terça-feira, 20 de maio de 2025

Ficamos mais estúpidos justo quando as máquinas ficam inteligentes, diz Jonathan Haidt em SP, FSP (definitivo)

 Carolina Azevedo

São Paulo

Se no best-seller mundial "A Geração Ansiosa" o psicólogo Jonathan Haidt propôs que a hiperconectividade gerava um declínio acelerado da saúde mental de crianças e adolescentes, hoje, pouco mais de um ano depois do lançamento, o problema parece ainda mais sério, afetando também os adultos.

Um homem de cabelo grisalho e com uma expressão séria está em pé em um palco, apontando com a mão direita. Ele usa um paletó escuro e uma camisa branca. Ao fundo, há uma projeção com texto que menciona idades de 6 a 11 anos, indicando diferentes graus ou níveis.
O psicólogo Jonathan Haidt abre o ciclo Fronteiras do Pensamento na segunda (19) em São Paulo - Greg Salibian/Divulgação

O que o professor descobriu —e que o vem perturbando desde então— é que a onipresença de redes sociais e smartphones vem resultando na perda da capacidade humana de pensar, segundo ele conta na palestra que abriu o ciclo Fronteiras do Pensamento deste ano, na noite desta segunda-feira (19) no auditório do Mackenzie, em São Paulo.

"A humanidade está ficando mais estúpida exatamente no momento em que nossas máquinas estão ficando mais inteligentes do que nós", explicou o psicólogo social e professor da Universidade de Nova York.

Haidt parte da tese de que a geração Z passou por um fenômeno que ele chama de "grande reconfiguração da infância", uma tragédia em dois atos: primeiro, com o declínio da infância baseada no brincar, entre as décadas de 1990 e 2000; depois, com a ascensão da infância baseada no celular, no período a partir de 2010. "Protegemos nossas crianças demais no mundo real e de menos no mundo online," afirmou o palestrante.

O resultado dessa reconfiguração é ilustrado por uma série de gráficos que convergem para a mesma conclusão: aumentos expressivos em taxas de depressão, ansiedade, lesões autoinfligidas e suicídio de adolescentes nos Estados Unidos entre 2010 e 2015 apontam que a infância mudou radicalmente nesse período, que coincide com a popularização dos smartphones.

O palestrante partiu de uma análise publicada pela Folha em maio de 2024 para mostrar que a mesma tendência de piora ocorre no Brasil, onde os registros de ansiedade entre adolescentes superaram os de adultos pela primeira vez em 2023. "Parece que estamos todos juntos nessa. Onde quer que tenhamos crianças com smartphones, veremos esses resultados", argumentou.

Entre outros efeitos negativos dos celulares, como o aumento dos índices de miopia e obesidade em crianças, o palestrante destacou a fragmentação da atenção. "Eu achava que o maior dano era na saúde mental. Agora vejo que existe algo ainda mais grave, que é a destruição da capacidade humana de prestar atenção", afirma.

Para ilustrar sua preocupação, Haidt apresentou um relatório interno do TikTok que afirma que seu uso compulsivo está relacionado a uma série de efeitos negativos para a saúde mental, como a perda de habilidades analíticas e de pensamento contextual.

"As big techs fazem isso deliberadamente, capturam cada segundo da atenção do seu filho, porque se o TikTok não conseguir, o Instagram conseguirá", concluiu o palestrante.

Como professor universitário, disse que seus alunos "perderam a capacidade de ler palavras numa página". Para ele, o resultado dessa perda de controle é a perda de sentido na vida, de forma mais ampla. "Se tudo o que você faz é consumir vídeos curtos o dia inteiro, sua vida se torna mesmo vazia. Se você não tem controle sobre a sua atenção, não consegue realizar nada."

Ao longo da palestra, o psicólogo celebrou a lei brasileira que proíbe o uso de celular nas escolas, considerando-a uma das melhores do mundo. Haidt parabenizou o Brasil por aplicar a lei "do jeito certo", isto é, banindo celulares não apenas no horário de aula, mas também durante intervalos, e endossou a importância da "rebelião das mães" contra a tecnologia, protagonizada no país pelo Movimento Desconecta.

Entre propostas que se dividem nos planos familiar e escolar, Haidt destacou a importância da ação coletiva, concluindo: "A infância foi transformada por esses dispositivos. Nossos cérebros estão se moldando ao redor deles. Precisamos restaurar uma infância humana, normal e saudável, no mundo real".

O ciclo Fronteiras do Pensamento deste ano terá ainda palestras da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie e do neurocientista português António Damásio.

Fronteiras do Pensamento - 19ª edição

Joel Pinheiro da Fonseca - O progressismo está em derrocada no mundo, FSP

 Erik Kaufmann, professor da Universidade de Buckingham, em artigo no Wall Street Journal, anuncia o início da era "pós-progressista" na política ("Welcome to the Post-Progressive Political Era", 14/5). Depois de algumas décadas em que as pautas progressistas acumularam vitórias —chegando a parecer o curso inevitável da história—, agora a maré virou.

