segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Protecionismo no Brasil estrangula produtividade e renda da população, FSP

 

São Paulo

O Brasil impõe há décadas barreiras intransponíveis para o seu desenvolvimento e aumento do bem-estar da população por ser uma das economias mais fechadas do mundo.

De fora das grandes cadeias produtivas globais e com participação irrisória pouco superior a 1% no comércio mundial, o isolacionismo brasileiro freia o crescimento e estrangula a produtividade e a renda.

Desde a década de 1980, o Brasil vive na chamada "armadilha do baixo crescimento". O aumento médio do PIB, que beirou 7,5% entre 1950 e 1980, despencou para cerca de 2,5% a partir de 1981. O fator crucial para a estagnação é a baixa produtividade.

A imagem mostra uma vista aérea noturna de um porto, com armazéns e navios atracados. À esquerda, há uma área urbana iluminada, com ruas e edifícios visíveis. O rio está à direita, refletindo as luzes da cidade e do porto. O céu está escuro, indicando que é de noite.
Navios atracados no porto de Santos, o maior do país. - Eduardo Knapp - 19.nov.2024/Folhapress

Por hora trabalhada, a produtividade cresceu em média apenas 0,5% ao ano entre 1981 e 2023. Enquanto a agropecuária registrou avanço robusto de 6% ao ano, a indústria teve desempenho negativo, com queda média de 0,3% ao ano (-0,9% na indústria de transformação).

O setor de serviços, que representa 70% das horas trabalhadas, ficou praticamente estagnado. Sem uma aceleração da produtividade, a melhoria do padrão de vida da população brasileira não ocorrerá, afirmam especialistas.

No setor de máquinas e equipamentos, em que as importações poderiam elevar a produtividade das empresas, o Brasil tem as maiores tarifas do mundo, de até 11,5%.

"Isso barra a compra de máquinas avançadas e a eficiência, inclusive para aumentar as exportações", afirma Fernando Veloso, autor com outros economistas de livro do Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP), que destaca a urgência de uma nova agenda de integração comercial internacional.

A tese central do trabalho ("Integração Comercial Internacional do Brasil") é que, após ter desempenhado papel relevante na industrialização do país, a manutenção de uma economia fechada ao comércio exterior tornou-se obstáculo à produtividade e ao desenvolvimento.

Isso leva o Brasil a se distanciar cada vez mais dos níveis dos EUA. Se nos anos 1980 um trabalhador brasileiro alcançava 46% da produtividade de um norte-americano, hoje ele produz um quarto (25,6%). É o mesmo nível de sete décadas atrás, segundo dados do Conference Board. Significa que o um brasileiro leva uma hora para fazer o mesmo produto ou serviço que um americano realiza em 15 minutos.

Para os autores, o tarifaço de Donald Trump contra o Brasil mostrou a necessidade de o país diversificar e aumentar seu comércio internacional.

Apesar de uma breve liberalização na primeira metade da década de 1990, iniciada no governo Fernando Collor (1990-1992) — quando as tarifas caíram de uma média de 30,5% para 12,8% —, o país voltou a persistir na utilização da política de substituição de importações e em práticas que o afastaram do movimento internacional de liberalização.

"Enquanto a maioria dos emergentes continuou reduzindo tarifas e se inserindo em cadeias globais de valor, o Brasil ficou parado, distanciando-se novamente de seus pares", afirma Veloso.

As barreiras no Brasil permanecem elevadas, e a tarifa média para produtos industriais gira em torno de 12%, o dobro das mexicanas e quase o triplo das cobradas na União Europeia. Em 2021, o Brasil tinha a 13ª média tarifária mais elevada em um ranking de 191 economias, atrás apenas de alguns países da África ou de pequenas ilhas do Caribe.

Além disso, o país é um dos que mais utiliza barreiras não tarifárias, aplicando-as em 86% do valor de suas importações, contra uma média de 72% de 75 países. Esses entraves —regulamentos técnicos, normas de segurança e procedimentos alfandegários complexos— podem aumentar os preços dos produtos importados em até 2,4 vezes, um impacto mais elevado que o das próprias tarifas.

