domingo, 24 de agosto de 2025

Bolsonarismo engole PL e caminha para expurgar centrão do partido, FSP

 Raphael Di Cunto

BRASÍLIA

A ameaça de expulsão de um dos quadros históricos do PL intensificou o processo colocado em curso pelo presidente da legenda, Valdemar Costa Neto, de expurgar a "ala centrão" e cristalizar o domínio do bolsonarismo, que embarcou no partido em 2021 e o levou a ter a maior bancada na Câmara dos Deputados.

Um dos principais expoentes do centrão —grupo político refundado em 2014 por Eduardo Cunha e de perfil altamente fisiológico—, Valdemar não é mais o mesmo. "O Valdemar já trocou o chip há muito tempo, não vejo ninguém mais conservador e de direita que ele. Tem nosso total apoio", diz o líder da legenda na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ).

O objetivo, afirma Sóstenes, é chegar no ano eleitoral de 2026 com a ala de centro praticamente fora do partido e com o PL quase 100% ideológico, como a maior legenda conservadora e de direita do país.

Na imagem, dois homens estão sorrindo e usando bonés verdes com a inscrição 'ROTA 22' em amarelo. O homem à esquerda está vestido com um terno escuro e uma camisa clara, enquanto o homem à direita está usando uma camiseta escura. Ambos parecem estar em um ambiente interno, com uma parede clara ao fundo.
Valdemar Costa Neto e Jair Bolsonaro durante almoço em restaurante de Brasília, em março - Adriano Machado - 12.mar.25/Reuters

A mais recente ameaça de expulsão recai sobre o deputado Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP) por elogios a Alexandre de Moraes e declarações críticas ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Embora Valdemar tenha publicado nota dizendo que Rodrigues tinha acabado de ser expulso após as declarações, o parlamentar ainda permanece filiado e não foi notificado da representação interna. Ele disse que aguardará esse comunicado para definir como irá se posicionar.

O deputado foi ministro dos Transportes na gestão Dilma Rousseff (PT) e vereador em São Paulo por quatro mandatos, sempre pelo PL. O caso de Rodrigues chamou atenção por ele ser um dos mais fiéis aliados de Valdemar, tendo ocupado interinamente a presidência da sigla enquanto ele esteve preso, condenado por participação no mensalão das gestões petistas.

Sóstenes defende tratar o caso com diálogo, parcimônia e amplo direito à defesa. "Entendo a situação do Antonio Carlos, que nunca teve outro partido, e que é daquele PL mais centro, que aderia a qualquer governo. Com o processo de transformação do PL no maior partido de direita do Brasil, porém, acho que está se apresentando um divórcio com o estilo dele de fazer política", afirmou.

O líder da bancada afirma esperar que haja um amadurecimento das duas partes que convivem hoje no PL, o centrão e a direita, para um acerto final.

"Com o processo de ideologização do PL, o ambiente não será atrativo para esses políticos que eram mais centro. A gente elegeu 99 deputados em 2022, sendo que uns 25 eram desse PL mais centro. Uns 15 já saíram e acho que na janela [de transferência partidária, no primeiro trimestre do ano que vem] o restante deve sair."

Ele afirma que há cerca de outros 30 deputados bolsonaristas de partidos como União Brasil, PSD, PP e Podemos que devem ingressar na legenda, zerando as perdas. "Na eleição de 2026, o partido vai para as urnas com 98%, 99% nesse perfil do grande partido conservador e de direita."

Um dos que também podem deixar a sigla é o deputado Wellington Roberto (RN), que está no PL há mais de 20 anos e liderou o partido na Câmara de 2019 a 2021. Nessa função, representou a bancada no plenário e nas principais negociações do governo Bolsonaro.

Ele diz que pretende deixar o partido até o fim do ano, sem nem esperar a janela partidária, mas ainda depende de costuras regionais para decidir seu destino. "Toda mudança, quando é rápida demais, é preocupante", afirma o parlamentar, que perdeu o comando do diretório da Paraíba para o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga.

Um outro deputado com vários mandatos pelo PL afirma, sob anonimato, que ainda avalia se continuará na legenda para disputar a eleição. Ele destaca que, com a prisão de Bolsonaro, não está claro se o candidato da direita será do PL ou filiado a outro partido, o que pode levar à saída dos bolsonaristas.

Os deputados eleitos em 2022 ajudaram a inflar os fundos eleitoral e partidário do PL, que chegaram a casa do bilhão de reais. A sigla passou de 33 deputados federais eleitos em 2018 para 99 em 2022.

Desde o início da legislatura, 10 já saíram do partido para agremiações mais próximas ao governo Lula (PT): 5 foram para o PP, 3 para o Republicanos, 1 para o MDB e 1 para o PSB –o deputado Júnior Mano, que buscou se aproximar do grupo do governador do Ceará, que é petista, com o objetivo de se cacifar para uma vaga no Senado.

O deputado Robinson Faria (RN) havia se filiado ao PL pela ligação do filho, o ex-ministro das Comunicações Fábio Faria, com Bolsonaro, mas afirma que não se encaixou na legenda. "Meu voto é mais de centro, e o PL estava com uma pauta que eu não concordava. Se posicionou contra a reforma tributária, por exemplo, e eu votei a favor", diz ele, hoje no PP.

O PL é uma das várias crias da Arena, a sigla que apoiava o regime militar. O partido atingiu certo grau de notoriedade em 1989, quando Guilherme Afif Domingos disputou a Presidência da República, chegou a empolgar em determinado período, mas ficou em sexto.

