segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Leão Serva Imprensa repete erro que levou Hitler ao poder ao chamar Marçal para debates, FSP (definitivo)

 Leão Serva

Doutor em comunicação e semiótica pela PUC-SP e diretor internacional de Jornalismo da TV Cultura, em Londres

[RESUMO] Mediador do debate entre candidatos a prefeito de São Paulo na TV Cultura, interrompido depois de José Luiz Datena (PSDB) agredir Pablo Marçal (PRTB) com uma cadeira, questiona a normalização de candidatos que ameaçam a democracia e sustenta que a imprensa não deveria convidar o ex-coach para debates, já que a participação dele não é obrigatória segundo as normas eleitorais.

Dado o conhecimento que temos hoje, se Adolf Hitler fosse candidato a um cargo de governo, deveríamos convidá-lo para um debate?

Um líder político que promete atos disruptivos pode, um dia, ser considerado um participante legítimo da democracia? A história das últimas décadas, em países como Hungria, Polônia, Venezuela, El Salvador, Filipinas, Argentina e México, mostra que as maiores ameaças à democracia frequentemente vêm de líderes autocráticos que, eleitos, trabalham para enfraquecer suas bases.

Pablo Marçal em entrevista coletiva depois de debate do SBT entre candidatos a prefeito de São Paulo - Rubens Cavallari - 20.set.24/Folhapress

Pior: isso já ocorre em democracias consolidadas, como Israel, Estados Unidos, Alemanha e França. Veja o uso da Suprema Corte no governo Trump, onde uma maioria foi montada para decidir ao arrepio da jurisprudência ou do bom senso.

Já durante as campanhas, esses políticos começam a destruir os espaços democráticos da sociedade civil. Suas práticas incluem atacar adversários com insultos, desrespeitando normas básicas e transformando o debate em espetáculo vulgar.

O jornalismo, desde o século 18, é um elemento estrutural das democracias, funcionando como um microcosmo do debate político geral. Ao atacar jornalistas ou subverter o debate, movimentos autocráticos anunciam a destruição de todos os espaços democráticos do Estado. O alvo não é o jornalista, mas o jornalismo e a democracia.

Então, por que normalizamos candidatos que ameaçam a democracia? Como Hitler fez com os judeus, Trump inventa histórias falsas sobre imigrantes. Bolsonaro afirmou que "índios" são quase humanos, propôs guerra civil para matar 30 mil "comunistas" e defendeu a morte do então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Por que recebemos essas figuras em nossos fóruns de debate?

O jornalismo está enfraquecido pela perda de audiência e vive uma "síndrome de Estocolmo" em relação às mídias digitais, que parecem dominar o espaço público. Repetem-se os erros de "apocalípticos e integrados" de Umberto Eco nos anos 1960, quando a televisão assumiu o protagonismo.

Há uma ignorância crucial nessa servidão à popularidade: redes sociais dependem da mídia convencional. Estudos mostram que dois terços das postagens sobre temas de interesse público em mídias digitais contêm notícias de imprensa, acompanhadas apenas de uma curta opinião. Os novos meios dependem do jornalismo convencional como vampiros de sangue. Isso explica por que a "anti-imprensa" cria simulacros de jornais.

A dependência ficou clara quando o candidato Pablo Marçal culpou três semanas sem debates televisivos por sua queda nas pesquisas. Afinal, mídias digitais não são suficientes para sustentar um candidato? Não... É o jornalismo, estúpido!

Mas nós, gestores dos meios, somos reféns dessa síndrome. Imagino que editores na Alemanha de 1932 se sentiram assim quando o nazista foi o partido mais votado, surfando com sagacidade a nova mídia, o rádio. Naquele momento, a democracia já havia sido leniente com Hitler, que, após uma tentativa frustrada de golpe, foi solto e passou a atuar como um político.

A democracia deve limitar as ameaças quando surgem. Esse princípio básico, embora delicado, deve ser mantido: quem ataca a democracia precisa ser contido. E isso deve ocorrer também no microcosmo jornalístico.

Lembro de uma ocasião em que Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha, me mandou interromper a impressão do jornal e destruir exemplares que continham uma entrevista com um artista plástico que quando jovem tinha colaborado com a ditadura e, no texto, defendia a tortura. "O limite da liberdade de expressão é a defesa da tortura ou da ditadura", disse Otavio.

Trump tentou um golpe de Estado em 6 de janeiro. Como não teve sua participação política limitada, pode, agora mais ainda, minar o sistema por dentro.

O caso de Pablo Marçal ilustra a dificuldade da imprensa em lidar com manifestações antidemocráticas, como foi com Bolsonaro. O candidato do PRTB não deveria ter espaço em debates na imprensa já que seu partido não tem representação. Mas, por ter relevância nas pesquisas, foi aceito. Se ele está lá, a responsabilidade é nossa. E, como o escorpião da fábula, ele envenena o espaço por dentro.

