segunda-feira, 18 de agosto de 2025

O controverso 'Mar de Plástico' que transformou a região mais seca da Espanha na horta da Europa, FSP

Alejandro Millán Valencia
BBC Mundo

Esta é a única construção humana visível a olho nu, sem o auxílio de instrumentos, a partir do espaço, de acordo com a Nasa, a agência espacial americana.

É o chamado "Mar de Plástico", 32.000 hectares de terra (equivalente a 44 mil campos de futebol) cobertos por estufas no sul da Espanha, entre as cidades de El Ejido e Almeria.

A imagem mostra uma vista aérea de uma vasta área agrícola, com campos cobertos por plásticos brancos, formando um padrão geométrico. Há também algumas áreas de água visíveis, além de uma estrada que atravessa a paisagem. A cidade é visível na parte inferior da imagem, com várias construções.
Há 32 mil hectares cobertos por estufas no sul da Espanha, especificamente na região de Almeria - Getty Images

Sob esses tetos de plástico branco, crescem cerca de quatro milhões de toneladas de alimentos por ano, como pepino, tomate, pimentão, melancia e melão, dos quais mais da metade é exportada para países europeus.

Por isso, esse enorme complexo também é conhecido como a "horta da Europa".

Um milagre econômico que é ainda mais notável porque a produção acontece em uma das zonas mais áridas da Espanha e da Europa: aqui chove apenas uma média de 54 dias por ano.

PUBLICIDADE

O desafio produtivo já se apresentava na década de 1950, quando a região enfrentava uma realidade ambiental difícil. Era necessário água para garantir que a agricultura fosse uma fonte econômica sustentável.

O governo espanhol decidiu, então, olhar para o subsolo: os aquíferos subterrâneos encontrados na região.

"A combinação de sol e água era perfeita para cultivar alimentos e impulsionar a economia de Almeria, que estava muito afetada", diz Luis Miguel Fernández, gerente da Associação de Organizações de Produtores de Frutas e Hortaliças de Almeria (Coexphal), à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.

O impulso tomou proporções épicas e, nos últimos 25 anos, o terreno não parou de crescer.

Atualmente, é uma atividade que gera cerca de US$ 5,1 bilhões por ano para a região. É, junto ao turismo, a principal atividade econômica, representando 40% do Produto Interno Bruto (PIB) de Almeria e gerando cerca de 100 mil empregos.

O "Mar de Plástico" produz 18% do total do setor de exportação agrícola da Espanha.

No entanto, essa explosão econômica também gerou questionamentos do ponto de vista ambiental e social.

Ativistas ambientais e especialistas destacam que a superexploração dos aquíferos e a poluição causada pelo excesso de plástico no meio ambiente deveriam ser suficientes para abrir o debate sobre uma agricultura menos intensiva e muito mais sustentável.

"Não podemos continuar sendo o supermercado da Europa", diz Julia Martínez, diretora técnica da Fundação Nova Cultura da Água de Almeria (FNAC), à BBC News Mundo, apesar dos notáveis benefícios econômicos.

Organizações de direitos humanos se juntaram a este apelo, com foco nas condições de trabalho. Os dados disponíveis indicam que cerca de 60% dos trabalhadores nas estufas são migrantes, e atualmente existem denúncias de exploração laboral, discriminação e acesso limitado a moradia digna.

Mas, afinal, como foi que a zona mais árida da Europa se tornou um de seus principais fornecedores de alimentos?

Exportações centenárias

A vocação agrícola e exportadora de Almeria não começou com o boom dos estufas em meados do século 20, mas muito antes: na Inglaterra vitoriana do final do século 19.

"De Almeria saíam uvas e outros produtos muito cobiçados no Reino Unido porque eram cultivados de forma artesanal, em empresas familiares", explica à BBC News Mundo o historiador Andrés Sánchez Picón, professor de história econômica na Universidade de Almeria.

Picón ressalta que a agricultura praticada por pequenas propriedades familiares tem sido o denominador comum nesta região da Espanha.

