segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Novo Minha Casa, Minha Vida tem boom de lançamentos e ultrapassa restante do setor pela primeira vez, FSP

 Stéfanie Rigamonti

SÃO PAULO

Após ser repaginado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em julho do ano passado, o programa Minha Casa, Minha Vida elevou em 65,9% os lançamentos de residências no Brasil no primeiro semestre deste ano em comparação com o mesmo período de 2023.

No mesmo período, os lançamentos totais do mercado imobiliário cresceram apenas 5,7%, segundo dados de empreendimentos verticais levantados pela CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) em parceria com o Sesi e o Senai. Com isso, o programa social aumentou em 70% sua participação nos lançamentos do mercado imobiliário em um ano.

No segundo trimestre deste ano, as unidades lançadas pelo Minha Casa, Minha Vida corresponderam a 53% do total do mercado imobiliário, ultrapassando pela primeira vez, desde que o programa social foi relançado, o montante do restante do mercado, que lançou 47% no período. No segundo trimestre de 2023, a proporção era de 31% e 69%, respectivamente.

No total, foram 83.930 unidades lançadas no período, sendo 44.764 unidades do Minha Casa, Minha Vida.

Obras de um prédio na rua Rua do Hipódromo, na Mooca, em São Paulo
Obras de um prédio na rua Rua do Hipódromo, na Mooca, em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

O quadro regional, porém, mostra que o Minha Casa, Minha Vida segue a mesma lógica do restante do mercado e prioriza a região Sudeste, contribuindo pouco ainda para diminuir o déficit habitacional em regiões onde, proporcionalmente, este é maior.

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No segundo trimestre de 2024, o programa social lançou 27.703 unidades no Sudeste, 6.369 no Nordeste, 5.988 no Sul, 2.776 no Norte e 1.928 no Centro-Oeste. Ou seja, 61,8% dos lançamentos do programa foram no Sudeste, 14,2% no Nordeste, 13,4% no Sul, 6,2% no Norte e 4,3% no Centro-Oeste.

O Sudeste corresponde ao maior déficit habitacional do Brasil em termos absolutos. Mas, proporcionalmente ao número de habitantes, a região está com déficit menor do que a média nacional, que é de 8,3%, segundo levantamento da Fundação João Pinheiro (FJP), em parceria com o Ministério das Cidades.

Já o Norte, penúltimo na ordem de prioridade do governo com os lançamentos do programa social, tem três estados no top do ranking de unidades da federação com maior proporção de déficit habitacional. São eles: Amapá, com 18% de déficit, Roraima, com 17,2%, e Amazonas, 14,5%.

Vale ressaltar que a maior parte do déficit habitacional no Norte (42,8%) e no Nordeste (39,9%) é em decorrência de habitações precárias, como domicílios improvisados. Já no Sudeste, Sul e Centro-Oeste, o predomínio do déficit é de ônus excessivo com aluguel urbano, ou seja, de famílias com renda domiciliar de até três salários-mínimos que gastam mais de 30% de sua renda com aluguel.

Ou seja, até mesmo em termos qualitativos o déficit no Norte e Nordeste é maior.

Apesar dos dados, Celso Petrucci, conselheiro da CBIC, chama atenção para a comparação dos lançamentos por região do Minha Casa, Minha Vida em relação ao restante do setor. No Norte, 86% dos imóveis lançados no segundo trimestre deste ano foram pelo programa social, enquanto o restante do mercado lançou os outros parcos 14% na região.

Mas no Sudeste, local com menor déficit habitacional proporcional, o Minha Casa, Minha Vida foi responsável por 60% dos novos empreendimentos, enquanto o restante do mercado, por 40%. No Nordeste, a proporção é 53% (outros padrões) e 47% (programa social), no Centro-Oeste é 61% (outros padrões) e 39% (programa social) e no Sul, também 61% (outros padrões) e 39% (programa social), respectivamente.

Com base na evolução dos números do programa, Petrucci acredita que, a partir do próximo trimestre, deverá haver uma participação maior do Minha Casa, Minha Vida nos lançamentos dessas últimas três regiões.