Para Renato da Fonseca, outro autor da obra, o sistema tarifário brasileiro se tornou uma "colcha de retalhos". Essa visão é endossada por Sandra Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), que observa que o problema da competitividade, decorrente da alta proteção, foi "sendo resolvido ao longo do tempo com os inúmeros regimes especiais de importação que o Brasil criou", os chamados "puxadinhos".

Eles incluem regimes setoriais, ex-tarifários (em que há permissão burocrática para importar máquinas que não tenham similares nacionais), a Zona Franca de Manaus e o drawback (autorização de importar com tarifa menor desde que para exportar depois), resultando em um regime muito fragmentado.

O protecionismo impõe obstáculos que impedem a absorção de tecnologia de ponta e desincentivam ganhos de competitividade. Um exemplo eloquente é o custo do iPhone no Brasil, o segundo mais caro em uma comparação de 37 países, atrás apenas da Turquia.

Essa realidade se estende a diversos produtos, como veículos elétricos e painéis fotovoltaicos, cujas tarifas de importação foram elevadas, na contramão dos objetivos de descarbonização.

Sandra Rios destaca o caráter perverso dos regimes especiais: enquanto as grandes empresas conseguem navegar pela burocracia para acessar ex-tarifários ou medidas antidumping, as pequenas e médias não têm recursos para isso.

Veloso lembra que políticas como o Inovar-Auto para o setor automotivo, contestadas na Organização Mundial do Comércio, não aumentaram investimentos em pesquisa e desenvolvimento e não resolveram os problemas estruturais de produtividade da indústria automobilística. Ele também critica a política de tributação da tecnologia estrangeira, que "não criou nenhum produto novo e, na verdade, reduziu o emprego".

Apesar da resistência histórica de empresários protegidos em abrir a economia, Rios diz que há sinais de descontentamento dentro do próprio setor industrial.

Ela cita a reclamação da Abiplast (no setor de plásticos) sobre medidas antidumping para insumos intermediários e a briga entre o setor de máquinas e equipamentos e a indústria de aço, com o primeiro buscando importar aço chinês mais barato. "Esses desconfortos estão sendo mais vocais", diz.

Os autores propõem uma reforma ambiciosa, mas gradual, para a política comercial brasileira. A principal meta é a redução e simplificação das tarifas de importação, visando uma média de 6% em um prazo de quatro anos, alinhando-se a países como África do Sul, Colômbia e México.

Outras medidas incluem reavaliação do Mercosul, redução de tributos sobre importações, adesão a acordos e inserção nas cadeias produtivas globais.

Embora possa haver deslocamento de trabalhadores em alguns setores (como automotivo, de confecção, móveis e calçados), as estimativas de impacto indicam uma geração líquida de empregos, com mais postos de trabalho sendo criados do que destruídos.

"O Brasil tem muita gordura em tarifas para queimar", afirma Fonseca. "Se queremos ser uma economia capitalista, precisamos entender que algumas empresas podem quebrar devido à má alocação de recursos que fizeram."

Noite de gala sombria reúne vampiros e outros seres em São Paulo, FSP

 

São Paulo

Noite de sábado e seres da noite saem de seus caixões, túmulos ou simplesmente do metrô paulistano e se dirigem à Mansão Hasbaya, como é conhecida a casa onde funciona o Buffet Manaus, na rua dos Franceses, na Bela Vista.

É ali, onde a luz parece tremeluzir e hesitar em revelar demais, que os convidados, todos eles vampiros, deslizam como sombras vestidas de seda e veludo, com muito preto e vermelho, rendas e um toque de decadência aristocrática. A um preço de R$ 300 por cabeça, com jantar e som garantido até as 4h.