"Então, em meados do século 20, ocorre uma confluência de fatores, como o uso de novas tecnologias, o clima adequado e essa vocação agrícola de Almeria. Isso é o que impulsiona o desenvolvimento que vemos hoje", explica o acadêmico.

Também surgiu uma solução para o problema da aridez.

"A descoberta de um sistema de aquíferos subterrâneos na chamada Poniente Almeriense", diz Sánchez.

"E o problema do clima foi resolvido com um projeto que estava sendo implementado na Holanda: as estufas."

Sánchez Picón destaca que, por iniciativa do governo local e com o objetivo de evitar a falência do setor em meados da década de 1950, foram importadas da Califórnia algumas potentes máquinas extratoras de água.

"Além disso, a ideia das estufas da Holanda também foi adaptada. Elas tinham uma característica: eram feitas de vidro. E em Almería, já havia sido comprovado que o plástico era mais resistente aos ventos locais", explica o historiador.

Ao melhorar o acesso à água, controlar o clima com estufas e usar a areia para tratar a aridez do solo — espalhando uma camada de areia sobre o solo para ajudar na retenção de água—, era apenas uma questão de tempo até que Almeria se tornasse uma potência agrícola.

Estabeleceu-se então o modelo de agricultura intensiva que conhecemos hoje, concentrado na região de El Ejido.

Atualmente, há pelo menos 12 mil explorações agrícolas que cobrem uma extensão de 32.000 hectares — e produzem cerca de quatro milhões de toneladas de alimentos, dos quais 60% são exportados para o resto da Europa.

E isso gera um negócio de cerca de US$ 5,1 bilhões por ano.

"Embora existam vários tipos de estufas, a tecnologia utilizada é a irrigação por gotejamento, o que nos permite ter uma produção constante ao longo do ano", explica Fernández.

O porta-voz da associação de produtores observa que o principal alimento produzido é o pimentão (antes, era o tomate) —mas também são cultivadas outras frutas e hortaliças, como pepino, abobrinha, berinjela, melão e melancia.

"O principal destino da nossa produção é a Alemanha, mas também vai para o Reino Unido, França, Itália e até mesmo para os Estados Unidos", ele destaca.

Segundo Fernández, um dos principais desafios que eles enfrentam atualmente é o custo dos insumos, que está afetando o preço final para o consumidor.

"O aumento desses preços não está nos ajudando a ter uma produção sustentável, o que coloca em risco não apenas o futuro de Almeria, mas também o abastecimento de alimentos no continente", alerta o acadêmico Juan Carlos Pérez Mesa, codiretor do departamento acadêmico da Coexphal, no qual o mundo acadêmico se une ao mundo dos empreendedores exportadores.

Vida precária

No entanto, os custos de produção não são o único problema da agricultura intensiva em Almeria.

Depois de se tornar um polo econômico, e em parte também devido à sua localização na costa sul da Espanha, a região atraiu centenas de migrantes para se juntarem à força de trabalho. Migrantes que vêm, de acordo com vários censos da região, principalmente do norte da África.

"O problema é que, durante anos, as condições de trabalho dessas pessoas têm sido precárias e, embora tenham melhorado em alguns aspectos, ainda há aspectos preocupantes", diz à BBC News Mundo Inés Millán, porta-voz da Associação em Prol dos Direitos Humanos da Andaluzia (APDHA).

Para Millán, o aumento da área produtiva e a falta de previsão tanto por parte de empresas quanto de instituições levaram os migrantes a construir suas casas nas imediações das explorações agrícolas.

"Não há transporte seguro dos centros urbanos para os centros de produção. E, por causa dessa precariedade trabalhista, muitas dessas pessoas não têm acesso a uma moradia digna onde se estabelecer", destaca Millán.

De acordo com a APDHA, cerca de 25 mil das quase 110 mil pessoas empregadas na produção não têm contrato de trabalho.