A questão mais visível é a pauta trans, que foi de bandeira progressista a tema espinhoso. Mas não para por aí. Políticas de diversidade e inclusão de maneira geral estão sob ataque, bem como a imigração em massa. Não é apenas uma reação ao excesso de bandeiras identitárias ou ao politicamente correto, embora esses excessos sejam reais. As sociedades —até mesmo os jovens— estão mais conservadores.

Marcha pelo direito ao aborto em Washington, em 2022 - Jose Luis Magana - 14.mai.22/AFP

O Brasil também passa por isso. Estamos mais conservadores, especialmente nos costumes, e o conservadorismo está mais autoconfiante, mais vocal. O crescimento dos evangélicos tem tudo a ver com isso. Quinze anos atrás, sonhávamos com um futuro em que o Brasil liberalizaria sua lei de aborto. Hoje, a vitória é não tornar o acesso a ele ainda mais restrito.

A mudança cultural é mais determinante para nosso futuro do que as contingências momentâneas da política. Olhemos para Portugal: o partido Chega tem o melhor resultado de sua curta história, empatando com os socialistas. O governo de centro-direita pode se negar a uma aliança, mas essa escolha fica cada vez mais custosa. Não é mais impensável que o Chega —ou o RN na França, o AfD na Alemanha— chegue ao poder.

Aqui no Brasil temos o Supremo, que se coloca como uma vanguarda iluminista da sociedade em diversos temas. É dele que se esperam novas vitórias progressistas. Essa possibilidade, contudo, encontrará cada vez mais resistência junto à população e, portanto, ao Congresso.

Um fenômeno global pede causas também globais. Por isso vejo a mudança na tecnologia da informação como central nesse processo. As redes não criaram as opiniões conservadoras, mas forneceram o veículo para que novas lideranças, portadoras dessas bandeiras, pudessem falar com as massas e crescer mesmo sem a chancela da imprensa e da universidade. E a própria dinâmica das redes, que valoriza a conexão pessoal direta, favorece a política mais estridente, mais personalista, menos institucional, menos calcada em números e mais em sentimentos, que marca a guinada conservadora.

Há dois grandes riscos nesses novos tempos: a violação de direitos humanos fundamentais e a degradação das regras do jogo democrático. E a ameaça pode vir de diversos lados. Trump coage universidades, persegue estudantes; Bolsonaro tramou um golpe. Ao mesmo tempo, autoridades inglesas processam e prendem cidadãos por posts satíricos contra imigrantes; nosso Supremo investiga, processa, prende e bloqueia contas em nome da democracia.

Fora desses pontos, é hora de aceitar que o debate público mudou, que o progressismo não tem mais o monopólio do discurso e que de nada adiantam seus protestos de superioridade moral. Para vozes progressistas ou secularistas recuperarem sua influência e voltarem à preeminência social, terão que disputar corações e mentes na arena aberta do debate público e da comunicação. Democracia é isso.

Estudo com adolescentes mostra que ambiente urbano influencia senso de justiça e confiança nas instituições, Agência Fapesp

 José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Adolescentes que vivem em bairros com altos índices de violência e infraestrutura precária tendem a perceber o mundo como mais injusto para si mesmos do que para os outros, revela estudo realizado com jovens da cidade de São Paulo.

A pesquisa, desenvolvida pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP, analisou as trajetórias de “crença no mundo justo” (BJW, da expressão em inglês belief in a just world) de 659 adolescentes entre 12 e 14 anos, ao longo de três anos. Artigo a respeito foi publicado no Journal of Environmental Psychology.

O conceito de BJW refere-se à percepção de que o mundo é, de maneira geral, um lugar justo, no qual as pessoas “colhem o que plantam”. Essa crença é considerada fundamental para a formação de expectativas, para o engajamento social e para a internalização de normas e valores. No entanto, segundo os autores do artigo, essas crenças não se desenvolvem no vácuo: são moldadas por experiências concretas vividas nos ambientes físico e social.

“Nossa hipótese era que o ambiente físico, por si só, desempenha um papel importante na formação das crenças de justiça entre adolescentes – independentemente de fatores relacionais, como a convivência com pais, professores ou autoridades policiais”, conta o psicólogo André Vilela Komatsu, primeiro autor do estudo e bolsista da FAPESP (projetos 19/09360-6 e 22/07075-5).

A coautora é a neurocientista Simone Kühn, professora da University of Hamburg, em Hamburgo (Alemanha), e diretora do Center for Environmental Neuroscience do Max Planck Institute for Human Development, em Berlim, onde Komatsu fez estágio de pós-doutorado e o estudo foi desenvolvido em parceria.

Os pesquisadores observaram que, em bairros marcados por abandono, insegurança e violência, os adolescentes não apenas apresentam um nível mais baixo de BJW pessoal, como também desenvolvem trajetórias de afastamento gradual dessa crença ao longo do tempo. E a sensação de que a própria vida não é governada por justiça pode ter implicações importantes tanto no bem-estar psicológico quanto no comportamento, afetando aspectos como motivação, autoestima e a confiança nas instituições.

