quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Políticos e juízes brasileiros recebem 20 vezes mais que a renda média da população, FSP

 

Brasília

O Brasil tem um dos piores índices de desigualdade de renda entre gestores públicos e a população do país, atrás de nações como Chile e Argentina. Aqui, políticos e juízes federais podem chegar a vencimentos cerca de 22 vezes maiores que o salário médio dos brasileiros.

presidente da República e os deputados federais ganham 21 vezes o salário médio da população do país. Enquanto políticos receberam remunerações de R$ 44 mil no ano passado, a renda domiciliar per capita nacional foi de R$ 2.069, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

A imagem mostra uma vista panorâmica do Congresso Nacional do Brasil, com seus edifícios característicos em primeiro plano. À esquerda, há um grande gramado e, à direita, uma estrada com tráfego de veículos. Ao fundo, é possível ver um lago e uma área urbana com montanhas ao longe. A luz do sol ilumina a cena, criando um contraste entre as sombras e as áreas iluminadas.
Congresso Nacional e a Esplanada dos Ministérios, em Brasília; Brasil tem um dos piores índices de desigualdade de renda entre gestores públicos e população - Pedro Ladeira/Folhapress

Os dados são do Índice de Disparidade Salarial 2025, feito pelo Livres, grupo voltado ao liberalismo econômico. O índice calcula quantas vezes o salário de um político ou servidor é maior do que a renda média da população. Foram avaliados dados de 16 países.

O estudo faz a comparação a partir do salário do presidente da República e de deputados e juízes federais, que recebem o equivalente ao teto constitucional no serviço público. O estudo considera dados de 2024, quando o teto estava em R$ 44 mil.

No caso dos magistrados federais, a renda bruta no ano passado variava entre R$ 35,8 mil para os substitutos e R$ 39,7 mil para os desembargadores, conforme estabelecido pelo CJF (Conselho da Justiça Federal). O valor não considera adicionais, como as verbas indenizatórias, que podem elevar os vencimentos acima do teto.

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No ano passado, a renda média dos magistrados foi de R$ 48,6 mil, segundo dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), valor que já ultrapassa a regra do CJF. Com isso, os juízes recebem, em média, 23,5 vezes o salário da população. Mas houve casos de juízes recebendo até R$ 444 mil, o que amplia ainda mais a diferença.

Em relação ao presidente da República, a desigualdade de renda no Brasil fica acima da média global, cujo índice de desigualdade é de 10,7, e da média de países em desenvolvimento, cuja cifra é 16,8.

Na Argentina, por exemplo, o presidente teve uma remuneração de cerca de 4 milhões de pesos (R$ 16 mil) em 2024, enquanto a renda média da população do país foi de 442 mil pesos (R$ 1.812). O salário do chefe do Executivo foi 9,2 vezes superior ao dos argentinos.

Já no Chile, o presidente tem uma renda 13,7 vezes maior do que o salário médio da população. A remuneração do chefe do Executivo é de 7,5 milhões de pesos chilenos (R$ 42 mil), enquanto a renda dos chilenos é de 555 mil pesos (R$ 3.109).

As diferenças são ainda maiores no caso dos deputados federais. Na Argentina, os salários dos parlamentares são 4,5 vezes maiores do que os da população do país. A cifra cai para 3,7 no Reino Unido e para 3,0 em Portugal.

Já ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça) recebem cerca de 22 vezes o salário dos brasileiros. A diferença também é maior do que na Argentina e no Reino Unido, onde o salário dos membros da Suprema Corte é 11 vezes superior à renda média da população. Em países como Suíça e Alemanha, os vencimentos são 6 vezes maiores.

O estudo usou dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), além de estatísticas nacionais de outros países, como o do INDEC (Instituto Nacional de Estadística y Censos) da Argentina e do INE (Instituto Nacional de Estadística) da Espanha.

O levantamento não considera salários recebidos por servidores concursados ou comissionados no Executivo federal. Nesses casos, as diferenças podem ser ainda maiores levando em conta as carreiras mais bem remuneradas: advogados da União ganharam até R$ 547 mil em honorários no ano passado, como revelou a Folha.