"Tenho a impressão de que, quando fizermos a coletiva do terceiro trimestre [de 2024], já vai crescer a participação [do Minha Casa, Minha Vida] também na região Nordeste, Centro-Oeste e Sul", disse durante a entrevista coletiva online de apresentação dos números nesta segunda-feira (19).

A pesquisa destaca que o incremento de orçamento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) de R$ 23 bilhões neste ano estimula o desenvolvimento de empreendimentos enquadrados no programa social no futuro.

VENDAS SOBEM MENOS QUE LANÇAMENTOS

As vendas de imóveis estão aquecidas no mercado imobiliário do Brasil como um todo e subiram 15,2% do primeiro semestre de 2023 para o mesmo período deste ano. Somente no Minha Casa, Minha Vida, essa elevação foi de 37,4% nesse espaço de tempo.

Como o crescimento da venda total de imóveis no setor imobiliário brasileiro foi maior que o dos lançamentos (5,7%), a oferta final de empreendimentos reduziu em todos as regiões do país no primeiro semestre, para 274.303 unidades, ante 309.789 há um ano.

No Minha Casa, Minha Vida, por sua vez, a alta nas vendas foi menor que nos lançamentos, por isso a oferta final de novos empreendimentos no programa cresceu 5,6% no período.

Apesar da importante participação do Minha Casa, Minha Vida no total dos novos empreendimentos lançados, nas vendas, essa participação ainda é menor. No segundo trimestre, 58% dos empreendimentos verticais vendidos não são do programa social, que representou, nesse quesito, 42%.

Um novo decreto do Ministério das Cidades, porém, deve impulsionar as vendas de novos empreendimentos do Minha Casa, Minha Vida ao limitar a compra de imóveis usados, reduzindo o valor de venda máxima desse produto na faixa 3 (renda bruta entre R$ 4.400 e R$ 8 mil) de R$ 350 mil para R$ 270 mil.

O governo Lula já havia sinalizado a intenção de adotar a medida com o objetivo de permitir que o orçamento do FGTS seja direcionado principalmente para a aquisição de imóveis na planta, em construção ou recém-construídos, que têm maior geração de empregos.

Elson Póvoa, representante da CNI (Confederação Nacional da Indústria) no conselho do FGTS, afirmou em julho que a média de 2014 até 2022 do percentual de aplicação do fundo nos imóveis usados ficou na faixa de 12%. Mas, em 2023, subiu para 29% e, em 2024, para 32%.

"Nós não podemos deixar o usado desenfreado e prejudicar o financiamento dos novos. Senão, nós vamos ter um problema muito sério agora no final do ano, que é exatamente o financiamento dos novos", disse, na época.

Com informações da Agência Brasil e da repórter Mariana Brasil

Cautela: precisamos falar sobre suicídio, mas de forma segura, Morte Sem Tabu FSP

 Camila Appel

Os especialistas em saúde mental e os suicidologistas (psicólogos engajados no tema) estão particularmente preocupados nesta semana. Um menino de 14 anos, estudante do nono ano do Colégio Bandeirantes de São Paulo, se matou. Um áudio seu, de despedida, tem sido compartilhado e os motivos para essa tragédia discutidos, buscando-se culpados. Vejo colegas jornalistas em dúvida: devemos, ou não, falar publicamente sobre o assunto?

O ideal é buscarmos esse tipo de resposta na ciência. Naquela esfera que investiga suposições e traz dados para embasar uma orientação.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) confirma que a mídia deve, sim, abordar o assunto. Mas traz importantes ressalvas de como isso deve ser feito para evitar o efeito contágio, chamado de "Efeito Werther". (Veja uma cartilha para a mídia aqui).

O nome do efeito é inspirado no livro do autor alemão Goethe (1749-1832), "Os Sofrimentos do Jovem Werther", escrito em 1774. O protagonista, Werther, morre depois de uma frustração amorosa. O drama incitou uma onda de suicídios com jovens usando a mesma roupa que o protagonista usava e o mesmo método que ele descreve no livro. Naquela época, o livro foi inovador ao provocar uma reflexão sobre os sentimentos, o que não ocorria na literatura, e impulsionou o Romantismo na Europa.