A imagem mostra uma mulher com cabelo ruivo e lábios vermelhos, vestindo um vestido branco decorado com flores e rendas. Ela está segurando a gola do vestido, que apresenta manchas de sangue. O fundo é desfocado com luzes brilhantes, criando um efeito festivo.
Retrato de Samira Oliveira na festa Carmilla: Noite de Gala Sombria - Rafaela Araújo/Folhapress

A festa Carmilla: Noite de Gala Sombria, que teve no sábado passado (9) a sua 13ª edição, com cerca de 250 pessoas, não é apenas o evento anual mais importante da comunidade vampírica da cidade, mas também uma encarnação do conto gótico de mesmo nome, escrito em 1872.

Uma comunidade que pode atingir até 50 mil vampiros na América do Sul e Portugal, segundo as contas de Lord A, o líder dessa turma toda.

"Temos que considerar os seguidores no Instagram, nossos mailings, grupos de WhatsApp, frequentadores do site da Rede Vamp etc, já que nunca foi feito um censo vampírico pelo IBGE", diz o produtor cultural e DJ Andreas Sahjaza, o Lord A, dando uma pequena amostra do senso de humor das trevas.

A imagem mostra uma performance em um ambiente gótico, com uma dançarina em destaque, vestindo um top prateado e uma saia branca. Ela está sentada no chão, com uma expressão intensa e uma mão estendida. Ao fundo, há uma multidão de pessoas vestidas em trajes escuros, algumas com acessórios como capas e chapéus. O ambiente é decorado com detalhes arquitetônicos elaborados e iluminação suave, criando uma atmosfera dramática.
Dançarina do ventre e convidados da Carmilla na Mansão Hasbaya, cujas paredes são pintadas à mão - Rafaela Araújo/Folhapress

"Acredito que pode haver entre 40 mil e 50 mil. Predominando principalmente o pessoal da vertente fashionista, né?" A vertente é o pessoal que gosta do vampiro da cultura pop, do folclore, de viver aquela atmosfera típica dos personagens chiques na Nova Orleans do século 19, criados pela escritora Anne Rice.

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"Desde a primeira edição da festa, as pessoas entenderam que era um evento, então elas sempre capricharam muito visual, né? A Carmilla é adoravelmente extravagante", afirma ele.

A festa começa às 20h, quando, após a tradicional foto no jardim noturno da mansão, os convivas adentram a casa para se maravilhar com o estilo clássico, a escadaria de mármore, o piso de tábuas rangentes, as mobílias feitas em madeira nobre do século 19, as paredes desenhadas a mão.

Vinho tipo Sangue de Boi —que outro poderia ser?—, proveniente de garrafões, é passado em bandejas alternadas: uma com a versão seca da bebida, outra com a suave.

A roda se abre e uma dançarina do ventre inicia sua sedução. São várias as atrações na noite, como canto lírico, harpa, violino, dança tribal e música dos estilos dark synth e industrial goth.

A rainha Xendra Sahjaza, mulher do produtor cultural, flana pela festa, atraindo olhares por trás de lentes de contato coloridas. Logo, todos descem ao subsolo, onde um jantar aguarda nos réchauds e as atrações continuam pela noite.

A imagem mostra um casal posando em um ambiente luxuoso. A mulher está em pé, vestindo um traje preto com detalhes dourados e uma coroa, enquanto o homem está sentado em uma cadeira, usando um manto escuro e uma camisa de estilo medieval. O fundo apresenta paredes decoradas e janelas com luz suave, criando uma atmosfera elegante e dramática.
A rainha Xendra Sahjaza e Lord A, organizadores da festa - Rafaela Araújo/Folhapress

Uma letra diz tudo para quem é do ramo. Há vampiros e vampyros, sendo que os primeiros são os fashionistas. A outra vertente é mais espiritual. "Para a gente, o vampyro, com y, está mais próximo, assim, grossas linhas, da ideia de um xamã, de um xamã noturno", explica A.

"A prática ancestral, que caracteriza quem nasceu vampyro de quem não nasceu vampyro, é a facilidade para o sonho lúcido, para a viagem astral. Há histórias de voo noturno, conhecimento de herbologia, fazerem coisas para seus inimigos não os alcançarem, controle do tempo, enfim, é um viés mais pela mística, pela espiritualidade."