"Mas mesmo as pessoas que têm sua situação migratória e trabalhista regularizada usam materiais de sucata para construir suas casas, algumas delas sem eletricidade nem água. São condições muito precárias para viver e trabalhar", acrescenta Millán.

Alguns despejos desses trabalhadores levaram a situações de tensão racial e discriminação nas comunidades onde as estufas estão localizadas.

Em El Ejido, perto da cidade de Almeria, quase um terço dos habitantes são estrangeiros, em sua maioria marroquinos, de acordo com dados do governo regional da Andaluzia.

O "Mar de Plástico" neste município gera contradições: El Ejido é a terceira cidade da Andaluzia com mais de 50 mil habitantes com o menor índice de desemprego, segundo dados da revista econômica Expansión.

Mas é uma das localidades com mais de 50 mil habitantes mais pobres da Espanha, e uma das que apresentam maior desigualdade na distribuição de renda, de acordo com dados da Fundação de Estudos de Economia Aplicada (Fedea).

A advogada Jennifer Cárdenas, que é pesquisadora na Universidade de Almeria, vem estudando há anos as razões desse paradoxo.

Para ela, as condições irregulares de muitas pessoas que trabalham lá fazem com que a riqueza produzida pelo campo não se reflita na economia local.

"Uma porcentagem das pessoas que trabalham nas estufas tem contratos irregulares, o que já as coloca em desvantagem salarial. Algumas pessoas ganham entre três e cinco euros por dia. E só pelo transporte para chegar ao local de trabalho, precisam pagar um euro por viagem", ressalta Cárdenas.

De acordo com a advogada, uma das causas dessa desigualdade é que os órgãos responsáveis por controlar a exploração laboral se concentram mais na migração do que nos direitos individuais.

"Não há vontade política para exigir melhorias trabalhistas para as pessoas que trabalham nos estufas. As organizações estão mais focadas em perseguir migrantes do que em fiscalizar as condições em que essas pessoas trabalham. E isso se reflete na pobreza", acrescenta.

Os representantes da Coexphal, a associação de produtores, afirmam que a segurança laboral tem sido uma de suas principais preocupações.

"Nos últimos anos, fizemos um grande esforço para melhorar as condições de trabalho, especialmente de migrantes que trabalham em nosso setor. E isso fica evidente no aumento do número de pessoas, quase a maioria, que agora conta com condições favoráveis para trabalhar nesta indústria", afirma Pérez Mesa, do departamento acadêmico da Coexphal.

Ele destaca que são 38 mil estrangeiros contratados, com as mesmas condições dos cidadãos locais.

"Mas não podemos obrigar as pessoas que trabalham no nosso setor a gastar o seu dinheiro de uma forma ou de outra. Se elas optam por enviar o dinheiro para as suas famílias, e não investir em habitação, não é nossa responsabilidade", acrescenta.

O governo regional da Andaluzia implementou vários programas para resolver o problema da moradia.

"Os governos locais têm programas de construção de moradias, mas não há um planejamento adequado. Há casos de moradias que foram construídas, mas estão totalmente desabitadas porque muitas pessoas nem sequer têm acesso a elas", acrescenta Millán, da APDHA.

'É preciso reduzir a produção'

Outro problema denunciado por organizações sociais locais é a questão ambiental.

Diversas organizações destacaram que a superexploração da água causou um declínio ambiental na região que, se continuar, poderá afetar irreversivelmente os ecossistemas, assim como a qualidade da água, um bem escasso nesta parte da Espanha.

"Vivemos em uma das áreas mais áridas da Europa. E é absurdo que sejamos a horta do continente. Se não reduzirmos a produção, vamos ter um grande problema, principalmente em tempos de mudanças climáticas", afirma Julia Martínez, da FNAC.

Martínez observa que um dos principais aquíferos da região, o de Níjar, está sendo superexplorado há mais de 20 anos —em 2004, foi oficialmente declarado que consumia mais água do que conseguia recuperar anualmente—, enquanto a produção, como mostram as estatísticas, só aumentou.

