segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Noite de gala sombria reúne vampiros e outros seres em São Paulo, FSP

 

São Paulo

Noite de sábado e seres da noite saem de seus caixões, túmulos ou simplesmente do metrô paulistano e se dirigem à Mansão Hasbaya, como é conhecida a casa onde funciona o Buffet Manaus, na rua dos Franceses, na Bela Vista.

É ali, onde a luz parece tremeluzir e hesitar em revelar demais, que os convidados, todos eles vampiros, deslizam como sombras vestidas de seda e veludo, com muito preto e vermelho, rendas e um toque de decadência aristocrática. A um preço de R$ 300 por cabeça, com jantar e som garantido até as 4h.

A imagem mostra uma mulher com cabelo ruivo e lábios vermelhos, vestindo um vestido branco decorado com flores e rendas. Ela está segurando a gola do vestido, que apresenta manchas de sangue. O fundo é desfocado com luzes brilhantes, criando um efeito festivo.
Retrato de Samira Oliveira na festa Carmilla: Noite de Gala Sombria - Rafaela Araújo/Folhapress

A festa Carmilla: Noite de Gala Sombria, que teve no sábado passado (9) a sua 13ª edição, com cerca de 250 pessoas, não é apenas o evento anual mais importante da comunidade vampírica da cidade, mas também uma encarnação do conto gótico de mesmo nome, escrito em 1872.

Uma comunidade que pode atingir até 50 mil vampiros na América do Sul e Portugal, segundo as contas de Lord A, o líder dessa turma toda.

"Temos que considerar os seguidores no Instagram, nossos mailings, grupos de WhatsApp, frequentadores do site da Rede Vamp etc, já que nunca foi feito um censo vampírico pelo IBGE", diz o produtor cultural e DJ Andreas Sahjaza, o Lord A, dando uma pequena amostra do senso de humor das trevas.

A imagem mostra uma performance em um ambiente gótico, com uma dançarina em destaque, vestindo um top prateado e uma saia branca. Ela está sentada no chão, com uma expressão intensa e uma mão estendida. Ao fundo, há uma multidão de pessoas vestidas em trajes escuros, algumas com acessórios como capas e chapéus. O ambiente é decorado com detalhes arquitetônicos elaborados e iluminação suave, criando uma atmosfera dramática.
Dançarina do ventre e convidados da Carmilla na Mansão Hasbaya, cujas paredes são pintadas à mão - Rafaela Araújo/Folhapress

"Acredito que pode haver entre 40 mil e 50 mil. Predominando principalmente o pessoal da vertente fashionista, né?" A vertente é o pessoal que gosta do vampiro da cultura pop, do folclore, de viver aquela atmosfera típica dos personagens chiques na Nova Orleans do século 19, criados pela escritora Anne Rice.

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"Desde a primeira edição da festa, as pessoas entenderam que era um evento, então elas sempre capricharam muito visual, né? A Carmilla é adoravelmente extravagante", afirma ele.

A festa começa às 20h, quando, após a tradicional foto no jardim noturno da mansão, os convivas adentram a casa para se maravilhar com o estilo clássico, a escadaria de mármore, o piso de tábuas rangentes, as mobílias feitas em madeira nobre do século 19, as paredes desenhadas a mão.

Vinho tipo Sangue de Boi —que outro poderia ser?—, proveniente de garrafões, é passado em bandejas alternadas: uma com a versão seca da bebida, outra com a suave.

A roda se abre e uma dançarina do ventre inicia sua sedução. São várias as atrações na noite, como canto lírico, harpa, violino, dança tribal e música dos estilos dark synth e industrial goth.

A rainha Xendra Sahjaza, mulher do produtor cultural, flana pela festa, atraindo olhares por trás de lentes de contato coloridas. Logo, todos descem ao subsolo, onde um jantar aguarda nos réchauds e as atrações continuam pela noite.

A imagem mostra um casal posando em um ambiente luxuoso. A mulher está em pé, vestindo um traje preto com detalhes dourados e uma coroa, enquanto o homem está sentado em uma cadeira, usando um manto escuro e uma camisa de estilo medieval. O fundo apresenta paredes decoradas e janelas com luz suave, criando uma atmosfera elegante e dramática.
A rainha Xendra Sahjaza e Lord A, organizadores da festa - Rafaela Araújo/Folhapress

Uma letra diz tudo para quem é do ramo. Há vampiros e vampyros, sendo que os primeiros são os fashionistas. A outra vertente é mais espiritual. "Para a gente, o vampyro, com y, está mais próximo, assim, grossas linhas, da ideia de um xamã, de um xamã noturno", explica A.

"A prática ancestral, que caracteriza quem nasceu vampyro de quem não nasceu vampyro, é a facilidade para o sonho lúcido, para a viagem astral. Há histórias de voo noturno, conhecimento de herbologia, fazerem coisas para seus inimigos não os alcançarem, controle do tempo, enfim, é um viés mais pela mística, pela espiritualidade."

Para ele, essa história começou ainda na adolescência, quando leu num jornal sobre a existência de um grupo de vampiros quer se reunia periodicamente em um clube de Nova York. Andreas conseguiu o endereço por meio da agência de notícias e passou a receber um informativo vampírico.

A imagem mostra uma pessoa em uma performance artística, vestindo um traje com penas pretas e uma coroa elaborada. A figura está em um ambiente iluminado com luzes coloridas, cantando em um microfone. As asas do traje se destacam, criando uma silhueta dramática contra o fundo iluminado.
O contratenor Dannilu se apresenta na Carmilla, em 9/8 - Rafaela Araújo/Folhapress

Na época, ele ficava na miúda, temendo que o assunto não fosse levado a sério. Mas, lá pelos 25 anos, teve uma experiência de quase morte que o transformou. "Chega de me esconder, pensei. De agora em diante, vou viver como eu quero viver, vou falar daquilo que eu faço, daquilo que eu entendo. Estou há mais de 10 anos nesse negócio, vou achar meia dúzia de pessoas, pelo menos, que vão compartilhar de tudo isso."

Assim, Andreas saiu do armário —no caso, do caixão— e se assumiu vampiro. Tempos depois, apareceu numa reportagem na TV e, de repente, havia milhares de pessoas compartilhando o mesmo amor pelo sangue. Isso aconteceu há 20 anos.

Quando o último acorde de violino se desfaz, os convidados desaparecem como fantasmas, rumo à madrugada, para becos escuros onde o dia jamais chegará. Na verdade, a festa Carmilla não termina; ela apenas se recolhe, como um morcego que fecha suas asas, à espera do próximo crepúsculo.

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