terça-feira, 3 de junho de 2025

Hélio Schwartsman - Como selecionar juízes?, FSP

 O México decidiu mudar seu sistema de recrutamento de magistrados e fez uma megaeleição para juízes, que envolveu mais de 2.600 cargos, incluindo os nove membros da Suprema Corte. O pleito despertou pouco interesse da população e a maior parte dos analistas diz que o corpo de juízes eleitos terá forte influência do partido governista e de cartéis.

Isso tem mais a ver com o contexto sociopolítico mexicano do que com o método de seleção em si. Ainda é lícito perguntar se é preferível que magistrados sejam nomeados ou eleitos.

Mulher da comunidade indígena Raramuri vota em seção eleitoral durante as eleições mexicanas para juízes em Ciudad Juárez, estado de Chihuahua - Herika Martinez - 1º.jun.25/AFP

Nos EUA, os dois métodos convivem e já deram ensejo a muita pesquisa. Para Sanford Gordon, da Universidade de Chicago, magistrados eleitos respondem mais aos anseios da população. Tendem a trabalhar mais, mas produzem sentenças de pior qualidade. Costumam ser mais punitivistas. E o punitivismo aumenta perto de eleições.

Segundo Gordon, não dá para afirmar que um sistema é melhor que o outro. A resposta depende do que se quer valorizar. Para quem está mais interessado na "accountability" e na legitimidade do sistema, eleições são um caminho. Se a sua praia é mais a independência, aí faz sentido preferir indicações e concursos.

Podemos ir mais longe. É melhor ser julgado por juízes de carne e osso ou por um algoritmo?

Em "Noise", Daniel Kahneman, Cass Sunstein e Olivier Sibony, que não são profetas do Vale do Silício, afirmam em alto e bom som que os programas são muito melhores que os humanos.

Não que os algoritmos sejam bons. O problema é que humanos somos incapazes de formar juízos coerentes e objetivos sobre a conduta de outros humanos. É enorme a lista de elementos que deveriam ser irrelevantes numa sentença, mas que afetam as decisões de magistrados. Eles vão do nível de glicose no sangue aos sobrenomes conhecidos que figuram entre os defensores do réu. Qualquer coisa é melhor do que isso.

No caso do Brasil, há um argumento adicional: grande parte do 1,33% do PIB que o país gasta com o Judiciário vai para salários e penduricalhos de juízes.

Estardalhaço do governo para pagar um mês dos valores roubados por associações e sindicatos, fsp

 Um verdadeiro estardalhaço está sendo feito pelo INSS e pelo ministro da Previdência Social sobre o reembolso dos aposentados que foram roubados por associações e sindicatos. Enquete no aplicativo Meu INSS para saber quem foi lesado, mobilização de 4,7 mil agências dos Correios e muitas promessas de que o dinheiro vai ser devolvido até o final do ano. Se antes faltou postura por parte do INSS, agora sobra iniciativa (tardia). O problema é que esse barulho todo diz respeito a apenas um mês de valor cobrado irregularmente.

Um homem com cabelo curto e barba está falando em um evento. Ele usa um paletó escuro e uma camisa branca. Ao fundo, há um banner com o logotipo dos Correios e o texto 'Correios'. A imagem é parcialmente obscurecida, com uma área escura na frente.
Presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior, durante visita a uma agência dos Correios para acompanhar o primeiro dia de atendimento presencial de aposentados - Danilo Verpa - 30.mai.2025/Folhapress

No mês de abril, quando já não era para ter qualquer desconto, o INSS reteve inadvertidamente mensalidade em todo o país. Esses R$ 292 milhões serão restituídos em breve.

Com exceção desse mísero mês, o INSS não explica como vai devolver, ao menos, os últimos 36 meses para a maioria dos aposentados –período que se observou a concentração de descontos ilegais.

Com exceção das promessas de que cada aposentado vai receber tudo de volta, não há uma estratégia ou plano de contingenciamento de crise verossímil.

Na Instrução Normativa n. 186, de 2025, criada para definir o fluxo operacional dos descontos indevidos, o próprio INSS diz que não sabe o que vai fazer se as associações não quiserem devolver espontaneamente aquilo que elas roubaram. O "INSS solicitará à PGF (Procuradoria-Geral Federal) a adoção de medidas judiciais cabíveis para responsabilização das entidades ou de seus sócios".

Apesar da responsabilização dos culpados por todo esse imbróglio ter sido mensurada, o problema é que a Justiça Federal vem encontrado dificuldade de localizar boa parte dos R$ 6,3 bilhões nas contas das entidades, dos sócios e dos laranjas. O dinheiro sumiu.

Até agora a Justiça só conseguiu bloquear R$ 23,8 milhões em bens de empresas e de sócios investigados por suspeitas de fraude contra aposentados e pensionistas do INSS. Somando os trocados, cerca de 5% foram recuperados. Não há sinal de onde foi parar os 95% restante.

