oito governadores, inclusive os de São Paulo e Minas Gerais.

Quando for escrita a história deste período, vai-se descobrir que ele foi uma fracassada tentativa de exercício do poder pelos social-democratas. O que vinha a ser esse poder, não se sabe direito. Sabe-se, contudo, que o ocaso dos tucanos coincide com uma polarização pobre, pedestre e primitiva.