O efeito contágio pode ocorrer quando há descrição do método utilizado, do local escolhido e do ímpeto em buscar culpados. Suicídios são sempre multifatoriais e é por isso que evitamos atribuir a tragédia a uma causa específica. Pessoas diferentes em contextos iguais podem não chegar ao ato de tirar a própria vida. E o sentimento de culpa não recai apenas sobre aqueles que o próprio suicida eventualmente identifica como responsáveis.

É por isso que não se deve compartilhar cartas de despedida, muito menos um áudio. Além de ir contra a recomendação dos especialistas da área, torna ainda mais doloroso o luto da família.

O luto por suicídio tem muitas especificidades que podem impedir com que os sobreviventes (como são chamados os afetados por essa morte) consigam voltar a se adaptar à rotina e ver sentido na vida. Uma dessas características é a culpa e a elucubração de cenários, o "e se".

Não se deve compartilhar cartas de despedida, muito menos um áudio - Estela May

O detalhamento desse tipo de morte contribui para o julgamento social. Sabendo de detalhes sobre o caso, questiona-se a atuação da família, da escola, dos amigos e não-amigos. Esse tipo de avaliação não contribui para a discussão em si, que é o aumento das taxas de suicídio, principalmente entre jovens. Esse debate não é feito buscando responsabilização de adultos ou crianças. Suicídio é um problema de saúde pública.

Os temas levantados pelo mais recente caso, como racismo e homofobia, são urgentes na nossa sociedade e devem ser endereçados diariamente. Mas não é explorando um caso concreto que envolve várias outras pessoas, também jovens e muito possivelmente também vítimas de bullying, que faremos isso com segurança. Ao procurarmos culpados de forma impulsiva, especialmente quando, como dito, o suicídio não é consequência de uma única causa, podemos colocar outras vidas em risco.

É hora de cautela.

Um conteúdo importante de ser compartilhado são sugestões de ações para quem está preocupado com uma pessoa próxima.

Karen Scavacini, fundadora do Instituto Vita Alere, sugere abordar os fatores de proteção e ações de cuidados com os jovens, ao invés de falarmos apenas de riscos. Os fatores de proteção são: conexões saudáveis, se sentir pertencente, ter acesso aos cuidados de saúde mental, fazer uso saudável de tecnologia, habilidade de resolver problemas, políticas públicas que funcionem para saúde mental, proteção da violência escolar, que significa agir quando se tem um caso de violência escolar. A escola deve ter programas de educação socioemocional, ensinar alunos formas de pertencimento e como lidar com frustrações. Outro fator de proteção é a fala segura sobre saúde mental e o suicídio, sem estigmas sobre procurar ajuda. Há cartilhas sobre isso como a do VitaAlere e as que indico aqui.

Karen oferece conteúdo para quem está preocupado com uma pessoa próximaque reproduzo abaixo.

SE VOCÊ ESTÁ PREOCUPADO COM ALGUÉM:

A primeira e mais importante ação ao lidar com uma situação de risco de suicídio é mostrar que você se importa. Ouvir com atenção e levar a sério qualquer ameaça de suicídio é essencial. Confie em seu julgamento e intuição para oferecer um apoio genuíno, respeitando os sentimentos da pessoa.

A segunda coisa para se fazer é perguntar sobre o suicídio. Um dos grandes mitos do suicídio é que se alguém perguntar sobre o suicídio, pode colocar essa ideia na cabeça da pessoa, mas se você já desconfia que ela quer se matar, e ela falar algo sobre isso, é porque a pessoa já estava pensando nisso há algum tempo.

Quebre o silêncio. Diferente do mito, perguntar diretamente e de maneira gentil sobre os pensamentos pode ser um alívio para aqueles que estão em perigo. Participar de uma conversa aberta pode fazer a diferença. Aborde o tema diretamente, mas com empatia, criando um espaço seguro e acolhedor para a conversa.