Para ele, essa história começou ainda na adolescência, quando leu num jornal sobre a existência de um grupo de vampiros quer se reunia periodicamente em um clube de Nova York. Andreas conseguiu o endereço por meio da agência de notícias e passou a receber um informativo vampírico.

A imagem mostra uma pessoa em uma performance artística, vestindo um traje com penas pretas e uma coroa elaborada. A figura está em um ambiente iluminado com luzes coloridas, cantando em um microfone. As asas do traje se destacam, criando uma silhueta dramática contra o fundo iluminado.
O contratenor Dannilu se apresenta na Carmilla, em 9/8 - Rafaela Araújo/Folhapress

Na época, ele ficava na miúda, temendo que o assunto não fosse levado a sério. Mas, lá pelos 25 anos, teve uma experiência de quase morte que o transformou. "Chega de me esconder, pensei. De agora em diante, vou viver como eu quero viver, vou falar daquilo que eu faço, daquilo que eu entendo. Estou há mais de 10 anos nesse negócio, vou achar meia dúzia de pessoas, pelo menos, que vão compartilhar de tudo isso."

Assim, Andreas saiu do armário —no caso, do caixão— e se assumiu vampiro. Tempos depois, apareceu numa reportagem na TV e, de repente, havia milhares de pessoas compartilhando o mesmo amor pelo sangue. Isso aconteceu há 20 anos.

Quando o último acorde de violino se desfaz, os convidados desaparecem como fantasmas, rumo à madrugada, para becos escuros onde o dia jamais chegará. Na verdade, a festa Carmilla não termina; ela apenas se recolhe, como um morcego que fecha suas asas, à espera do próximo crepúsculo.

Hélio Schwartsman O surpreendente mundo da ciência, FSP

 O mundo precisa desesperadamente de alfabetismo científico. Basta lembrar que, em 2020, Donald Trump, em sua primeira passagem pela Casa Branca, sugeriu que cientistas investigassem se injetar desinfetantes no corpo de pacientes não seria a solução para a pandemia de Covid.

Tudo bem que Trump é um cara fora da curva e só estava pensando alto. Mas respeitados membros da comunidade médica insistiram no uso de cloroquina contra a moléstia mesmo quando já havia muitos ensaios clínicos mostrando que essa droga antimalárica não era efetiva contra o Sars-CoV-2.

A imagem apresenta uma cena de ilustração em estilo cartoon, onde um homem de terno azul e gravata vermelha está segurando uma seringa, com uma expressão de raiva ou frustração. Ele está cercado por quatro pessoas, que parecem estar em estado de choque ou medo, com expressões faciais de preocupação. O fundo é de uma cor amarela vibrante, destacando a intensidade da cena.
Annette Schwartsman

Mesmo hoje, cinco anos depois de uma pandemia da qual o mundo foi resgatado por vacinas, parte das populações de países ricos e instruídos recusa imunizantes, provocando a ressurgência de doenças que haviam se tornado raras nesses lugares.

Contra a estupidez lutam os próprios deuses em vão, afirmou Schiller. Mas daí não decorre que devamos desistir. É aí que entram divulgadores de ciência como Joe Schwarcz, que acaba de ter uma de suas obras, "O Surpreendente Mundo da Ciência", lançada no Brasil.

Schwarcz é um clássico da divulgação científica. Isso significa que ela pega casos curiosos, identifica neles uma questão científica e a esclarece, quase sempre ampliando ainda mais a discussão. A ideia é usar boas e bem contadas histórias para despertar no público o interesse pela ciência. Quanto mais cientificamente alfabetizada for a população, menos espaço haverá para pseudociências, charlatanismos e cloroquinismos.

E, se há algo que Schwarcz sabe fazer, é transformar sua área de especialidade, que é a química, em histórias interessantes. Ao fazê-lo ele trata de questões primordiais para a vida das pessoas, como a alimentação, e do planeta, como poluição e mudança climática.

De forma menos vital, mas igualmente interessante, ele desvenda até a química do cheiro de livros, tanto os velhos como os novos. E informa usuários de Kindle saudosistas que já existem perfumes e velas com os aromas de que eles tanto sentem falta.