No governo Fernando Henrique Cardoso, o PL viveu momentos de oposição, após Valdemar se desentender com o então poderoso ministro das Comunicações, Sergio Motta. À época com pouco mais de dez deputados federais, o partido se esforçava para escapar do pelotão dos nanicos.

Foi em 2002 que a sigla deu sua primeira grande guinada. Na eleição presidencial daquele ano, o empresário mineiro José Alencar caiu nos braços do PL após se desentender com o MDB. Alencar foi escolhido para ser vice de Lula, que venceu a eleição e se tornou presidente da República a partir de 2003.

Desde então, com altos e baixos, o PL esteve na órbita dos governos do PT, em especial comandando a área de transportes.

Valdemar caiu em desgraça com o mensalão, renunciou ao mandato de deputado por duas vezes —em 2005, quando estourou o escândalo, e em 2013, quando saiu sua ordem de prisão—, mas mesmo na cadeia não perdeu a influência sobre a sigla.

O partido teve um segundo momento de ascensão em 2010, quando o palhaço Tiririca se tornou o deputado mais votado do país e o PL, a sua sigla, chegou a 41 deputados federais eleitos.

Foi a sua melhor marca até a chegada de Bolsonaro, em 2021, que o tirou do bloco de médios para o colocar na prateleira das maiores legendas do país.

Marcos de Vasconcellos - Entre Trump e Powell, a Bolsa escolheu o segundo, FSP

 Pela leitura das notícias, a taxação de 50% sobre as exportações brasileiras aos Estados Unidos foi tratada por Eduardo Bolsonaro como a bala de prata para tirar a tornozeleira do pai, o ex-presidente, atualmente inelegível, Jair Messias. A novidade sufocaria a economia e minaria a popularidade de Lula, permitindo ao deputado federal em terras estrangeiras indicar a si próprio como salvador.

Não se sabe o real crédito de Eduardo na guerra tarifária de Trump. Pelas mensagens enviadas ao pai, seria grande. Pelas publicações em suas redes sociais, seria insignificante. O efeito político imediato foi no sentido contrário. Lula ganhou popularidade ao comprar briga. Na economia, a Bolsa —um de seus termômetros— indica que os investidores já não dão tanta importância ao caso.

Em julho e agosto, com o anúncio do tarifaço e a carta de Donald Trump tentando interferir no julgamento do Bolsonaro, o Ibovespa, principal indicador da nossa Bolsa, sofreu uma sequência de quedas. Bastou, no entanto, uma fala de Jerome Powell, presidente do Fed (banco central dos EUA), nesta sexta-feira (22) para o índice voltar aos 137 mil pontos, acima do que estava no fatídico 10 de julho, quando o presidente dos EUA mirou os canhões do "tarifaço" contra o Brasil.

A imagem mostra duas pessoas em um ambiente de construção. À esquerda, um homem com cabelo claro, usando um terno escuro e uma gravata rosa. À direita, um homem com cabelo grisalho, vestido com um terno escuro e segurando um capacete branco. O fundo apresenta estruturas de madeira e tubulações expostas, sugerindo que o local está em reforma.
Presidente dos EUA, Donald Trump, e chair do Fed, Jerome Powell, durante tour pelo prédio do banco central americano - Kent Nishimura - 24.jul.25/Reuters

É claro que o mundo é complexo e não há só uma explicação para cada queda ou alta. Como se diz no mercado financeiro: "caiu porque venderam, subiu porque compraram". E aí é importantíssimo lembrar que quem compra e vende volumes com o poder de movimentar a Bolsa inteira são os grandes fundos estrangeiros.

Nesse ponto, não adianta tentar se orientar pelo humor dos vizinhos do condomínio, o que eles acham do mercado, do governo ou das tarifas. Quando Powell dá a entender que há espaço para cortar juros nos Estados Unidos em setembro, os gestores de fortunas olham para o tabuleiro e pensam que dá para assumir um risco a mais em mercados emergentes, como o nosso.

Se você tratar o mercado como ente soberano, que define os preços de acordo com os riscos e retornos esperados, a opinião política deveria ser a última coisa a ser considerada ao decidir sobre seus investimentos. Neste ano, o Ibovespa subiu 14,5%. Desde janeiro de 2023, no início do terceiro mandato de Lula, a alta foi de quase 30%. Mesmo com a taxa de juros (tradicional detratora da Bolsa) em níveis alarmantes.

De janeiro a agosto, os estrangeiros aplicaram R$ 20,6 bilhões na Bolsa brasileira. Isso está acima do valor do aporte anual dos gringos em 5 dos últimos 9 anos, diz estudo da empresa Quantum.

Isso aconteceu ao mesmo tempo em que as apostas nas quedas dos preços das ações dispararam. O aluguel de ações aumentou 42% no primeiro semestre, movimentando R$ 138 bilhões, segundo o jornal Valor Econômico. Você aluga ações basicamente para fazer vendas a descoberto, lucrando na queda do papel. O salto se deu, principalmente, pelo aumento da participação do investidor pessoa física, diz o jornal.

Enquanto o investidor brasileiro parece se orientar pelas manchetes com Trump, Bolsonaro e Lula, os donos do dinheiro dão atenção aos sinais de Jerome Powell, cuja caneta aponta os caminhos da grana do mundo.