Para especialistas, a diferença de renda entre os mais bem remunerados no setor público e a população do país pode gerar desconfiança em relação a políticas e serviços públicos.

Isso porque, devido à renda elevada, os políticos e a elite do funcionalismo não dependem dos serviços públicos, como é o caso de boa parte dos brasileiros. Eles costumam acessar, por exemplo, redes particulares de saúde, além de matricular os filhos em escolas privadas.

"Como a população entende que essas pessoas não estão familiarizadas com aquele ambiente, a crença de que elas podem legislar de forma eficiente sobre isso diminui", afirma Magno Karl, diretor do Livres. "Há potencial de corroer a crença nas instituições da democracia representativa."

Segundo o diretor, o estudo serve para expor o grau das diferenças salariais no Brasil. O país é o terceiro mais desigual entre o 17 analisados, à frente apenas da África do Sul e do México, onde chefes de Estado recebem, respectivamente, valores quase 22 vezes e 24 vezes superiores à renda média da população.

"O salário maior do que a média faz com que a população tenha um sentimento de injustiça, e isso talvez ajude a minar a legitimidade do Estado", afirma Cibele Franzese, professora de administração pública da FGV (Fundação Getulio Vargas).

Para ela, o caso do Judiciário é mais grave devido aos supersalários, que extrapolam o teto constitucional. Franzese afirma que as remunerações de agentes políticos do Executivo e do Legislativo correspondem com seu grau de responsabilidade, sobretudo no caso do presidente da República.

Embora tenham vencimentos elevados, políticos não contam com os mesmos benefícios dos servidores do Judiciário, como as verbas indenizatórias livres de Imposto de Renda e o direito a duas férias ao ano.

Políticos também dependem de eleições para permanecer no cargo, enquanto magistrados contam com a vitaliciedade –ou seja, só podem ser expulsos de sua função após sentença judicial transitada em julgado.

Para a professora, o estudo traria uma análise mais complexa se abordasse a efetividade, ou seja, a relação entre o que é gasto e o que é entregue.

"Não temos evidência de que o gasto com salários de políticos prejudique a qualidade dos serviços públicos. A gente tem evidência de que a qualidade depende mais de um serviço público bem gerenciado, de uma boa gestão de desempenho e pessoas capacitadas trabalhando, tanto nas carreiras públicas, quanto na ponta."

Entenda em seis pontos a investigação que levou à prisão de dono da Ultrafarma e diretor da Fast Shop, FSP

 

São Paulo

A investigação do MP-SP (Ministério Público de São Pauloque levou à prisão do dono da rede de farmácias Ultrafarma, Sidney Oliveira, e do diretor estatutário do grupo Fast Shop, Mario Otávio Gomes, traz denúncias de pagamento de propina para antecipar e garantir a liberação de créditos de ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) de empresas do setor de varejo.

O esquema de corrupção teria movimentado mais de R$ 1 bilhão em propina, segundo a promotoria.

Apontado como principal operador do esquema e alvo de prisão temporária, o supervisor da diretoria de fiscalização da Sefaz-SP (Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo), Artur Gomes da Silva Neto, seria o responsável por fazer e aprovar pedidos de créditos.

A Fast Shop informa que ainda não teve acesso ao conteúdo da investigação e colabora com o fornecimento de informações às autoridades competentes. A Ultrafarma e as defesas dos investigados, incluindo a do auditor fiscal Artur Neto, foram procuradas pela Folha, mas não houve manifestação até a publicação deste texto.

A seguir, entenda seis pontos sobre a operação, segundo informações do Ministério Público.

A imagem mostra uma mesa com dois pacotes transparentes contendo objetos não identificáveis, possivelmente pedras ou cristais, e uma pilha de dinheiro em notas ao fundo. Também há uma pequena quantidade de dinheiro em notas visíveis na parte superior da mesa, além de um caderno e um celular.
Dois sacos de pedras preciosas, incluindo esmeraldas, e mais de R$ 1,2 milhão em dinheiro foram apreendidos em Mato Grosso - Divulgação MPSP

1. Empresa envolvida estaria registrada em nome da mãe aposentada do auditor fiscal

O ponto de partida da investigação foi a evolução patrimonial da empresa Smart Tax, que está registrada em nome da mãe de Artur Neto, professora de 73 anos aposentada da rede pública.

