terça-feira, 27 de maio de 2025

Um universo paralelo, José Renato Nalini, OESP

 De Sérgio Jacomino, tinha presente a sua condição de registrador de imóveis bem peculiar. Erudito, entranhado na tecnologia, visionário, formulador de propostas novas para esse território de tamanha importância para a segurança jurídica de um dos direitos fundamentais mais ambicionados: a propriedade imobiliária.

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Intuía que sua expertise nessa área reservada ao direito registral poderia conviver com outros interesses e aptidões. Só vim a descobrir que sua vocação se espraiava por infinitos labirintos da imaginação, ao ler “Sonhos de Szarkyon”. É um livro que alia a pequenez física – 112 páginas, em dimensão reduzida – a um acervo imenso de conteúdo.

Fragmentos autobiográficos, memorialística, lirismo, sensualidade, espanto diante da maravilhosa complexidade do viver, tudo cabe nesse universo paralelo ora partilhado com privilegiados leitores.

Jacomino domina a magia do xadrez das palavras. Tem intimidade com as metáforas. Explora a analogia sonora entre verbetes e produz formulações originais. O que sugeriria uma gota de non sense, vai se converter em sedutor convite para perscrutar veredas novas.

O livro começa com “Divagações”, prossegue com “Sonhos” e “Vivências”. O primeiro texto é sobre a morte: “Não há novidade alguma em extinguir-se, não é mesmo?...Novidade se faz entre os vivos, nós outros, que seguimos a dura peregrinação sobre a Terra dos Homens. Proclamamos a dor da perda e nos consolamos. Registramos em pesados livros a súbita sentença da vida: a Morte. Senhora eminente, soberana, pesa o cetro fatal sobre todos nós”.

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A ceifadeira volta a surgir em “Vivências”: “Matar-me podes, neste silêncio vazio de estrelas. Como a chama levada pelo vento, deito as cinzas de um frágil sinete, perene signo sob a planta de seus pés. Reduzir-me a pó, poderias. Mais do que isso, não”. Todavia, a morte não é tudo: “Impermanência. De nós restará mais do que pó e cinzas. Belas poesias”.

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Ele chega a citar “la loca de la casa”, que era como Santo Agostinho chamava a imaginação. Dessa copiosa fonte jorram haicais: “O trem carrega os homens. Os sonhos tardam nostálgicos. Nos bancos da estação” ou “Evanescente, erras na tarde radiosa; onde erras que não erro?”.

Em “Silêncio”, um exame de consciência: “A pergunta busca reexistir na resposta. Por que temos tantas respostas e escasseiam as perguntas? Não me responda o que não posso perguntar. Nem corresponda com o silêncio. Sejamos desiguais nas angústias. Sem perguntas. Nem respostas”.

O exercício extrajudicial é inspiração: “Fides publica. Ó fé pública, faca imolada. Jazes sem fio, falseada e acabada”.

São Paulo aparece, de forma devaneante, em Santo Amaro: “Capte-o! Vertedouro de águas profundas, consuma-o! o fim de todas as lágrimas é sempre o mar. Amar. Às vezes o encontro amaro. Amar santo. Santo Amaro, amassas e conformas o barro essencial deste jarro santo!”.

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O texto “Uma menina cega” é tocante: “Uma menina cega. Sentei-me no assento reservado a idosos. À minha frente, bem à testa, diviso uma linda garota cega, com uma feição impassível, um rosto róseo, tranquilo, de linhas harmoniosas. Olho diretamente para seus olhos e ela começa a piscar. Como um quasar. Desvio os meus, tímido. Fecho-os e fixo o semblante da menina cega. Penso que podemos nos enxergar sob a densa escuridão. Algumas estações adiante, abro os olhos e não a vejo. Saiu tranquila, suave, silenciosamente. Imaginei que me endereçava um sorriso, a menina cega. Sorri em retribuição e segui minha jornada pensando em tudo que se pode ver com os olhos fechados”.

Sergio Jacomino tem os olhos bem abertos para o presente e o futuro do sistema registral imobiliário. Mas também consegue, ao fechá-los, ingressar no mistério fascinante daquele espaço que nos é dado percorrer em pensamento. Livre, sem amarras, aberto a combinações nem sempre autorizadas pelas fortes correntes da convenção, do respeito humano constrangedor, que tolhe a intenção de sermos como realmente somos.

Partilhar conosco esse tesouro é testemunho de mais uma qualidade sua: a generosidade.

Convidado deste artigo

Foto do autor José Renato Nalini
José Renato Nalinisaiba mais

Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Werther Santana/Estadão

Nunes põe faixa dizendo que passageira morta estava em mototáxi da 99; empresa vê oportunismo, FSP

 Carlos Petrocilo

São Paulo e Brasília

O prefeito Ricardo Nunes (MDB) mandou instalar nesta segunda-feira (26) uma faixa na qual relaciona a empresa 99 à morte de uma passageira do transporte por motocicleta.

O cartaz contém o brasão da cidade de São Paulo e a frase em letras maiúsculas: "A CET registrou neste local a morte de uma passageira que usava o serviço de mototáxi da empresa 99. O serviço de mototáxi é proibido —preserve sua vida".

A imagem mostra uma rua à noite com vários carros em movimento. À esquerda, há um carro preto e um carro azul, enquanto à direita, um táxi amarelo está estacionado. No fundo, há um banner suspenso que diz: 'A CET registrou neste local a morte de uma passageira que usava o serviço de mototáxi da empresa 99. O serviço de mototáxi é perigoso, preserva sua vida.' O ambiente é urbano, com prédios e iluminação noturna visíveis.
Faixa instalada pela gestão Nunes diz que CET registrou morte de uma passageira de mototáxi da empresa 99 - Divulgação

A faixa foi instalada na avenida Tiradentes, onde a passageira da moto Larissa Barros Máximo Torres, 22, morreu no sábado (24).