De acordo com as medições oficiais, as estufas consomem anualmente cerca de 130 hectômetros cúbicos de água dos aquíferos da região, ou quase 1,3 bilhão de litros.

"Não estamos dizendo que a produção deve ser interrompida. Mas, sim, reduzida. A lei é clara: a água é destinada ao consumo humano em primeiro lugar, à sustentabilidade ambiental em segundo lugar, e o que sobrar pode ser destinado à produção econômica", afirma Martínez.

"Isso não é o que acontece em Almeria. E há um agravante mais amplo: 80% da água consumida na Espanha é destinada à produção econômica", acrescenta.

Sobre esta questão, os representantes da Coexphal afirmam que, nos últimos anos, diversificaram as fontes de água para a produção nas estufas.

"Nossas fontes de água para irrigação das plantações não dependem apenas dos fluxos subterrâneos, também temos usinas de dessalinização, (usamos) águas pluviais e outras fontes, com o objetivo de cuidar desses recursos", afirma o gerente da associação de produtores.

Ele também destaca que, em comparação com outros centros de produção agrícola, Almeria usa 60% menos água para o plantio de seus produtos devido ao controle que é feito dos recursos e aos métodos de irrigação por gotejamento, que otimizam o uso da água.

Os resíduos

Mas aqui também surge outro problema que começou a ser denunciado nos últimos anos: os resíduos plásticos.

O chamado "Mar de Plástico", que pode ser visto do espaço, produz 30 mil toneladas de resíduos desse material, dos quais apenas 85% são reciclados, segundo organizações ambientais.

E o impacto destes resíduos já começou a se manifestar nos níveis de microplásticos nos sistemas hídricos e ambientais da região. Centros acadêmicos como a Universidade de Estocolmo, na Suécia, e outras instituições destacaram que em áreas como o Mar de Alboran e Cabo de Gata, que fazem parte da província de Almeria, há uma alta presença dessas partículas na fauna e na vegetação marinhas.

Em relação a este problema, os porta-vozes da Coexphal afirmam que eles "reciclam 100% do plástico das estufas".

"Os plásticos que usamos nas estufas são de um material especial e têm valor, por isso dizemos que os reciclamos na sua totalidade", diz Luis Miguel Fernández.

Durante anos, o plástico era vendido para a China e outros países da região. Mas, nos últimos anos, tem-se buscado reutilizá-los localmente.

"É verdade que pode haver materiais que não controlamos totalmente, e temos que fazer um esforço maior nesse sentido", esclarece o porta-voz dos produtores.

As estufas são uma fonte de riqueza econômica que muitos descrevem como um "milagre verde" ou "milagre de Almeria". Elas geram enormes oportunidades de emprego, mas ambientalistas e líderes sociais exigem que sejam controladas.

Eles dizem que disso depende uma produção sustentável que alimente a Europa e, ao mesmo tempo, não coloque em risco o futuro ecológico e social da região.

Esse texto foi publicado originalmente aqui.

 

PT recua, e apoio a aumento do número de deputados perde maioria apertada que tinha no Senado, FSP

 Caio Spechoto

Brasília

Um recuo na bancada do PT tirou a maioria apertada no Senado a favor do aumento do número de deputados federais, o que anula a possibilidade de derrubada do veto do presidente Lula ao projeto, a menos que haja uma reviravolta em outros partidos.

Os senadores do PT foram decisivos para a aprovação das 18 novas vagas, passando o total de cadeiras da Câmara de 513 para 531, mas não pretendem se colocar contra uma decisão de seu maior líder político.

Um homem com cabelo grisalho e barba, vestindo um terno azul e uma camisa branca com uma gravata. Ele está sentado e gesticulando com a mão direita, apontando para frente. O fundo é de madeira clara, criando um ambiente formal.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo veto ao aumento do número de deputados reorientou os votos de petistas no Senado - Gabriela Biló - 13.ago.25/Folhapress

O Congresso aprovou em junho o aumento no número de deputados como forma de driblar a redistribuição das cadeiras proporcionalmente à população brasileira computada pelo Censo de 2022. A mudança faria sete estados ganharem vagas na Câmara e outros sete perderem.