Por que continuamos chamando figuras como Trump, Bolsonaro ou Marçal para debates? Estamos repetindo o erro que levou Hitler ao poder. Como ilustra a cena bíblica, no livro de Marcos, Jesus pergunta à vítima do demônio: "Diga-me seu nome. Ele respondeu: ‘Meu nome é Multidão, pois somos muitos’."

Poderíamos dizer: "Meu nome é 37% dos votos", de Hitler. Ou 22%, no caso de Marçal...

A democracia precisa se proteger das "legiões", e o jornalismo deve fazer o mesmo em seu microcosmo.

Quando havia uma barata no prato, era o restaurante que pagava a conta; hoje é o cliente, João Pereira Coutinho- FSP

 Minha vida é uma sucessão de oportunidades perdidas. Oportunidades não: negócios. A riqueza já se insinuou várias vezes à frente dos meus olhos. Mas eu, míope para as questões práticas da vida, não consegui ver mais longe.

Perdi o trem do bitcoin quando ele passou à minha porta. E um amigo, tempos atrás, sugeriu que abríssemos o primeiro restaurante português inteiramente dedicado a insetos e rastejantes.

"Você está louco? Podemos ser processados", disse eu.

"É tudo legal", disse ele. É também uma moda e uma necessidade, acrescentou. Os bichos são altamente nutritivos, ecologicamente responsáveis –e um bom chef faria toda diferença. Com sorte ainda ganharíamos uma estrela Michelin.

Meditei um pouco. Antigamente, quando havia uma barata no prato, era o restaurante que pagava a conta.

PUBLICIDADE

Será que o mundo já evoluiu para um estágio em que o cliente, longe de reclamar, está disposto a pagar para ter essa experiência?

Cético com a proposta, recusei. Erro crasso.

Viajo para França em breve. E, lendo as novidades da "saison" para ocupar meus dias, confirmo que os parisienses continuam na vanguarda gastronômica.

Que o diga Laurent Veyet, a alma do Inoveat, o primeiro restaurante de "haute cuisine" dedicado aos amigos que fogem quando ligamos a luz da cozinha.

Algumas pessoas nuas, de costas observam pinturas que retratam Adão e Eva semi-nus, apenas com folhas de parreira tampando as partes
Angelo Abu/Folhapress

Informa o Le Figaro que, por 99 euros, é possível uma experiência única de sete pratos onde vermes, minhocas ou gafanhotos, devidamente criados em fazendas especializadas, fazem bons carpaccios, bons purés, bons molhos, bons sorvetes.

Bichos-da-seda com notas de amêndoa é uma das delícias mais apreciadas, embora eu talvez preferisse os grilos crocantes com batata-doce.

A experiência tem sido um sucesso, prova definitiva de que o pessoal já não se contentava com a ingestão involuntária desses petiscos durante o sono. Exigia mais sofisticação, e os franceses, inteligentes, responderam às necessidades do mercado.

Mas não é apenas na gastronomia que a França continua a liderar a Europa. Em Marselha, no principal museu da cidade, é possível visitar a exposição "Paraísos Naturistas" tal como viemos ao mundo, em perfeita sintonia com o tema das obras.

Confesso: nunca fui um apreciador de naturismo. Um trauma de infância, depois de ver uma tia-avó tomando banho, e questões eminentemente práticas (onde guardar as chaves de casa?, por exemplo), sempre me impediram de aderir ao movimento.

Por outro lado, andar nu dentro de um museu pode alimentar comparações fálicas desnecessárias com a estatuária clássica, sobretudo quando sabemos que as partes íntimas de um homem são sensíveis ao frio.

Medos infundados, garante a Federação Naturista Francesa à revista "New Yorker". Quando estamos nus, ninguém repara na nudez alheia e todos se olham nos olhos, diz a federação.

Não é a minha experiência. A primeira e última vez que tentei o nudismo, ninguém me olhou nos olhos. Pelo contrário: todos taparam os deles.

Além disso, as virtudes do naturismo que a federação defende não me convencem. Um mundo "au naturel" seria mais democrático, apagando as diferenças de classe?

Não creio. Longe vão os tempos em que corpos rotundos eram marca distintiva dos ricos. Hoje, é precisamente o contrário: a magreza subiu a escada social e a volumetria desceu-a.

Também não acredito que a ausência de roupas contribui para sociedades mais pacíficas só porque é impossível esconder as armas.

Depende de que armas falamos. Um fuzil de assalto seria, com certeza, delicado. Mas uma granada de mão, com certo maneio, seria imperceptível.

Mas divago. No mundo dos negócios, é indiferente o que eu penso. Esse tem sido o meu erro desde o princípio: deixar que meus temores e preconceitos sejam uma barreira para o sucesso.

Importantes são os desejos do cliente. E, nesse quesito, a França é uma inspiração para o futuro.

Restaurantes de insetos, já há. Restaurantes para nudistas também. O que não existe, até o momento, são restaurantes de insetos para nudistas, ou seja, a experiência ancestral completa.

Da próxima vez em que estiver com o meu amigo, vou propor-lhe o negócio. Nome já tenho: "Formigamento". Tanto serve para descrever o conteúdo dos pratos como a emoção de os provar de corpo pelado.