Contrariado com a oferta de corridas em motocicleta, Nunes já havia prometido em janeiro deste ano que, no primeiro óbito, colocaria uma faixa apontando a 99 como responsável.

Em nota, a empresa reagiu à atitude do prefeito.

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"A 99 lamenta o desrespeito e o oportunismo com que a Prefeitura de São Paulo trata o luto de familiares e amigos da Larissa, mais uma vítima do trânsito paulistano. É lamentável o comportamento de uma administração que abriu mão das metas de redução de mortes no trânsito da cidade e se calou diante das mais de 3.000 vidas ceifadas pelo trânsito paulistano muito antes e sem qualquer relação com a operação de motoapps, mas já durante sua administração".

A empresa diz ainda que recebeu "com pesar" a notícia do acidente e afirma que está prestando apoio aos envolvidos e acompanhando de perto o caso.


É preciso acelerar negócios para frear a crise climática, fsp

 Elenita Sales

Fundadora da Preta no Verde, especialista em mudanças climáticas e analista de comunidades do Impact Hub São Paulo

Kaísa Martins

Jornalista especialista em comunicação empresarial, atuando na área de impacto socioambiental

crise climática é uma realidade incontornável. Temperaturas recordes, eventos extremos e perdas de biodiversidade já afetam nossa qualidade de vida e comprometem o futuro das próximas gerações.

Políticas públicas e acordos internacionais são essenciais, mas não podemos ignorar o poder transformador da inovação. Cada vez mais, empreendedores estão colocando a criatividade a serviço do planeta, desenvolvendo soluções que enfrentam os efeitos das mudanças climáticas e, principalmente, suas causas.

São tecnologias para eficiência energética, sistemas agroflorestais, modelos de negócio baseados em economia circular e soluções de adaptação que auxiliam na proteção de comunidades vulneráveis.

A imagem mostra três pessoas trabalhando em um viveiro de plantas. Elas estão vestidas com camisetas de manga longa e bonés azuis, e estão cercadas por plantas verdes. O ambiente é coberto por uma rede de sombreamento, e ao fundo, há árvores e um céu nublado.
Agricultores e funcionários da Belterra Agroflorestas, startup que planta agroflorestas em áreas degradadas - Renato Stockler

A diversidade dessas iniciativas, em conjunto com saberes tradicionais e ancestrais de quem é linha de frente da mudança do clima, torna possível a transformação para um ecossistema mais justo e sustentável —e esse é o caminho que deve ser trilhado.

"Um rio não deixa de ser um rio quando ele conflui com outro rio. Ele continua em sua essência. Essa é a grandeza da confluência", diz Nêgo Bispo, pensador quilombola, sobre as dinâmicas sociais de convivência.

No entanto, transformar uma boa ideia em impacto real requer mais do que vontade ou propósito. Negócios que nascem com foco em soluções ambientais e climáticas enfrentam uma jornada cheia de obstáculos: acesso limitado a capital, baixa inserção em redes de inovação e, muitas vezes, desconhecimento técnico para estruturar o crescimento.

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É por isso que iniciativas de aceleração têm se mostrado tão fundamentais nesse contexto. Programas de aceleração oferecem capacitação, mentoria, apoio técnico e, principalmente, conexões. Eles funcionam como pontes entre o potencial de uma solução e sua real capacidade de escala e impacto.

Quando olhamos para os desafios climáticos com a lente da inovação, percebemos que acelerar negócios com propósito ambiental não é apenas desejável, é estratégico.

É esse o foco do Hub de Inovação Climática, uma iniciativa que reúne diversos parceiros, entre eles o Impact Hub São Paulo, com o objetivo de fortalecer o ecossistema de negócios voltados à sustentabilidade ambiental e à justiça climática.

Na primeira etapa do programa, foram inscritas mais de cem iniciativas, das quais 15 foram selecionadas para participar de uma jornada intensiva de aceleração. O programa prioriza soluções inovadoras que tenham potencial de impacto, viabilidade econômica e compromisso com a regeneração dos territórios onde atuam.

Um dos exemplos potentes é o de um empreendimento que atua no Pará com ingredientes naturais e funcionais da biodiversidade amazônica, cultivados por meio de agricultura regenerativa e sintrópica. O impacto ambiental e social é notável, com 287 toneladas de gás carbônico sequestradas e parcerias com comunidades locais.

A aceleração é apenas uma etapa, mas uma das mais decisivas. Ao apoiar esses empreendedores com acesso a conhecimento, redes e capital, estamos fortalecendo soluções reais, escaláveis e comprometidas com o futuro.

E mais: estamos garantindo que a inovação seja acessível a diversos perfis de empreendedores, inclusive aqueles que atuam em contextos de maior vulnerabilidade.

Para que esse ecossistema se mantenha vivo e potente, é preciso ir além da mobilização de incubadoras e organizações da sociedade civil. É fundamental que grandes empresas, investidores e o setor público também assumam esse compromisso —seja apoiando programas, comprando de startups verdes ou investindo diretamente em soluções climáticas.

A crise climática exige respostas à altura da sua complexidade. E isso inclui criar ambientes favoráveis para que ideias transformadoras floresçam e ganhem o mundo. Acelerar negócios de impacto ambiental é uma das formas mais concretas de fazer isso acontecer. Ainda temos tempo, mas o momento de agir é agora e juntos.