Já nos bairros mais favorecidos, os jovens mantêm uma BJW pessoal mais elevada, embora não necessariamente acreditem que o mundo seja justo em geral. “Mesmo adolescentes de classe média alta percebem a injustiça social ao seu redor”, aponta Komatsu. “Mas, ao viverem em ambientes mais protegidos e com acesso a serviços e oportunidades, sentem-se menos vulneráveis e mantêm certa confiança de que ao menos suas vidas serão justas.”

O estudo reforça a importância de considerar fatores urbanísticos e estruturais – como infraestrutura, acesso a serviços e coesão comunitária – no debate sobre cidadania e fortalecimento democrático. “Ambientes degradados não afetam apenas o bem-estar físico e mental, mas também corroem a confiança nas instituições e nos princípios de equidade”, avalia Komatsu.

O pesquisador afirma que as escolas têm o potencial de ocupar um papel central na formação das percepções que crianças e adolescentes desenvolvem sobre o que é justo ou injusto no mundo ao seu redor. “O ambiente escolar é o espaço institucional em que os jovens passam a maior parte do tempo e interagem de forma contínua. Em áreas urbanas desiguais, as escolas podem promover uma experiência de cidadania que contrasta com as injustiças percebidas no bairro, no transporte ou na segurança pública. Por outro lado, quando a escola reproduz desigualdades ou práticas punitivas e arbitrárias, ela reforça a percepção de que as instituições não são justas. No nosso estudo, levamos em conta a forma como os adolescentes percebiam seus professores em relação à aplicação justa das regras – ou seja, se agiam com clareza, imparcialidade e respeito. Sabemos, por estudos anteriores, que isso influencia diretamente a formação do senso de justiça nos jovens.”

Diferenças de “crença no mundo justo” em função de sexo ou raça não foram consideradas no estudo em pauta. Mas, em estudos anteriores, com a mesma amostra, essas diferenças foram claramente percebidas. “Esses estudos revelaram que jovens com maior privilégio social – especialmente os que se identificam como brancos, do sexo masculino, de escolas privadas e de famílias com renda mais alta – tendem a ter uma BJW pessoal mais alta. Ou seja, acreditam que vivem em um mundo mais justo para si do que para os outros. É claro que essas diferenças não refletem apenas percepções individuais, mas também as desigualdades estruturais presentes na sociedade brasileira”, informa Komatsu.

As mídias sociais ocupam um papel bastante relevante na formação de crenças e valores. “É importante observar que a disseminação de conteúdos nas redes ocorre dentro de ecossistemas mediados por algoritmos, que tendem a amplificar conteúdos com alto potencial de engajamento emocional, muitas vezes simplificados, sensacionalistas ou enviesados ideologicamente. Esses algoritmos não apenas selecionam o que é mostrado, mas moldam como os eventos são interpretados, reforçando bolhas de percepção e confirmando crenças prévias. Em muitas páginas e perfis, as causas estruturais das injustiças sociais, raciais e territoriais são ocultadas ou distorcidas, sendo substituídas por narrativas populistas e simplistas. Esse funcionamento algorítmico tende a induzir as pessoas a interpretar a injustiça social como resultado do comportamento individual ou específico de determinados grupos, reforçando estigmas já existentes”, sublinha Komatsu.

Nesse sentido, embora as mídias sociais tenham o potencial de fomentar a conscientização e a crítica social, seus algoritmos tendem a privilegiar conteúdos sensacionalistas ou emocionalmente carregados em detrimento de informações mais equilibradas e fundamentadas, como as produzidas por cientistas ou instituições comprometidas com a justiça social. “Isso não apenas distorce o debate público, mas também dificulta o acesso dos adolescentes a interpretações mais contextualizadas e embasadas por evidências sobre as causas das desigualdades e injustiças que os afetam”, argumenta o pesquisador.

O estudo aponta que intervenções urbanas são um recurso com alto potencial para restaurar o senso de justiça entre adolescentes em áreas vulneráveis, desde que dialoguem com as experiências cotidianas desses jovens. “Ações como a requalificação de espaços públicos – praças, centros culturais e áreas esportivas e de lazer – transmitem simbolicamente a mensagem de que aquela comunidade importa e é digna de cuidado. Mas é importante que essas iniciativas sejam acompanhadas de processos participativos que fortaleçam a percepção de pertencimento e de agência, promovendo o reconhecimento dos adolescentes como sujeitos de direitos. Além disso, o investimento contínuo em infraestrutura básica, como iluminação, saneamento, transporte e saúde, comunica a ideia da valorização material de vidas frequentemente negligenciadas”, enfatiza Komatsu.

O artigo The effect of the physical environment on adolescents’ sense of justice pode ser acessado em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0272494425000659.