Porém, segundo o presidente do INSS, Gilberto Waller, os valores bloqueados de entidades já somam R$ 1 bilhão e estão disponíveis para iniciar o reembolso. Os processos correm em sigilo e não tem transparência total dos bloqueios. No melhor cenário, os valores arrecadados não perfazem um sexto do que foi pago.

Sem dinheiro, como será a restituição? Justamente nessa hora que o Congresso Nacional está ávido em fazer uma lavagem de roupa-suja por meio de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, ao que tudo indica o INSS precisará de um favorzinho. Conseguir em caráter de urgência uma norma que autorize a União pagar mais essa conta.

Outro problema é saber quem foi roubado. Já tiveram pessoas que faleceram, outras deixaram esse assunto para lá e os que não conseguiram opinar. A consulta via Meu INSS não definiu prazo final da coleta de informações.

Sem saber o total de pessoas prejudicadas, qual o valor que o Congresso Nacional haverá de autorizar para que a União pague a todos os aposentados?

Sem essas definições, esse assunto possivelmente não terá uma tramitação célere no Congresso. Soa meio demagógica a fala de Waller quando diz que até o final do ano todos serão ressarcidos, se o levantamento das informações e do valor não dependem dele.


Foi-se Amanda Feilding, nobre padroeira psicodélica, MARCELO LEITE, fsp

 

Mulher com turbante e pássaro no ombro
Amanda Feilding na juventude - Reprodução/Divulgação/Beckley Foundation

Nada, ou talvez tudo, é fortuito quando se trata de Amanda Feilding: às 20:25 de 22.05.2025 morreu aos 82 anos a mulher que tanto trabalhou para avançar a ciência psicodélica e tirar o estigma proibicionista de substâncias alteradoras da consciência. Dedicou a vida a sondar as profundezas da mente e disse ao marido e aos filhos partir entusiasmada com a perspectiva de descobrir o mistério final.

Conheci-a em Londres, há pouco menos de seis anos, na conferência psicodélica Breaking Convention. Marcamos uma conversa no hospital Princesa Grace, onde estava internada para tratar infecção sob a pele do braço direito que ameaçava espalhar-se como septicemia. A paciente tinha escapulido no dia anterior para dar concorrida palestra sobre microdoses de LSD na conferência.

A condessa de Wemyss e March, título adquirido em 1995 ao casar-se com James Charteris sob uma pirâmide egípcia, tinha papéis e pastas espalhadas sobre o leito hospitalar onde deveria repousar. Estava em plena atividade, com o sentido de urgência que lhe era característico.

Ela fundou em 1998 a Fundação Beckley, com missão de restabelecer o LSD como medicamento, algo que se perdera nos anos 1970 quando o ácido lisérgico foi proibido após ser eleito como combustível de sonhos contraculturais. Começou fazendo campanha pela reforma das políticas de drogas mundo afora.

Amanda tomou LSD pela primeira vez em 1965, quando o composto ainda era legal e distribuído pelo laboratório suíço Sandoz para médicos e pesquisadores do mundo todo. Convenceu-se do potencial terapêutico dos psicodélicos e manteve o LSD como sua "vitamina" preferida: "Vi como ele consegue ir fundo na alma".

A Beckley aproximou-a de neurocientistas como David Nutt, cujos estudos no Imperial College de Londres ajudou a financiar. Dali sairiam artigos pioneiros com imagens de cérebros humanos sob efeito de psicodélicos e com aplicação terapêutica de psilocibina (psicoativo de cogumelos Psilocybe) para depressão.

Da fundação nasceu a empresa Beckley Psytech, conduzida pelo filho Cosmo Feilding-Mellen. A startup deixou o LSD de lado e se voltou para o composto 5-MeO-DMT, conhecido originalmente como veneno do sapo-do-rio-colorado (Incilius alvarius), em formulação intranasal (BPL-003) para tratar depressão e abuso de álcool.

"Sempre estive pesadamente envolvido com a ciência psicodélica, cercado por esse tema, essa paixão", disse Cosmo ao blog em 2021. "Tive a felicidade de crescer na companhia de figuras como Sasha Shulgin e Rick Doblin. Fui voluntário em vários testes no Imperial College, por exemplo para tomada de imagens do cérebro sob psilocibina."

Apenas oito dias após a morte de Amanda a empresa atai Life Sciences, do investidor psicodélico Christian Angermayer, anunciou a aquisição da Beckley Psytech. O fechamento do negócio fica condicionado à confirmação de resultados positivos no teste clínico de fase 2b realizado pela Beckley com 5-MeO-DMT –ou seja, Angermayer ainda pode pular fora.

Segundo o boletim Psychedelic Alpha, a aquisição pôs o valor de mercado da firma de Feilding-Mellen em cerca de US$ 370 milhões (R$ 2,1 bilhões). A visionária Amanda não estava mais por aqui para ver.