A cena se repete todos os anos: estudantes prestes a concluir o ensino médio enfrentam a difícil missão de escolher um curso de graduação. Para quem ainda não tem certeza sobre o futuro profissional, a decisão pode parecer definitiva demais.
Uma alternativa cada vez mais presente no Brasil é o modelo de formação interdisciplinar. Nele, o aluno ingressa na universidade sem precisar escolher de imediato uma carreira específica
Muito parecido com o sistema universitário dos Estados Unidos —onde estudantes começam com um currículo mais amplo antes de se especializar—, o formato já é adotado por instituições públicas e particulares brasileiras.
Mas será que esse caminho serve para todo mundo? A Folha ouviu especialistas e estudantes que passaram por essa escolha para explicar como funciona esse ciclo, para quem ele faz sentido e que cuidados ter antes de embarcar nessa jornada.
O que é o curso interdisciplinar?
Em vez de ingressar diretamente em um curso tradicional, como engenharia civil ou biomedicina, o estudante entra em um programa interdisciplinar. De um a três anos, cursa disciplinas de diversas áreas, que podem incluir cálculo, programação, sociologia e história.
Após essa etapa, dependendo do modelo da universidade, o estudante pode optar por permanecer com o diploma do ciclo básico —que já é uma graduação completa— ou seguir para uma formação específica, como engenharia, economia, matemática ou políticas públicas.
Em algumas universidades, o modelo permite mais de um diploma (o da formação básica e do da especialização). É bem comum, devido ao abatimento de matérias, alunos tentarem um terceiro diploma de uma outra área que lhe interessou.
Para quem esse modelo é ideal?
Segundo a pró-reitora de Graduação da UFABC, Fernanda Cardoso , o modelo é especialmente indicado para estudantes que:
ainda não têm certeza sobre qual profissão seguir;
gostariam de conhecer várias áreas antes de escolher;
querem construir uma formação mais personalizada, combinando disciplinas de diferentes campos;
pretendem seguir carreira acadêmica ou pesquisa, já que o ciclo permite uma trajetória mais rápida rumo ao mestrado.
Porém, estudantes ouvidos pela Folha que cursam esse formato avisam: não é um modelo para todos.
"É o ideal para quem ainda está indeciso no ensino médio ou não faz ideia do que quer fazer", diz Enrico Garcia, que estuda no programa de Open Academy da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná). "Mas é diferente. O aluno precisa assumir o protagonismo na construção da própria trajetória e lidar com a liberdade de escolha."
Como funciona o modelo nos EUA?
Tradicional em universidades americanas, o formato de liberal arts inspira iniciativas como o American Academy, da PUCPR, desenvolvido em parceria com a Kent State University (EUA). Nele, o estudante faz o ciclo básico no Brasil com currículo norte-americano e depois pode concluir a graduação nos Estados Unidos.
Durante o ciclo, os alunos cursam matérias de áreas variadas —de política global e macroeconomia a saúde, gestão de conflitos e empreendedorismo.
Ana Clara Pelézia, 20, de Sorocaba (SP), hoje aluna da Kent State, conta que a diversidade de disciplinas a surpreendeu.
"Eu tive aulas de filosofia, empreendedorismo, arquitetura, biologia, química, geografia e física, coisas que nunca imaginei estudar. Apesar por seguir em relações internacionais, as aulas das outras áreas me ajudaram a me conhecer melhor", diz.
Como saber se o interdisciplinar é para você?
Veja abaixo alguns sinais de que esse modelo pode s er o ideal —e também os cuidados que você deve ter antes de decidir:
É para você se...
Tem interesse por várias áreas e gostaria de explorá-las antes de se comprometer com uma.
Valoriza a flexibilidade curricular e quer construir um percurso próprio.
Gosta da ideia de uma formação ampla, que permite mudar de direção ao longo do caminho.
Está disposto a pesquisar e planejar sua trajetória com autonomia.
Mas preste atenção...
A falta de uma estrutura engessada exige mais responsabilidade do aluno.
Algumas carreiras com regulamentações rígidas (como medicina, por exemplo) não são compatíveis com esse modelo.
Nem todo curso interdisciplinar garante mais de um diploma.
Dicas para escolher o seu curso
Apesar de ser uma escolha complicada, especialistas dão algumas dicas para ajudar o vestibulando a decidir o curso:
Explore opções durante o ensino médio: participe de feiras de profissões, eventos de universidades e cursos de curta duração.
Converse com profissionais da área: entender a rotina real da profissão pode evitar frustrações futuras.
Converse com orientadores podem ajudar.
Considere o ciclo básico: se você sente que precisa de mais tempo para escolher, o modelo pode ser um bom caminho.
Não tenha pressa: escolher uma carreira é uma decisão importante, mas ela pode ser construída aos poucos.
Uma das armadilhas mais comuns para quem entra em um modelo flexível é tentar forçar uma escolha já feita, mesmo quando ela começa a perder o sentido.
O estudante Gabriel Souza, 27, que passou pelo bacharelado interdisciplinar da UFABC, viveu exatamente isso. "Eu sabia que queria engenharia, e quando comecei a me interessar por biologia, negava aquilo. Forçava o interesse nas matérias de engenharia", conta.
A virada veio quando ele permitiu que a razão e a emoção se equilibrassem. "Tem que escutar o que você realmente gosta."