O aumento serviria para contemplar os estados que têm direito a mais cadeiras sem tirar vagas de outros, reduzindo a chance de deputados atualmente com mandato não conseguirem se reeleger nas eleições do ano que vem.

A medida é rejeitada por 76% da população, de acordo com pesquisa Datafolha.

A proposta foi aprovada com alguma folga na Câmara, mas passou no Senado pelo placar mínimo para esse tipo de projeto. Teve 41 votos favoráveis de senadores e só chegou a esse número porque o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), trabalhou pela aprovação.

Lula, porém, vetou a medida, contrariando pedidos de sua articulação política, que temia retaliação por parte, principalmente, da Câmara dos Deputados.

O Congresso tem a prerrogativa de rejeitar o veto do presidente da República e fazer a proposta entrar em vigor. Mas para isso precisa de 257 votos na Câmara e 41 no Senado. Se esses números não forem atingidos em qualquer uma das Casas, o veto de Lula prevalece.

Os senadores petistas deram 5 dos 41 votos favoráveis à proposta durante a deliberação no Senado. Sem esse apoio, seriam 36 os integrantes da Casa favoráveis ao aumento do número de deputados, número insuficiente para rejeitar o veto.

"Naquele momento [da votação] não havia uma posição do governo contra. Agora, se vier, a gente vai votar pela manutenção do veto. A bancada do PT vai votar pela manutenção do veto", disse o senador Rogério Carvalho (PT-SE), um dos favoráveis ao aumento no número de deputados em junho.

Carvalho é líder do PT na Casa, mas se afastou temporariamente do posto para assumir a liderança do governo de forma interina.

"Vamos orientar a favor da manutenção do veto do presidente Lula", disse o líder do governo no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), que em junho também apoiou a majoração das cadeiras da Câmara.

Outros dois senadores petistas ouvidos reservadamente pela reportagem afirmaram ser impossível a bancada se colocar contra um veto de Lula.

Em junho, 7 dos 81 senadores não participaram da deliberação. Com o recuo do PT, precisaria haver uma adesão substantiva desse grupo para que o veto de Lula seja derrubado.

Em 2023, o STF (Supremo Tribunal Federal) deu até 30 de julho de 2025 para o Congresso adequar o número de deputados federais à população de cada estado. A corte também definiu que, se nada for feito, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) determinará até 1º de outubro deste ano a distribuição. A decisão foi tomada em uma ação movida pelo estado do Pará.

Setores do Congresso Nacional têm defendido não deliberar sobre o veto de Lula até 4 de outubro. Por essa leitura, o TSE não poderia redistribuir as vagas dos deputados a tempo de a mudança valer na eleição de 2026, já que esse tipo de alteração precisa ser feita com ao menos um ano de antecedência da votação.

A ideia, porém, não tem adesão entre senadores mais próximos ao projeto. Na avaliação desse grupo, não há nada que impeça a Justiça Eleitoral de redistribuir as vagas sem o veto ter sido votado, já que o STF determinou expressamente o TSE precisa resolver o tema até 1º de outubro.


Entidades querem tombamento do trólebus Machadão, FSP

 Vicente Vilardaga

São Paulo

Alguns elementos da paisagem urbana estão grudados na memória da população paulistana. Um deles é o trólebus, veículo conectado à rede de eletricidade por via aérea que roda em São Paulo desde 1949.

Ainda há 200 circulando na cidade (já foram 500), mas, tudo indica, que eles desaparecerão completamente das ruas em pouco tempo, substituídos por ônibus elétricos a bateria. Desde 2023, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) diz que quer acabar com eles. A Ambiental Transportes, empresa que os opera, vai na mesma direção.