Você não precisa ter todas as respostas ou soluções. O objetivo é ouvir, acolher e avaliar a gravidade da situação discutindo pensamentos, planos e possíveis meios de suicídio. Tomar medidas é crucial e não deve-se prometer confidencialidade. Em muitos casos, é fundamental envolver outras pessoas e profissionais de saúde mental.

Conheça os fatores de risco e os sinais de alerta. Indivíduos com histórico de tentativas de suicídio e depressão correm mais risco.

Sua atenção e apoio podem desempenhar um papel ajudando alguém a explorar caminhos e recuperar a esperança. Mas não seja o único responsável por ela, inclua outras pessoas no cuidado.

OPÇÕES DE LOCAIS PARA BUSCAR AJUDA:

Outros textos do blog:

Mitos sobre suicídio

Como ajudar uma pessoa que está pensando em suícidio

RESPOSTA DO COLÉGIO BANDEIRANTES

O Morte sem Tabu entrou em contato com o Colégio Bandeirantes, que enviou uma carta de posicionamento. Segue, na íntegra:

O Colégio Bandeirantes, com profundo pesar, lamenta o falecimento de um estudante do 9º ano do Ensino Fundamental, ocorrido nesta segunda-feira, fora das dependências da escola. A direção e toda a comunidade escolar estão profundamente abaladas por essa perda irreparável. Neste momento, a prioridade do colégio é oferecer todo o apoio e assistência necessários à família do aluno e aos colegas e amigos impactados por essa tragédia.

A instituição reforça seu compromisso com o bem-estar emocional de todos, destacando o trabalho realizado na área de Convivência Positiva, por meio:

• do desenvolvimento de competências socioemocionais, em aulas semanais de Convivência e de maneira transdisciplinar,

• da formação continuada de professores e funcionários,

• do acompanhamento dos alunos e famílias pela equipe de Orientação Educacional,

• de programas de protagonismo de alunos como as Equipes de Ajuda, compostas por estudantes do Ensino Fundamental formados para apoiar seus colegas em momentos difíceis, e o C.A.R.E. (Comissão de Apoio Racional e Emocional), composto por jovens voluntários do Ensino Médio que oferecem suporte emocional e promovem a integração entre os alunos. Os dois programas são supervisionados por profissionais especializados.

Tais iniciativas visam criar um ambiente acolhedor e seguro para todos.

Em respeito à família, não serão divulgados detalhes adicionais sobre o ocorrido.

NOTA DO INSTITUTO VITA ALERE SOBRE O CASO

Aproveito para divulgar, abaixo, a nota do Instituto Vita Alere, especializado em prevenção e posvenção do suícidio e onde buscar ajuda:

Diante da recente tragédia envolvendo um aluno do Colégio Bandeirantes em São Paulo, é essencial reforçar a importância de abordar o tema do suicídio com extrema responsabilidade e cuidado. O fato de um áudio de despedida deste jovem estar sendo amplamente compartilhado nas redes sociais é profundamente preocupante. A circulação de conteúdos como esse pode ter efeitos devastadores, especialmente em adolescentes vulneráveis, gerando gatilhos que podem agravar o sofrimento e até incentivar comportamentos autodestrutivos.

É crucial lembrar que o suicídio é uma questão multifatorial, resultante de uma complexa interação de fatores psicológicos, sociais e biológicos. Buscar uma causa única ou simplificar o entendimento do suicídio pode ser prejudicial e desrespeitoso com a complexidade da situação. Cada caso é único, e a responsabilidade ao abordar o tema deve refletir essa realidade.

Falar sobre suicídio de maneira segura não significa esconder ou silenciar o assunto, mas sim tratá-lo com a seriedade e o respeito que ele merece, sempre com o objetivo de proteger e acolher aqueles que estão em risco. Nesse contexto, é fundamental respeitar a privacidade e o luto das famílias e comunidades afetadas, que já estão muito expostas e enfrentando uma dor imensa.

Recomendamos que todos acessem os materiais disponíveis pelo Instituto Vita Alere, que oferecem orientações detalhadas sobre como falar de maneira segura sobre o suicídio. Além disso, para quem se deparar com conteúdos sensíveis ou prejudiciais nas redes sociais, é importante utilizar os canais de denúncia disponíveis para reportar esses materiais e impedir que continuem sendo disseminados.