O auditor teria ajudado a fundar a companhia, mas saiu do quadro societário em 2013. O contador da Smart Tax também está sendo investigado.

Em 2021, segundo relatório da investigação, a empresa passou a ter como um de seus objetos a "prestação de serviços especializados em consultoria, assessoria e auditoria tributária". Pouco mais de um ano depois, de acordo com o documento, o capital social da entidade passou de R$ 50 mil para R$ 500 mil, integralizados por meio de saldo da conta de lucros acumulados.

O MP-SP considera a Smart Tax uma empresa de fachada, pois não tinha funcionários e era formalmente representada pela mãe do fiscal, que não possui experiência técnica para prestar serviços tributários.

2. Mãe de auditor teria declarado patrimônio de R$ 2 bilhões no Imposto de Renda

Em 2021, ainda segundo o relatório, a mãe do auditor fiscal declarou um patrimônio de cerca de R$ 411 mil no Imposto de Renda. No ano seguinte, o valor passou para R$ 46 milhões. Em 2023, o patrimônio declarado seria de R$ 2 bilhões.

Na declaração, consta na investigação que o aumento patrimonial teria decorrido da compra de criptomoedas (nos valores de R$ 25 milhões e R$ 15 milhões), adquiridas por meio de valores obtidos via distribuição de lucros da Smart Tax.

A investigação observou que a mulher passou a guardar, de um ano para outro, R$ 6 milhões em espécie.

Segundo o promotor João Ricupero, foram verificados, em emails, que quem fazia os contatos com empresas era próprio fiscal.

3. Análise de emails do auditor revelou conversas com a Fast Shop

Por meio de decisões judiciais, empresas de tecnologia passaram a enviar dados dos investigados. Segundo o MP-SP, a análise de emails revelou a prática dos crimes.

A análise dos emails de Artur Gomes da Silva Neto, responsável por fiscalizar a Fast Shop, teria comprovado que o auditor atuou em benefício de "inúmeros membros da alta cúpula da empresa", incluindo o diretor estatutário, Mário Otávio Gomes.

Segundo a investigação, processos administrativos eram manipulados para facilitar o recebimento de créditos de ICMS. Este mecanismo fiscal permite às empresas abaterem o imposto pago na compra de mercadorias e insumos, evitando a cobrança em cascata ao longo da cadeia produtiva.

Em troca, segundo a investigação, o auditor receberia dezenas de milhões de reais da Fast Shop.

Quem assinava digitalmente os contratos entre a Smart Tax e a Fast Shop era o auditor Neto, e não sua mãe, aponta a auditoria.

4. Auditor teria recebido propina de outras empresas

A investigação aponta o envolvimento de outras grandes empresas. No caso da Ultrafarma, o relatório diz que as provas seriam "gritantes" o suficiente para incluir a empresa como investigada.

O promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo Roberto Bodini não quis detalhar o nome das outras empresas para não atrapalhar as investigações.

5. Fiscal e Ultrafarma teriam trocado mais de 170 emails em um ano

Com as informações fornecidas pelas empresas de tecnologia, a investigação passou a desconfiar de um esquema criminoso mais amplo.

Apenas no ano de 2024, o MP-SP constatou 174 emails na caixa de mensagens de Artur tratando de benefícios fiscais que o auditor estaria concedendo para a empresa farmacêutica.

Segundo o relatório, Neto teria o certificado digital da Ultrafarma instalado em seu computador, o que indicaria que realizaria, pessoalmente, requerimentos da empresa junto à Sefaz e assinaria contratos.

A investigação identificou semelhança com os serviços prestados para a Fast Shop.

6. Polícia encontrou pacote com esmeraldas e mais de R$ 1 milhão em dinheiro vivo na casa de investigado

Na casa de um dos investigados, Celso Éder Gonzaga de Araújo, foram apreendidos dois sacos de pedras preciosas, incluindo esmeraldas, e cerca de R$ 1,2 milhão em dinheiro vivo. A Justiça decretou a prisão do empresário e de sua esposa, acusados de colaborar na lavagem de dinheiro.