A prova da seriedade dessa intenção é que a mais antiga linha de trólebus, a 408A/10, que liga a rua Machado de Assis, na Aclimação, à rua Cardoso de Almeida, em Perdizes, e é apelidada de Machadão, já passou pela mudança.

Trólebus Machadão
Modelo de trólebus que circulava até duas semanas atrás na linha 408A/10, apelidada de Machadão - Vicente Vilardaga

A empresa Ambiental fez o pedido à SPTrans para trocar os veículos que circulam pela linha. E a troca foi feita. De duas semanas para cá todos os ônibus que fazem o percurso são elétricos da cor verde.

A linha tem importância histórica, pelo seu pioneirismo, e afetiva, dada por pessoas que a utilizam há décadas. É considerada também a mais cênica da cidade, por passar em vários pontos turísticos, como o edifício Itália, a avenida São Luís, a praça João Mendes e o Pátio do Colégio. Além do mais, seus ônibus não são poluentes.

Diante disso, alguns moradores de Perdizes e entidades como o Movimento de Defesa do Trólebus e o Respira São Paulo e querem pedir o tombamento da linha, como uma forma de preservar o passado do transporte na cidade. O que está acontecendo com os trólebus é o mesmo que aconteceu com os bondes a partir da década de 1940.

"O que nos surpreendeu foi a Ambiental ter escolhido justamente a primeira linha de trólebus do país para começar a fazer a substituição", diz Fábio Klein, presidente do Movimento de Defesa do Trólebus. "Estão sendo tirados de circulação veículos que já se mostraram altamente eficientes ao longo da história. Isto não deveria acontecer."

A imagem mostra dois ônibus de cor verde, estacionados em uma área aberta. Um dos ônibus tem a inscrição 'ÔNIBUS 100% ELÉTRICO' em destaque, enquanto o outro exibe a frase 'ÔNIBUS MOVIDO A BATERIA - AR MAIS PURO'. Ambos os ônibus possuem portas abertas e estão posicionados em um ângulo que permite ver parte de suas laterais. O céu está nublado ao fundo.
Ônibus a bateria vão substituir os trólebus e os veículos a diesel e dominar a frota da cidade - Adriano Vizoni/Folhapress

Jorge Françozo, do Respira São Paulo, diz que o movimento reivindica que a linha volte a operar com trólebus porque ela é um patrimônio histórico, toda a rede aérea foi renovada e os veículos ainda têm 11 anos em média e longa vida útil.

"Ela não pode ser desativada. Seria um desperdício de dinheiro público", diz. "A nossa ideia é que os trólebus continuem operando e quando eles tiverem que ser trocados nos próximos anos, que seja por novos trólebus que também têm uma bateria, chamados de e-Trol."

A Amora (Associação do Moradores e Amigos de Perdizes) estuda participar da discussão do tombamento, já que os trólebus do Machadão fazem parte da tradição da região e devem ser considerados patrimônio histórico.

A Amora lança, no dia 30 de agosto, o movimento Preserva Perdizes, para conscientizar a população sobre as mudanças no bairro, como a rápida verticalização e a chegada do metrô. O destino da linha 408A/10 pode ser um de seus temas.

Participantes da Jornada do Patrimônio
Cerca de 60 pessoas participaram do passeio de trólebus entre os bairros de Perdizes e Aclimação - Georgia Ayrosa

Neste domingo (17) circulou aquele que talvez seja o último trólebus do Machadão. Foi uma movimentação atípica e especial.

A Ambiental pôs um veículo vermelho em circulação para transportar os participantes de um evento da Jornada do Patrimônio, promovida pela Prefeitura. Foi uma visita guiada, com cerca de 60 participantes, que cumpriu o percurso de ida e volta do ônibus mostrando os elementos mais relevantes de sua paisagem.

"Mais uma vez, o trólebus ficou lotado", diz Maria Luiza Paiva, idealizadora e organizadora do evento. "A terceira edição do passeio mostrou que a população da cidade tem um grande interesse pela linha e se preocupa com o seu futuro."

.