segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Quando havia uma barata no prato, era o restaurante que pagava a conta; hoje é o cliente, João Pereira Coutinho- FSP

 Minha vida é uma sucessão de oportunidades perdidas. Oportunidades não: negócios. A riqueza já se insinuou várias vezes à frente dos meus olhos. Mas eu, míope para as questões práticas da vida, não consegui ver mais longe.

Perdi o trem do bitcoin quando ele passou à minha porta. E um amigo, tempos atrás, sugeriu que abríssemos o primeiro restaurante português inteiramente dedicado a insetos e rastejantes.

"Você está louco? Podemos ser processados", disse eu.

"É tudo legal", disse ele. É também uma moda e uma necessidade, acrescentou. Os bichos são altamente nutritivos, ecologicamente responsáveis –e um bom chef faria toda diferença. Com sorte ainda ganharíamos uma estrela Michelin.

Meditei um pouco. Antigamente, quando havia uma barata no prato, era o restaurante que pagava a conta.

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Será que o mundo já evoluiu para um estágio em que o cliente, longe de reclamar, está disposto a pagar para ter essa experiência?

Cético com a proposta, recusei. Erro crasso.

Viajo para França em breve. E, lendo as novidades da "saison" para ocupar meus dias, confirmo que os parisienses continuam na vanguarda gastronômica.

Que o diga Laurent Veyet, a alma do Inoveat, o primeiro restaurante de "haute cuisine" dedicado aos amigos que fogem quando ligamos a luz da cozinha.

Algumas pessoas nuas, de costas observam pinturas que retratam Adão e Eva semi-nus, apenas com folhas de parreira tampando as partes
Angelo Abu/Folhapress

Informa o Le Figaro que, por 99 euros, é possível uma experiência única de sete pratos onde vermes, minhocas ou gafanhotos, devidamente criados em fazendas especializadas, fazem bons carpaccios, bons purés, bons molhos, bons sorvetes.

Bichos-da-seda com notas de amêndoa é uma das delícias mais apreciadas, embora eu talvez preferisse os grilos crocantes com batata-doce.

A experiência tem sido um sucesso, prova definitiva de que o pessoal já não se contentava com a ingestão involuntária desses petiscos durante o sono. Exigia mais sofisticação, e os franceses, inteligentes, responderam às necessidades do mercado.

Mas não é apenas na gastronomia que a França continua a liderar a Europa. Em Marselha, no principal museu da cidade, é possível visitar a exposição "Paraísos Naturistas" tal como viemos ao mundo, em perfeita sintonia com o tema das obras.

Confesso: nunca fui um apreciador de naturismo. Um trauma de infância, depois de ver uma tia-avó tomando banho, e questões eminentemente práticas (onde guardar as chaves de casa?, por exemplo), sempre me impediram de aderir ao movimento.

Por outro lado, andar nu dentro de um museu pode alimentar comparações fálicas desnecessárias com a estatuária clássica, sobretudo quando sabemos que as partes íntimas de um homem são sensíveis ao frio.

Medos infundados, garante a Federação Naturista Francesa à revista "New Yorker". Quando estamos nus, ninguém repara na nudez alheia e todos se olham nos olhos, diz a federação.

Não é a minha experiência. A primeira e última vez que tentei o nudismo, ninguém me olhou nos olhos. Pelo contrário: todos taparam os deles.

Além disso, as virtudes do naturismo que a federação defende não me convencem. Um mundo "au naturel" seria mais democrático, apagando as diferenças de classe?

Não creio. Longe vão os tempos em que corpos rotundos eram marca distintiva dos ricos. Hoje, é precisamente o contrário: a magreza subiu a escada social e a volumetria desceu-a.

Também não acredito que a ausência de roupas contribui para sociedades mais pacíficas só porque é impossível esconder as armas.

Depende de que armas falamos. Um fuzil de assalto seria, com certeza, delicado. Mas uma granada de mão, com certo maneio, seria imperceptível.

Mas divago. No mundo dos negócios, é indiferente o que eu penso. Esse tem sido o meu erro desde o princípio: deixar que meus temores e preconceitos sejam uma barreira para o sucesso.

Importantes são os desejos do cliente. E, nesse quesito, a França é uma inspiração para o futuro.

Restaurantes de insetos, já há. Restaurantes para nudistas também. O que não existe, até o momento, são restaurantes de insetos para nudistas, ou seja, a experiência ancestral completa.

Da próxima vez em que estiver com o meu amigo, vou propor-lhe o negócio. Nome já tenho: "Formigamento". Tanto serve para descrever o conteúdo dos pratos como a emoção de os provar de corpo pelado.

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