Por favor, reflitam e pensem nas possíveis consequências perigosas antes de compartilhar informações desse tipo. Se você ou alguém que conhece está passando por um momento difícil, busque ajuda imediata.


Vera Iaconelli - Tragédia e esperança nas escolas de elite, FSP

 As escolas brasileiras de elite têm funcionado como clubes, nos quais a finalidade pedagógica dá lugar ao desejo de que os filhos façam seu "networking". Esse projeto acontece subliminarmente, desde o maternal, imiscuído nas relações afetivas da criança que, ao final, só quer brincar com o amiguinho com quem encontra diariamente.

Extremamente fechadas, essas instituições mantêm a esperança de garantir aos filhos um lugar no círculo olímpico do qual os pais já fazem parte ou no qual desejam entrar. Aprender o conteúdo pedagógico, namorar e casar com pessoas da mesma classe social e raça, tornar-se sócio, cliente e fornecedor, não necessariamente nessa ordem, são as metas a serem alcançadas ao escolher uma escola particular cara. Sob a ideia de "criar líderes", almeja-se formar patrões, não cidadãos.

Para uma família em ascensão, ou para quem deseja manter sua condição de privilégio, essa promessa exige um aporte financeiro considerável, algo que a lógica neoliberal justifica como "retorno de investimento". A entrada de crianças não brancas, pobres e periféricas por meio de cotas e programas sociais desafia a lógica de condomínio, expressão cunhada por Christian Dunker para desmascarar o mecanismo do apartheid brasileiro.

Embora a inclusão seja um processo, a permanência é outro. Ao introduzir crianças e adolescentes nessas instituições sem o devido acompanhamento, estamos potencializando violências que fazem parte de suas vidas e que os colégios jamais poderiam ignorar. A entrada nesses ambientes, vista como um privilégio do qual se espera gratidão, costuma ser a reedição das humilhações diárias dessa população. A vertigem de confrontar o abismo social que nos divide entre cidadãos de primeira e de segunda classe, transformando direitos em privilégios, pode ser fatal, como temos visto.

O tom caridoso e piegas daqueles que recebem esses alunos oculta um fato: a criança pobre, preta ou periférica vai contra o DNA dessas empresas. Elas se mantêm justamente para afastar essas características das famílias abastadas. E se essas crianças se tornarem amigas, e se convidarem para o aniversário ou para ir à casa, e se namorarem, e se, horror dos horrores, quiserem casar? A lista de apreensões mal disfarçadas é infindável.

O projeto de permanência, sem o qual a inclusão é só mais uma violência, acompanha de perto a experiência de quem enfrenta mazelas sociais com um diminuto corpo infantil ou com o corpo adolescente, fadado a excessos.

Mas o projeto não pode se reduzir à criança, pois ela não é o problema, mas a solução. Do porteiro à direção, as políticas de inclusão devem promover uma autorreflexão sobre as questões sociorraciais que fundam essas escolas, sob pena de vivermos tragédias anunciadas, como o recente suicídio do aluno do colégio Bandeirantes.

Essas empresas sempre tiveram pessoas negras e periféricas em seus quadros, mas em funções subalternas, reforçando estereótipos nos quais a ideia de privilégio se organiza. Mesmo para eles, a chegada de alunos e professores tão próximos de si pode causar estranhamentos.

Os professores aceitos nessas instituições costumam ter uma formação robusta que não escapa ao letramento racial, de gênero e social, mas isso não significa que tenham espaços para elaborar seus próprios fantasmas sobre o tema. A direção, por sua vez, se vê entre a cruz e a caldeirinha, almejando a impossível tarefa de fazer esse omelete sem quebrar ovos. No entanto, sem transformações radicais, não existe inclusão.

Não há nada mais revolucionário neste país hoje do que o sistema de cotas sociorraciais, por promover o encontro de dois brasis desde sempre apartados.

Meus profundos pêsames aos familiares da mais recente vítima desse confronto.